7 de junho Diário Incontínuo
HIPOCONDRIAS E MANIAS
Elmar Carvalho
Li, no Diário Secreto de Humberto de Campos, em
anotações dos dias 20 e 21 de agosto de 1930, referências sobre a
morte do médico e geógrafo maranhense Justo Jansen Ferreira, um dos
fundadores e primeiro presidente do Instituto de História e
Geografia do Maranhão. Os registros não falam sobre se ele seria
parente da famosa Ana Jansen, figura lendária de São Luís, que
ainda hoje causa arrepios em muitas pessoas, em cujo imaginário ela
ainda percorre as velhas ruas em sua carruagem fantasmagórica. Na
Câmara dos Deputados, diante da notícia de seu falecimento, em uma
roda da qual fazia parte o escritor e então deputado, comentou-se
que Justo Jansen tinha muito medo de morrer.
Consta que ele, com medo de pegar uma constipação,
jamais tirava o chapéu. O governador Magalhães de Almeida teve de
quebrar o protocolo da época, para que ele pudesse entrar no palácio
de chapéu na cabeça. Entre outros hábitos hipocondríacos, só
tomava banho com água morna, assim como igualmente não ingeria água
fria. Após o banho, ficava até duas horas no quarto fechado,
temendo ser vítima de alguma friagem ou corrente de vento frio.
Entretanto, o mais inquietante e inexplicável é que esse homem, que
tanto temia doença e morte, matara-se, três dias antes, saltando da
janela de sua casa para a rua, talvez desenganado, exatamente por
temer a morte.
Esse caso me fez lembrar o senhor Francisco Sales, de
Alto Longá, embora este não tenha cometido nenhuma tragédia. Ao
contrário, viveu mais de cem anos. Era irmão do senhor Antônio
Sales, conhecido como Pintinho, que foi líder operário e esportivo,
e fundador de time de futebol. Antônio Sales, amigo do senador Arêa
Leão, foi também longevo, tendo morrido quase centenário. O
professor Alcides Nascimento escreveu-lhe um ensaio biográfico, que
publiquei na revista Cadernos de Teresina, quando fui seu editor.
Ainda o conheci, já aposentado e bem idoso, no meu início de
fiscal da Sunab. Participei de alguns de seus aniversários, em que
ele soprava, com muita força, uma grande vela, representando mais de
noventa outras.
Contudo, não é dele que desejo falar, mas do senhor
Francisco Sales, seu irmão, que morou, pelo que me consta, até o
fim da vida em Alto Longá. Era avô do grande artista plástico
Jonas Sales, exímio retratista, sempre bem humorado. Assim como
Justo Jansen Ferreira nunca tirava o chapéu da cabeça, Francisco
Sales, prevenido e cauteloso, nunca tirava os sapatos dos pés.
Afinal, como dizia o poeta, são demais os perigos desta vida. Sempre
podem existir, em nosso caminho, um prego, um espinho, um estrepe, um
estilhaço de vidro.
Certa feita, na travessia de um córrego, quando os
passageiros tiveram de descer do carro para que este pudesse melhor
vencer o obstáculo, Francisco Sales marchou firme para também
enfrentar a travessia. Um companheiro de viagem percebeu que ele, ao
contrário dos outros passageiros, não tirara os sapatos, e por isso
lhe indagou, entre a admiração e o espanto:
- E o seu Sales, não vai tirar os sapatos?
O inquirido respondeu de plano, como se estivesse
achando despropositada a pergunta:
- Ora, meu filho, se na sala de minha casa, na qual eu
enxergo onde piso, não tiro os sapatos, quanto mais neste riacho, em
que não estou vendo onde vou colocar os pés...
Diz-se que um homem prevenido vale por dois; Francisco
Sales devia valer por três ou mais.
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