2 de março
OCASOS & ACASOS
Elmar Carvalho
Hoje a televisão noticiou que uma pedra, de aproximadamente dois quilos, caiu de um viaduto sobre o parabrisa de um carro que passava, e terminou provocando a morte do passageiro. Se a pedra foi empurrada por alguém, esse alguém deve ser alguma espécie de louco, para fazer uma maldade tão gratuita, já que não poderia saber quem iria ser atingido com o impacto. Seria uma espécie de franco atirador de pedra ou um jogador de roleta russa, mas a apostar na sorte alheia, e não na sua própria, a se comprazer em sua iniquidade gratuita e ociosa, que nenhum bem lhe renderia. E se ninguém a empurrou, trata-se apenas de uma fortuita fatalidade. Acaso o carro viesse alguns segundos mais devagar ou alguns segundos em mais alta velocidade, o desfecho, certamente, não teria sido trágico.
Esse episódio me fez lembrar o caso do senhor Martinho, um amigo de meu pai. Muitos anos atrás ele foi bafejado pela sorte, quando foi contemplado com um bom prêmio lotérico. Aproveitou, segundo disseram, para empregar o dinheiro na compra de várias caixas de sabão, para revender esse produto. Acabou não fazendo um bom negócio, e o prêmio de nada lhe serviu, com o dinheiro se lhe esvaindo entre os dedos como num passe de mágica. Em 1975 fomos morar em Parnaíba, e meu pai ficou vários anos sem ver esse seu amigo. No final da década de 80, Martinho conseguiu localizar meu pai, e foi visitá-lo, inesperadamente, em sua casa, onde os dois conversaram longamente sobre assuntos idos e vividos.
Poucos dias depois, meu pai soube da tragédia. O carro desse representante comercial foi colhido pelo trem, na passagem de nível entre Teresina e Altos ou entre esta cidade e Campo Maior. A locomotiva passa, se não estou enganado, apenas uma vez por dia, indo para o Ceará, ou voltando desse estado. Se Martinho tivesse parado em algum lugar, seja para tomar um cafezinho, seja para ingerir um refrigerante, o desastre que lhe ceifou a vida não teria acontecido. Ou teria? Não teria sido alguma eventual demora, por qualquer motivo, que fez o carro do senhor Martinho cruzar a BR no exato momento em que o comboio estava a passar? São demais os perigos e os mistérios da vida. Por acaso, quando ele procurou meu pai, após tantos anos de ausência, não estaria com alguma espécie de premonição, a pressentir o ocaso de sua vida? Não sei, e ninguém jamais saberá. Ponto de interrogação e ponto final.
O ponto de interrogação sempre cabe em questões como essa,até que chegue o momento de se compreender o que existe por trás deste véu.Cada um terá seu momento. Quanto ao ponto final, deixemos pra lá, já que nada se finda.Este acidente causou um grande abalo em nossa família. O Martinho era muito querido. Deixou viuva nossa amiga Maria Luiza, que sozinha cuidou do restante dos filhos.Era nosso primo, por parte de pai e de mãe.Foi com certeza uma grande tragédia a sua partida.
ResponderExcluirCaro Simão Pedro,
ResponderExcluirvc é sempre muito ligado, e se desejasse escrever crônicas memorialísticas ou mesmo "causos" de Campo Maior e do Piauí certamente teria um "baú" cheio até à tampa.
Sobre o final de cada um de nós, minha mãe, quando nota uma pessoa cheia de empáfia e arrogância, costuma observar: "Ora, ninguém sabe nem como vai morrer..."
Agradeço a você o atrevimento de agora mostrar o que escrevo.Muitas coisas já se perderam, outras guardo e só aos poucos revelo.Quem sabe um dia possa mostrar mais.O incentivo e o elogio é uma caridade que se faz,muitos passam por aqui sem nada revelar. Para aqueles que os recebe, cabe o cuidado de não enveredar no campo da vaidade.Quanto a sua Mãe, fala com a sabedoria dos mais experientes.
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