Jesualdo Cavalcanti Barros*
A Academia Piauiense de Letras, em cumprimento da missão de realçar e preservar nossos valores, prepara-se para celebrar o Ano Marquês de Paranaguá, patrono da cadeira nº 18, atualmente ocupada pelo acadêmico Herculano Moraes. A iniciativa assinala o transcurso do centenário de falecimento de João Lustosa da Cunha Paranaguá, segundo visconde e marquês de Paranaguá, ocorrido no Rio de Janeiro, em 9 de fevereiro de 1912.
Pretende o sodalício, durante 2012, por meio de palestras, encontros e debates, sensibilizar a sociedade piauiense e suas instituições culturais e educacionais, para um amplo estudo da vida e da obra do preeminente coestaduano, por certo o maior de todos, embora pouquíssimo conhecido nestas plagas de tanto desleixo com sua cultura, valores e memória histórica. A programação terá início às 10 horas do próximo dia 11 (sábado), no auditório Wilson de Andrade Brandão, na Academia, quando falará sobre o homenageado o jovem diplomata correntino Marcus Henrique Paranaguá, até há pouco servindo no consulado brasileiro de Nova Iorque (EUA).
Paranaguá nasceu na fazenda Brejo do Mocambo, nos remotos sertões de Parnaguá, “aquela espécie de nação Gurgueia” de que fala Fonseca Neto, em 21 de agosto de 1821. Sobre esse sítio diria o ouvidor Antônio José de Morais Durão, em sua Descrição da Capitania de São José do Piauí, relatório de inspeção que realizou nas vilas piauienses, em 1772: “com 42 moradores, que fazem um povo mais numeroso que a própria vila, da qual dista 12 léguas ao mesmo rumo, mas nem nome tem de aldeia, nem juiz ou justiça, ao passo que se aumenta em cultura e negócio.” Na vila de Parnaguá, instalada pessoalmente pelo governador João Pereira Caldas havia dez anos, despertou a atenção do ouvidor a saúde de seus moradores, graças aos bons ares, tanto que encontrara, nos 29 fogos em que se distribuía sua diminuta população, nada menos de três homens em avançada idade: um com 110 anos, outro com 112 e o terceiro com 120.
Com a opulência gerada pela criação de gado, não admira que da velha fazenda tenha surgido nada menos de 40% da nobiliarquia piauiense (o marquês com dois títulos e mais os irmãos – barões de Paraim e de Santa Filomena), no total de dez títulos para oito agraciados.
Paranaguá bacharelou-se na antiga Faculdade de Direito de Olinda, em 1846. Seguiu o exemplo de outros piauienses futurosos, que brilhariam dentro e fora da província, dentre os quais Francisco de Sousa Martins, Francisco José Furtado (perseguido, concluiria o curso em São Paulo), Casimiro José de Morais Sarmento, Marcos Antônio de Macedo, Antônio Borges Leal Castelo Branco, Antônio de Sousa Mendes e Antônio de Sousa Martins. Como se sabe, fundada em 1828, juntamente com a de São Paulo, com vistas a formar novos quadros dirigentes do País que emergia da Independência, para substituírem os velhos bacharéis coimbrãos, as duas academias atraíam os filhos da aristocracia rural enriquecida pelo trabalho escravo. Paranaguá não poderia fugir à regra.
Deputado geral em cinco legislaturas (1850/1864) e depois senador vitalício do Império por cerca de 24 anos (1865/1889), sempre pelo Piauí, ocupou quase todos os ministérios no período imperial (da Justiça – duas vezes, da Guerra, dos Estrangeiros – duas vezes, da Marinha e da Fazenda). Além do mais, presidiu as províncias do Maranhão, de Pernambuco e da Bahia. Presidente do Conselho de Ministros (1882/1883), foi o segundo piauiense a governar o Brasil. O primeiro fora o oeirense Francisco José Furtado (1864/1865), embora militante da política do Maranhão. Devotado ao estudo da realidade do País, presidiu a Sociedade Brasileira de Geografia e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, neste sendo sucedido pelo barão do Rio Branco, em 1908.
Convém destacar, por um dever de estrita justiça, que na carreira fulgurante que o levou dos confins gurgueianos ao brilho dos salões mais sofisticados da Corte, inclusive por privar, como poucos, da intimidade de dom Pedro II, Paranaguá não se descurou da problemática piauiense. Ao contrário. Desde o primeiro momento de sua atuação parlamentar até o último suspiro, sustentou bandeiras ainda hoje recorrentes em nossa agenda de desenvolvimento, tais como a navegação do rio Parnaíba, a interligação das bacias do Parnaíba, São Francisco e Tocantins, a construção de um porto marítimo e a ligação deste com os demais portos do litoral brasileiro. Para ele, promovida a navegação, “o progresso e as ideias do tempo se introduziriam na província [...].” Assim, no firme propósito de dotar o Piauí do tão sonhado porto, não titubeou em patrocinar a permuta, pelo decreto 3.012, de 1880, dos áridos sertões piauienses de Crateús pelas areias da antiga freguesia cearense de Amarração, hoje Luís Correia, onde há mais de cem anos se teima em construí-lo. Mas ele fez a parte que lhe competia, à época.
Por todos os títulos, Paranaguá deve ser motivo de orgulho dos piauienses. Sobretudo, na atual quadra de baixa representatividade política, marcada por frequentes frustrações e desenganos. Com efeito, é fácil perceber que, depois de Petrônio Portella, Reis Veloso, Hugo Napoleão, Valdir Arcoverde, Freitas Neto e João Henrique, praticamente fomos escorraçados do centro das decisões de Brasília. Pois bem, se não há novos, recorramos aos velhos. Daí o acerto de nossa Academia em resgatar a memória do velho marquês. No mínimo, concorre para alimentar nossa autoestima, tão carente de estímulos na atualidade.
*Membro da Academia Piauiense de Letras e presidente do Centro de Estudos e Debates do Gurgueia
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