terça-feira, 26 de abril de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO


26 de abril

TEMPOS ECETISTAS

Elmar Carvalho

Na noite passada, sem ver e nem para que, sonhei com os tempos em que trabalhei na ECT, mas num contexto bem diferente da realidade, como não é incomum acontecer nos sonhos; por mais realistas que aparentem ser, trazem sempre algo de surpreendente e estapafúrdio, com alguma pitada desconcertante de estranheza. Nesse sonho eu iria fazer um treinamento, já não me lembro ao certo onde, e nele aparecia o Milton Higino, ao qual me referirei mais adiante. De qualquer sorte, fez-me recordar do meu ingresso na Empresa de Correios e Telégrafos, que dependeu de aprovação em curso de três meses no Recife, ministrado no primeiro semestre de 1975, quando fui aluno do Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, situado no bairro Bonji.

Certa tarde, quando eu fazia estágio numa das agências do centro do Recife, fui chamado pela diretora do Centro, senhora Cecília, mulher do então diretor regional da ECT em Pernambuco, para recitar um longo poema sobre Recife, que eu havia escrito. Salvo engano, a declamação foi no auditório da escola, onde ocorria uma solenidade. Senti-me, aos 19 anos, com bastos cabelos encaracolados, a própria reedição encarnada de Castro Alves, que também estudara na Mauriceia. Desse poema sobre a nossa tropical Veneza só consegui resgatar os seguintes versos: “tuas luzes multicores / ilusórias como os primeiros amores / cheios de mágoas / parecem peixes fosfóreos / em tuas águas”. Os versos retratavam o fascínio de um menino/poeta interiorano diante da bela cidade do bardo Manuel Bandeira.


Foram meus colegas do curso de Monitor Postal os conterrâneos Alcides Ananias Ibiapina, Wilson Higino, irmão do Milton, a que me referi, e o Paulo, irmão do Luís Carneiro, empregado da empresa, mas que nas horas de folga fazia serviços de instalação hidráulica e elétrica. Dessa turma faziam parte o Chaguinhas, teresinense, e o Bernardo Candeira do Val, ambos já falecidos; o segundo era natural de Buriti dos Lopes, torrão de minha mulher, Fátima, que só vim a conhecer em 1977, quando fui cursar Administração de Empresas no campus da UFPI em Parnaíba, já como empregado da estatal. Nos finais de semana, aproveitávamos para conhecer os pontos turísticos, tais como Olinda, parque zoobotânico, praia de Boa Viagem, roda de ciranda no adro de uma das vetustas igrejas. Num feriado prolongado, conheci Maceió e a bela praia de Pajuçara. Tive a satisfação de ser o orador dessa turma do Paulo Bregaro. Um dos mestres, em gritante exagero, disse que o meu discurso merecia ser proferido em um templo da cultura, o que massageou meu ego de garoto, certamente ainda bisonho.

O Milton Higino, como disse, apareceu nesse sonho, que não chamarei de extemporâneo porque os sonhos não respeitam a dimensão tempo-espaço de que nos fala o gênio Einstein em sua teoria da relatividade, e extrapolam ou mesmo violam os limites do tempo, do espaço e da velocidade. Eu o conhecia desde o início de minha adolescência, a trabalhar na agência do antigo DCT, em Campo Maior, quando esse departamento da administração pública federal já se preparava para ser transformado em empresa. Tanto ele, como seus irmãos Nonato, Cláudio, já falecido, e o Wilson começaram a trabalhar bem jovens. Logo o Milton Higino foi aprovado em concurso para o BNB. Servidor exemplar, exerceu a gerência desse banco em várias agências da hinterlândia piauiense, entre as quais as de Oeiras e a de Água Branca, que ainda está sob seu comando. Presidiu o Comercial, arquirrival do Caiçara, pelo qual torço. Às vezes, tratando de interesses do banco, ele aparece no fórum de Regeneração, oportunidade em que conversamos brevemente. Tem ele uma palestra agradável, temperada com pitadas de bom-humor, graças aos casos anedóticos de seu vasto repertório.

Numa dessas práticas, contou-me ele que um seu ex-colega ecetista, após chamar o chefe pelo nome, em momento em que este estava um tanto turbinado pelo álcool, foi por ele advertido para que o chamasse de senhor. O subordinado disse que iria obedecer, que passaria a chamar todos de senhor, inclusive o Milton Higino, que ainda estava na puberdade, mas que em contrapartida iria exigir que todos os funcionários o chamassem também de senhor. E, com efeito, passou a chamar todo mundo de senhor, mas lamentavelmente a recíproca não foi verdadeira, e ele não foi correspondido em seu respeitoso protesto, que terminou caindo no vazio.

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