ROBERTO VELOSO
Juiz Federal
Este é o título de um conto assinado por Machado de Assis, publicado pela primeira vez em 20 de agosto de 1882, na Gazeta de Notícias, no qual ele trata da descoberta realizada pelo seu personagem, Cônego Vargas, de uma comunidade de aranhas falantes.
Machado de Assis é sempre atual e esse conto me chamou especialmente a atenção, porque trata da organização das aranhas e de seu sistema eleitoral. Quando ocupava o Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão e o li pela primeira vez, achei que se casava bem com a realidade que vivemos no Brasil.
Segundo Daniel Piza, Machado era monarquista porque acreditava que o Brasil não tinha história e nem uma elite, sendo aquele sistema capaz de impor padrões civilizadores maiores do que a República. Machado, porém, foi abolicionista convicto, sendo a sua obra permeada de fortes ironias à mentalidade escravocata.
No conto, que parece ser uma crítica à República e ao seu sistema eleitoral, vale registrar os partidos políticos das aranhas. Diz ele que existiam quatro partidos. O retilíneo, o curvilíneo, o reto-curvilíneo e o anti-reto-curvilíneo. Tais nomes se referem à geometria.
A forma das linhas das teias tinha a ver com os postulados partidários. Para o partido retilíneo, “a linha reta exprime os bons sentimentos, a justiça, a probidade, a inteireza, a constância, etc., ao passo que os sentimentos ruins ou inferiores, como a bajulação, a fraude, a deslealdade, a perfídia, são perfeitamente curvos”
Em contrapartida, o partido curvilíneo afirma que a linha curva é a da virtude e do saber, enquanto que a ignorância, a presunção, a toleima, a parlapatice, são retas. O partido reto-curvilíneo fez uma combinação dos contrastres e alardeou que a junção simultânea das linhas curvas e retas eram a cópia do mundo físico e moral. O anti-reto-curvilíneo negava tudo e defendia que as teias seriam urdidas de ar, portanto, sem nenhuma linha.. Qualquer semelhança com os partidos atuais é mera coincidência.
As eleições para os cargos públicos eram realizadas por meio do sistema do saco e das bolas, mencionado pelo autor como utilizado em Veneza, fabricado cuidadosamente, por dez aranhas, que eram as mães da República. Havia dois oficiais encarregados das eleições. Um o das “inscrições” e o outro o das “extrações”.
A proposta do processo eleitoral era simples. O oficial das “inscrições” inseria o nome dos candidatos nas bolas e no dia das eleições elas eram enfiadas no saco, que continha cinco polegadas de altura por três de largura, e o oficial das “extrações” retirava o nome dos eleitos até o preenchimento de todos os cargos.
Como todos os sistemas eleitorais têm as suas mazelas, com o das aranhas não foi diferente. Machado, com o seu senso de humor refinado, relata alguns casos de ineficiência do sistema.
O primeiro problema ocorreu com a quantidade das bolas. Em uma das eleições, foi constatado que o oficial das inscrições havia inserido duas bolas com o mesmo nome de um candidato. Para resolver o problema, diminuíram o tamanho do saco. Em outra eleição, já com o saco diminuído, constataram que o nome de um dos candidatos havia sido suprimido, pelo que resolveram voltar o saco ao tamanho normal.
Nesse ínterim falece um magistrado e é preciso realizar a eleição para tão importante cargo. Concorrem três candidatos, os dois chefes dos partidos reto e curvilíneo, Hazeroth e Magog, e um terceiro desconhecido, mas milionário e ambicioso. Quando é feita a extração, as bolas de Hazeroth e Magog são inutilizadas porque a do primeiro faltava a primeira letra e a do segundo a última. O nome vencedor, como não poderia deixar de ser, foi o do terceiro candidato, que imediatamente ocupou o cargo, sentando-se na cadeira pertinente.
Para evitar tamanha ignomínia, resolvem pedir às mães da República que fabriquem um saco com malhas por meio das quais o público e os candidatos pudessem ler as bolas, para, em caso de erro na grafia, as inscrições serem corrigidas.
O problema surgiu quando um dos candidatos acertou com o oficial das extrações a sua eleição. Considerando que através do saco era possível ler os nomes, o oficial das extrações ficou de olho no candidato, que abanava a cabeça negativamente sempre que a bola escolhida não era a sua, até que a sufragada com o seu nome foi extraída.
E assim, mais uma vez, a solução encontrada pelos legisladores foi a mudança no saco. Agora de malhas para um tecido espesso, com a introdução na legislação da fórmula segundo a qual o erro de grafia do nome não invalidava a candidatura, desde que atestada por cinco testemunhas, mas a cada eleição novos problemas aconteciam e novamente as mães da República eram chamadas para ajustar o saco.
A ideia que passa Machado de Assis é a de que as tentativas feitas pelo Cônego Vargas para dar organização social às aranhas são em vão, porque sempre haverá uma maneira de se burlar a legislação eleitoral. O conto é de domínio público, vale a pena ser lido, e pode ser acessado livremente na internet pelo site:
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