BATISTA
COSTA – MÚSICA E DESTINO (*)
Elmar Carvalho
Conheci-o
nos idos de 75, quando fui morar em Parnaíba, em virtude de meu pai,
Miguel Carvalho, ter ido gerenciar a agência local da ECT. Ele era
um servidor aposentado do antigo DCT, e nesta condição sempre
aparecia na agência, tanto para rever os colegas, como para receber
umas cartas destinadas a Morros da Mariana, onde nascera, e
entregá-las aos seus destinatários.
Posteriormente,
em várias ocasiões, o reencontrei na casa paroquial dos padres
Redentoristas, aonde costumava ir, nesta época, em companhia de meu
pai, que sempre foi um católico “praticante”. Tivemos, então,
memoráveis debates e discussões amistosas, com a intermediação
dos padres, acerca da existência ou não do destino humano. Eu
sustentava, na época, como ainda hoje, que não existia o chamado
destino, pois se assim o fora perdia todo sentido o livre arbítrio e
o conceito de pecado; ora, como existiria este se o indivíduo já
nascera predestinado a cometê-lo? A não ser que se acreditasse em
um Deus injusto, a punir uma pessoa por praticar aquilo que lhe fora
de antemão traçado e a premiar outras, por levarem uma vida
virtuosa, sem mérito algum, já que nascidas com esse bom desígnio.
Batista
Costa defendia a existência do destino, com muita força e
entusiasmo, e até mesmo com respeitáveis, conquanto refutáveis,
argumentos, sempre com um sorriso nos lábios e sem nunca se agastar
com a minha quase arrogância, que a juventude quase sempre traz, no
afã da afirmação pessoal, e às vezes, paradoxalmente, produzida
pela insegurança própria da adolescência. Como trago bem viva a
recordação desses velhos tempos de descobertas e emoções, em que
percorria, a pé, a avenida Álvaro Mendes, do apartamento dos
Correios, onde morávamos, eu e minha família, até a igreja N. Sra.
de Fátima, dos padres redentoristas...
Batista
Costa, com eu, gostava de músicas instrumentais, executadas pelas
grandes orquestras, e também de músicas eruditas, as chamadas
músicas clássicas. Tínhamos vários longs plays, os velhos discos
de vinil, hoje afetivamente e às vezes pejorativamente chamados de
“bolachas”, e costumávamos nos emprestar reciprocamente esses
discos. Lembro-me, como se fosse hoje, de ele chegar até o recinto
onde eu trabalhava, me chamando de professor e cantarolando essas
músicas divinas, de sua predileção, imitando um instrumento
musical e até mesmo uma orquestra, sobraçando alguns discos, que me
emprestava, ao tempo em que eu lhe emprestava vários outros.
Ele
era, quando o conheci, vice-prefeito de Parnaíba, mas, segundo
soube, nunca lhe foi dada a oportunidade de assumir a titularidade,
por ocasião dos afastamentos temporários do prefeito. Contudo,
Batista Costa nunca se revoltou ou se tornou amargurado por causa
disso. Nunca o ouvi queixar-se de nada. Tinha um amor filial muito
grande por sua mãe, pois mulher poder-se-ia ter várias, mas mãe só
se tinha uma. Dizia isso brincando, claro, porquanto sempre foi um
extremado pai de família, um herói do cotidiano, a fazer
diariamente a multiplicação de peixes e de pães, vez que sempre
foi muito difícil e árduo sustentar-se uma família com uma parca
remuneração.
Morreu
ainda relativamente novo, cheio de alegria, entusiasmo e vitalidade,
quando muito ainda tinha a oferecer a seus amigos, em termos de
estímulo e energia positiva, e quando muito poderia continuar
oferecendo à sociedade, através do seu labor, experiência,
boa-vontade e vontade de servir.
Certamente
recordava o meu saudoso amigo Batista Costa, pessoa humilde, afável
e boa, quando escrevi os versos:
recordações (...)
de amigos mortos
que nos acompanham
cada vez mais vivos
Ainda
hoje, de vez em quando, relembro esse velho amigo, e o vejo, através
das lentes da saudade, como se estivesse vivo, com os seus óculos de
lentes grossas, feio, mas quase bonito, pela sua simpatia, com um
sorriso contagiante estampado nos lábios, transmitindo fé,
esperança, bondade e entusiasmo, adentrando a sala da velha agência
dos Correios, a me dizer, com a sua voz vibrante, modulada, quase um
verdadeiro instrumento musical, de alta sonoridade:
–
Bom dia, professor Elmar!
O
professor que nunca fui, mas que sempre almejei ser, em minha vida de
eterno aluno dos bons, dos humildes e dos sábios, dos sábios que
são tão mais sábios quanto mais simples, humildes e bons.
(*)
Hoje, mais de três décadas depois, continuo acreditando no livre
arbítrio, mas num livre arbítrio relativo, por assim dizer dizer,
pois as injunções da vida, as circunstâncias em que não tivemos
influência determinante, os casos aparentemente fortuitos, a
genética, tudo e todos enfim, exercem influência sobre todos nós.
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