Professor José de Ribamar Freitas |
9 de maio Diário Incontínuo
JOSÉ DE RIBAMAR FREITAS, O ÚLTIMO HELENO (PARTE 1)
Elmar Carvalho
Na sessão de sábado da Academia Piauiense de Letras,
houve várias proposições de votos de pesar, todas aprovadas por
unanimidade. Assim, foram noticiados os falecimentos de Zilma Martins
da Cunha, odontóloga, que deixou viúvo o correntino Benjamim Cunha
Nogueira; José Airemoraes, sacerdote católico, tio do confrade
Raimundo José Airemoraes; Almério de Castro Gomes, amarantino,
doutor e mestre, professor e pesquisador da Faculdade de Saúde da
Universidade de São Paulo; Francisco Bilas, piauiense, mas que fez
sua carreira de jornalista no Ceará; Barros Pinho, poeta e contista,
nascido em Teresina, fez sua carreira política e literária no
estado do Ceará, tendo sido vereador, prefeito de Fortaleza,
secretário estadual da Cultura e deputado estadual.
Foi nessa sessão que recebi a impactante notícia da
morte de meu mestre José de Ribamar Freitas, através da palavra
abalizada do desembargador Manfredi Mendes de Cerqueira, que lhe fez
um verdadeiro panegírico, ao enaltecer a sua rica personalidade e ao
lhe traçar um breve perfil biográfico, quando propôs o voto de
pesar. Os demais votos de pesar foram apresentados respectivamente
por Jesualdo Cavalcanti Barros, Manoel Paulo Nunes, Reginaldo Miranda
da Silva e Zózimo Tavares (este fez duas proposições, referentes a
Francisco Bilas e Barros Pinho). Houve vários apartes e
pronunciamentos de solidariedade, em que as qualidades e méritos dos
mortos foram enfatizados e louvados. Eu mesmo não pude deixar de
fazer uso da palavra, para expressar a minha admiração por José de
Ribamar Freitas, de quem tive a honra de ser amigo, pois várias
vezes o visitei em seu apartamento, para desencadearmos longas
conversas ou práticas, como, às vezes, o mestre as chamava, em seu
português irreprochável, terso, castiço.
Nessa sessão, quase diria fúnebre, tal o avantajado
número de votos de pesar, o confrade e jornalista Zózimo Tavares,
em seu humor refinado e cáustico ao mesmo tempo, disse que desejaria
registrar também uma tragédia. A tragédia a que ele se referiu era
o fato de que as aulas da rede estadual do corrente ano ainda não
tivessem começado, o que sem dúvida viria a comprometer a qualidade
dessa prestação de serviço público, que já não é das melhores,
com a reposição da carga horária feita a toque de caixa e de
qualquer maneira.
Nas várias vezes em que visitei o apartamento do
professor Freitas, deixava-me ficar a admirar a sua invejável
biblioteca. Via os seus vários dicionários, sobre os mais diversos
temas, incluindo significação, sinonímia, etimologia, flexões
nominais e verbais, analogia e ideias afins, etc. Ali pontificavam os
clássicos da literatura brasileira, portuguesa e mundial.
Enfileiravam-se nas estantes as obras máximas do classicismo
greco-romano, em que não poderiam faltar os herois e enredos
mitológicos. Devo destacar as imortais obras das literaturas
francesa e inglesa, com ênfase para as do romantismo. Alguns desses
volumes são raras preciosidades, dignos de rigoroso bibliófilo.
Em várias ocasiões estimulei meu mestre a escrever as
suas memórias, porquanto me era muito agradável ouvi-lo falar sobre
certos episódios de sua longa e plena vida. Alguns tinham certo
toque anedótico, em que se notava sutil ironia, outros eram
revestidos de caráter edificante, contudo sem tom doutoral ou
moralista, posto que ele era avesso às imposturas e farisaísmos.
Embora ele não tenha rechaçado a sugestão, tendo mesmo me dito que
faria algo nesse sentido, creio que não a realizou. Pelo menos nunca
me revelou haver iniciado esse trabalho.
Sendo um erudito e um orador de amplos recursos, era
também um consumado causeur. Enriquecia sua palestra com
comparações, citações, exemplificações históricas e sadias
anedotas. Na retórica, seguia as lições dos mestres clássicos,
como Cícero, Demóstenes, Vieira e Rui Barbosa. Seus discursos eram
bem definidos com relação ao introito, desenvolvimento e arremate,
em que era engastada uma cintilante chave diamantina, de beleza
incomparável. Sua gesticulação e voz ajustavam-se com perfeição
às palavras, dando vida e fulgor ao conteúdo, sempre rico e denso,
concebido invariavelmente em linguagem clássica, castiça, em que
nada ficava a dever a Manuel Bernardes, padre Antônio Vieira e Dom
Francisco Manuel de Melo, dos quais pode ter sido discípulo, em sua
juventude, ao lhes haurir as lições, mas aos quais se ombreou, pelo
estudo e esforço, através dos quais também se tornou um Mestre.
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