ROBERTO VELOSO
Na semana passada escrevi sobre a paixão enquanto doença. Os médicos assim a tratam, porque causa muita dor, sofrimento e ansiedade. A não correspondência, que é a sua principal característica, pode provocar a combinação irresistível de ciúme, sentimento de perda e raiva, os quais ativam a produção de substâncias químicas não prazerosas, em especial o cortisol, que é o hormônio do estresse.
Nesse caldo de sentimentos negativos acontecem os atos impensados, como sequestros, agressões físicas e homicídios. Esse tipo de comportamento pode ser definido como obsessivo, quando se deseja desesperadamente uma pessoa. A sensação de rejeição provoca intensa necessidade de posse, o que provoca irritação e raiva no outro, essa espiral incontrolável chega ao limite da tentativa de controle físico.
Do ponto de vista psiquiátrico o tratamento engloba medicação e, principalmente, psicoterapia, mas não será sobre tais procedimentos que falarei neste artigo. Minha intenção é tratar dos remédios naturais para o amor. Os remédios que, acaso existentes, arrefecem ou curam o “suposto” amor.
Para mim, quem melhor tratou sobre o tema foi o padre Antonio Vieira, nascido na Cidade de Lisboa, em 6 de fevereiro de 1608, e falecido na Cidade de Salvador, em 18 de julho de 1697. Foi um dos maiores oradores sacros de todos os tempos. Chegou ao Maranhão em 1653, onde proferiu um dos seus mais importantes sermões, o do Santo Antonio aos peixes.
Quando tratou dos remédios para o amor, o fez em Lisboa, no Hospital Real, no ano de 1643. Vieira diz que os remédios do amor mais eficazes e poderosos existentes na natureza, aprovados pela experiência e receitados pela arte, são o tempo, a ausência, a ingratidão e o melhorar de objeto, todos tem o poder de acabar o amor humano, mas não o divino, proveniente de Jesus. Falarei agora sobre todos, a partir da experiência humana.
O primeiro é o tempo. Segundo Vieira, tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Nem as colunas de mármore e os prédios de granito resistem ao tempo, quanto mais os corações humanos. O tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto. Abre-lhe os olhos e passa a ver o que já não via.
Se o tempo faz tanto efeito sobre o amor, é porque o amor humano é fraco, inconstante, na verdade não é amor. Para o orador sacro, no amor, o deixar de ser é sinal de nunca ter sido. “O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi; porque, se chegou a ter fim, nunca teve princípio”.
O segundo dos remédios é a ausência. Ao se despedirem dois amados, demonstram grande afeto, palpitam os corações de saudades, rebentam os olhos de lágrimas, saem da boca os suspiros. No entanto, depois os olhos estão enxutos, a boca muda e o coração sossegado. A maior das ausências é a morte, porque separa definitivamente, sequer existe a possibilidade de um novo encontro, em vida.
O terceiro dos remédios é a ingratidão e talvez o mais eficaz. O tempo diminui o amor, a ausência esfria o amor, mas a ingratidão transforma o amor em raiva e aborrecimento. A mais grave das sentenças é privar o amor ao ingrato. Segundo Vieira, o tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo.
O quarto dos remédios para o amor é a melhoria de objeto. Expressa-o a frase: um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários não cabem em um mesmo sujeito, dois amores não cabem em um só coração. Vieira se utiliza de um exemplo bíblico para explicá-lo.
Diz ele, que entre as injustiças que o rei Saul cometeu contra David foi negar-lhe a princesa Micol, dando-a a Faltiel. Recebendo David a coroa de Israel, a primeira providência que tomou foi pedir que Micol fosse restituída. Isboseth, filho de Saul, foi buscar a Micol. Faltiel entregou Micol chorando, mas esta não derramou uma lágrima.
Faltiel chorava em razão da perda de Micol, mas Micol não chorava justamente porque trocava a Faltiel por David. Micol não chorava porque já não amava Faltiel, e não amava porque melhorou de objeto.
Todos esses remédios, o tempo, a ausência, a ingratidão e a melhoria de objeto, são naturais, se servem para o amor, muito mais para a paixão. Assim, não há necessidade de desespero e de angústia para as paixões não correspondidas, basta que se tome uma das atitudes ao alcance, deixe o tempo passar, se ausente ou melhore de objeto.
Roberto Veloso é presidente da Associação dos Juízes Federais da 1ª Região.
Nenhum comentário:
Postar um comentário