MARIDO TRAÍDO
Elmar Carvalho
Primeiro, fora um telefonema anônimo. Não quis acreditar. Agora, era aquele bilhete odioso, humilhante. Seu sangue fervera. Sentira uma tontura, uma náusea forte. Chegou ao ponto de vomitar. A mensagem fora escrita a máquina. Manoel Freire era de poucas letras, mas lia bem o que aquelas linhas diziam, em português não muito correto: “Tua mulher tá te traindo. Toda veiz que tu sai pra trabaiar de vigia, ela recebe um agente da puliça civil, um cabra metido a conquistador, forte e bonitão. Só tô te contando porquê tu é um homem trabaiador, dereito, e não merece o que a sirigaita tá fazendo cuntigo. Se tu quiser comprovar o que digo vai pra tua casa, depois das nove da noite. Quase toda noite o pé de pano chega entre as oito e meia e nove horas, e só sai depois das doze.”
Manoel guardou o papel no bolso da calça, com cuidado pra ninguém ver, mas logo o retirou para reler, como se não quisesse acreditar no que lia. O anônimo teve o cuidado de lhe enviar a correspondência através dos Correios, para o endereço do trabalho. Era vigia do SENAI fazia muitos anos. Cumpridor de suas obrigações, não faltava ao serviço e se mantinha acordado em seu posto. Por isso, procurava dormir bem durante o dia. Quando relia o bilheta, fazia suas conjecturas. Achava que sua mulher Maria do Carmo vinha se comportando de forma diferente nos últimos meses. Ao lhe procurar para fazer sexo, de manhã cedo, quando retornava do trabalho, notava que ela ou o aceitava sem o entusiasmo de antes, apenas como se fosse por obrigação, ou inventava uma desculpa qualquer, como dor de cabeça, enxaqueca, indisposição. Estranhou quando, em certo mês, ela deu duas desculpas de que estava menstruada.
Gostava da morena. Achava lindo o seu corpo cheio, carnudo, de muitas curvas, com muitos côncavos e convexos, como dizia a letra da música. Fora seu primeiro e único namorado. Tão logo arranjou emprego, aos 23 anos, tratou de casar. Não gostava de mulher dama. Era melhor ter uma mulher somente sua. Ainda por cima nova e bonita, limpa e trabalhadora. Infelizmente, não tiveram filhos. Não sabia se a culpa era sua ou dela. Quando lhe perguntavam pelos filhos, um tanto envergonhado, dizia que Maria do Carmo não podia ter filhos. O que mais lhe doía, ao ler e reler o bilhete, é que nunca tivera outra mulher após o casamento. Não tinha necessidade. Sua mulher ainda se mantinha muito bonita, aos 32 anos, após 10 de casamento. E com a vantagem de ser quase virgem, pois não tivera filhos, que lhe estragasse a beleza e o ajuste das entranhas.
No dia em que recebeu o bilhete, logo ao chegar à portaria do SENAI, telefonou para o seu compadre Felipe. Pediu para que ele viesse substituí-lo, pois tinha um serviço muito importante a fazer. Ficou satisfeito porque o compadre, discreto e educado, não lhe perguntou sobre que serviço iria fazer. Andou no centro da cidade de um lado para outro, sem destino certo, em sua bicicleta. Estava atormentado, zonzo ainda com a notícia da traição. Por volta de 8 horas e 5 minutos seguiu no rumo de sua casa. Não foi pelo caminho de costume, para que ninguém o visse. Fez uma volta, até se postar detrás de uma moita que havia, num terreno baldio, de modo que dava para ver a porta de entrada de sua casinha. Lembrou-se das esperas das caçadas, que às vezes fazia, em seus dias de folga. Só que desta feita a caça era um homem, e a arma seria de outro tipo. Perto de 21 horas, um homem empurrou a porta e entrou, sem vacilar. Os amantes haviam combinado que se houvesse algum problema, como o marido ter voltado ou não ter ido trabalhar, por algum motivo, a mulher daria um jeito de colocar um pequeno pedaço de papel vermelho na porta, perto da fechadura; e a porta ficaria fechada a chave, e não apenas encostada.
Manuel Freire deixou passar uns 15 minutos. Deixou a bicicleta encostada na moita e, a passos apressados, dirigiu-se para a porta da frente, que estava devidamente fechada a chave. Bateu com força, usando uma pedra. Gritou forte o nome da mulher, como se quisesse chamar a atenção do casal. Os amantes faziam sexo, quando ouviram as batidas na porta e ouviram de maneira nítida o marido chamar o nome da mulher. O homem interrompeu o ato, e vestiu a roupa de forma apressada, enquanto a mulher pediu ao marido tivesse paciência, que já ia abrir-lhe a porta. Sussurrou no ouvido do amante para que ele saísse pela porta da cozinha, e a deixasse apenas encostada, que depois ela fecharia. Ambos estavam apavorados, com o coração a bater apressado, porém não existia outra solução.
O homem se dirigiu para a porta da cozinha e a abriu, planejando depois saltar o muro, que era baixo. Sentiu uma dor forte e aguda no pescoço. Um profundo golpe de faca cortou-lhe a jugular. Instintivamente levou as mãos ao pescoço, no esforço vão de estancar o sangue. O jato vermelho e quente esguichou-lhe por entre os dedos. Tentou correr para saltar o muro, mas caiu-lhe aos pés, para não mais se erguer. Aparentemente calmo, o homicida saiu pela porta da frente. Sequer procurou saber onde se encontrava a traidora. Foi ao lugar onde deixara a bicicleta, e seguiu rápido até a Delegacia, onde confessou o crime. Entregou a grande faca ao delegado, ainda suja de sangue. Contou que batera na porta da frente, mas fora esperar o finado na porta de trás, porquanto imaginou que ele sairia por ela. E assim aconteceu. Estava ali para pagar o que tivesse de pagar. E assinou o termo do depoimento sem ao menos se dar ao trabalho de ler.
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