Fila quilométrica em hospital público |
José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com
"Lembra-te que és pó e em pó transformar-te-ás!" Que recado aterrador, bíblico, principalmente para quem se esbaldou no carnaval e se farreia de comilança, bebedeiras, corrupção e sem compromisso social. Feliz quem aceita o convite para uma quarentena de reflexão: a vida é só comer, beber, alongar músculos, acumular bens, praticar sexo, disputar poder e pensar no corpo? Todo espiritualista, de qualquer confissão religiosa, sabe que não é só por aí que se vislumbra a vida em toda sua plenitude. Que existem outras esferas, além do corpo. Que vale a pena exercitar certas atividades que, em vez de puxar o corpo para a cova, elevam o espírito.
A Igreja Católica do Brasil, há 50 anos, conclama a sociedade a refletir e exercitar a mais nobre virtude cristã, a fraternidade, sem a qual, vã a nossa fé. Em vão, trilhar caminhos para o céu.
"Fraternidade e Saúde Pública", oportuno tema de campanha, em momento de escandalosa omissão de gestores, mais atentos à ganância pessoal do que ao exercício fraterno. Neste exato momento, milhares de irmãos, velhinhos, crianças, pobres em geral, aguardam horas e dias para morrer nos corredores dos hospitais, gemendo e agonizando, clamando pelo investimento que lhes foi surrupiado. Pelo desprezo à convocação do Mestre: "Tive fome e me deste de comer; sede, e me deste de beber; peregrino, e me acolheste; nu e me vestiste; enfermo, e me visitaste..."(Mateus,25). Sem fraternidade, viramos só pó. Fraternidade é vida, saúde e felicidade. Eternamente.
Desde 1962, a Campanha da Fraternidade, que começou no Rio Grande do Norte, depois encabeçada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e aplaudida pelo papa, aproveita o período de recolhimento quaresmal para incentivar a reflexão e prática de temas inerentes à responsabilidade cristã, de enorme interesse social, sem vínculos políticos nem sectarismo religioso.
Temas da Campanha da Fraternidade ficaram famosos pela contribuição oferecida à sociedade brasileira, expondo pecados sociais e cobrando providências, quase sempre atendidas. Mensagens e lemas mexeram com a consciência nacional: Preserve o que é de todos(1979); Repartir o pão(1975); Descubra a felicidade de servir(1972); Trabalho e justiça para todos(1978); Saúde e Fraternidade(1981); Quem acolhe o menor a mim acolhe(1987); Vida sim, Drogas não(2001); A Família, como vai?(1994); Fraternidade e os desempregados(1999); Comunicação para a verdade e a paz(1989); Vocês vão servir a Deus ou ao Dinheiro?(2010).
A música que lançou Raul Seixas ao estrelato, "Ouro de Tolo", dizia:"Eu devia agradecer ao Senhor/Por ter tido sucesso.../Eu devia estar contente/Por ter conseguido tudo o que eu quis/Mas confesso abestalhado/Que eu estou decepcionado.../Porque foi tão fácil conseguir/E agora eu me pergunto "e daí?"/Eu tenho uma porção de coisas grandes pra conquistar/E eu não posso ficar aí parado./Eu que não me sento/No trono de um apartamento/Com a boca escancarada cheia de dentes/Esperando a morte chegar.../Porque longe das cercas embandeiradas/Que separam quintais/No cume calmo do meu olho que vê/Assenta a sombra sonora de um disco voador..." O poema é longo, porém os poucos versos extraídos provocam certa reflexão em tempo de quaresma: libertar-nos do egoísmo que cerca nossos quintais e olharmos mais longe. De braços dados e fraternos. Senão, apenas nos transformaremos em pó. O recado bíblico não é um libelo, mas uma advertência para "uma porção de coisas grandes a conquistar". Menos o egoísmo.
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