Teresinka Pereira
Escritora e crítica literária
Com o livro “A(R)FOGO”
(Romance da Revolução), que Francisco Miguel de Moura* acaba de
publicar, sinto-me incapaz de fazer uma resenha crítica por todas as
razões óbvias e ocultas que me possam existir. A primeira delas é
que eu fugi com medo da tal pseudo “revolução” (golpe de
estado, ditadura militar) e vim em exílio voluntário aos Estados
Unidos, criando a maior contradição vigente em minha vida. Até
hoje há quem pergunte: Por que ir para os Estados Unidos, o país
promotor dos golpes de estado e ditaduras militares no mundo, e não
para Cuba, o país da verdadeira revolução, como todos os
revolucionários que se prezam? E minha resposta é que ir a
Cuba naquela época era uma questão de importância no cenário
político. Eu era tão insignificante politicamente e tão jovem que
minha inscrição na “Juventude Comunista” foi considerada, por
sugestão de meu pai à burocracia do DOPS, como uma coincidência de
nomes. Com isso, eu consegui “visa” para vir aos Estados Unidos.
Nunca tive a valentia e a força de caráter de pessoas como a Dilma
Roussef, de ficar e lutar, sofrer torturas e sobreviver sem o medo
que tanto nos humilha e degrada.
A ditadura no Brasil foi uma grande marcha-a-ré na história da democracia brasileira. Mas esta opinião,que alguns de nós compartilhamos, anda bastante desmoralizada pela nova geração de brasileiros que desconhecem esta parte da história e pelos militares e seus fãs, que apontam a atual corrupção política do Brasil como culpa do governo revolucionário. Para mim, a única falta que tem o governo atual e o passado é a impunidade. Os milicos torturadores deveriam estar todos na cadeia e não bafejando seu “saudosismo” da época em que, como dizia o Chico Buarque na sua canção, em vez de chamar a polícia quando era atacado, era melhor chamar o ladrão.
Por isto é que estou qualificada para escrever sobre este livro. Voltei ao Brasil depois da ditadura e já não tinha família. Todo mundo morreu de tristeza e talvez de medo. Terminou a ditadura e eu tinha passado a maior parte de minha vida aqui nos Estados Unidos e formado uma família que não era brasileira. Eu mesma já tinha que afirmar que era “brasileira de nascimento e de coração”... Por isto é que, lendo o livro de Chico Miguel, não entendo bem a estrutura do mesmo, nem as expressões, nem a ironia política ou as diretas como: “O resto é silêncio pago, / senador sem voto / re-formas, ré-pressões, re-voluções / ré – ré – ré... (provações)” in “Filho da moça”.
O poema “Os cupins subversivos” me faz mal e me faz pensar se esse cinismo poético nele expresso me toca, porque me consideram parte da corrupção: “e nós lhes bebemos o sangue: / pensamento de cupim / de sangue envenenado”. A base que tenho para entender esses versos é da poesia escrita nos Estados Unidos na mesma época da ditadura pelos membros ou os penetras da Beat Generation, como o poeta Charles Bukowski, nascido na Alemanha e morto de leucemia em Los Angeles, em 1994. Bukowski era um elemento contra-cultural, meio anarquista, que se identificava com os trabalhadores da rua, os mendigos e as prostitutas. Ainda exerce influência nos poetas estadunidenses rebeldes, principalmente os que são contra a educação e o estudo. Enquanto a Beat Generation entrava em decadência, a meu ver, depois de terminada a guerra, e suas passeatas nas ruas de New York não tinham já razão de ser; eles ficaram um pouco desfocados e se entregaram às drogas e ao cinismo poético, contaminando a geração que os admirava.
Quando eu leio os versos de “No país do “não pode”: “feio povo faminto, ferido, / na esquina do país do cruzeiro, / país do “não pode” / déficits, dólares, tevês / escores. / o tempores, o mores!”“, “não é só a rima que me distancia do meu país, é porque minha linguagem se sente menina e não alcanço a entender a estrutura poético-política. Meu compatrício Chico Miguel me parece cada vez mais com Bukowski, quando este, numa carta para a amiga (dele), Maria Penfold, se pronunciava sedento de realidades: “Quando eu acabo de ler um poema, não quero sentir seda ou casca de cebola seca nas minhas mãos, quero sentir sangue!” “Chico Miguel diz em “Com a pátria na mão”: “Nosso coração nos chama / nosso peito arfa. / Há rios de sangue abaixo / do rio grande”.
Aí eu começo a
entender porque esse poema tem que ver com a América (do Norte) e
com sua falsificada “Estátua da Liberdade”, na entrada de New
York, cidade tão ambicionada por certos brasileiros... E também tem
que ver com a cerca criminosa construída entre os estados do sul dos
Estados Unidos, ou seja: Flórida, Texas, New México, Arizona e
Califórnia (os quais foram roubados do México) para impedir que os
imigrantes latino-americanos passem para o Norte. Gosto especialmente
da menção do Rio Grande, o rio da fronteira por onde os “mojados”
(molhados) cruzam para escapar à vigilância da patrulha
fronteiriça. Aí então me meto no livro com a mente toda. E aprovo
a intenção, o desafio e o desfecho poético da lição positiva de
esperança, porque eu termino com esses versos na mão: “Então é
construir, / sem cansar, sem parar, / mudando o diapasão quando for
preciso”. É bom sentir que ao fim e ao cabo, o companheiro Chico
Miguel escreveu esse livro histórico visando “mudar o diapasão”,
porque agora, mais que nunca é preciso.
*Moura, Francisco
Miguel de: A(R)FOGO (Romance da Revolução), Jundiaí, Paco
Editorial: 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário