sexta-feira, 28 de setembro de 2012

BATISTA COSTA – MÚSICA E DESTINO (*)




BATISTA COSTA – MÚSICA E DESTINO (*)

Elmar Carvalho

Conheci-o nos idos de 75, quando fui morar em Parnaíba, em virtude de meu pai, Miguel Carvalho, ter ido gerenciar a agência local da ECT. Ele era um servidor aposentado do antigo DCT, e nesta condição sempre aparecia na agência, tanto para rever os colegas, como para receber umas cartas destinadas a Morros da Mariana, onde nascera, e entregá-las aos seus destinatários.

Posteriormente, em várias ocasiões, o reencontrei na casa paroquial dos padres Redentoristas, aonde costumava ir, nesta época, em companhia de meu pai, que sempre foi um católico “praticante”. Tivemos, então, memoráveis debates e discussões amistosas, com a intermediação dos padres, acerca da existência ou não do destino humano. Eu sustentava, na época, como ainda hoje, que não existia o chamado destino, pois se assim o fora perdia todo sentido o livre arbítrio e o conceito de pecado; ora, como existiria este se o indivíduo já nascera predestinado a cometê-lo? A não ser que se acreditasse em um Deus injusto, a punir uma pessoa por praticar aquilo que lhe fora de antemão traçado e a premiar outras, por levarem uma vida virtuosa, sem mérito algum, já que nascidas com esse bom desígnio.

Batista Costa defendia a existência do destino, com muita força e entusiasmo, e até mesmo com respeitáveis, conquanto refutáveis, argumentos, sempre com um sorriso nos lábios e sem nunca se agastar com a minha quase arrogância, que a juventude quase sempre traz, no afã da afirmação pessoal, e às vezes, paradoxalmente, produzida pela insegurança própria da adolescência. Como trago bem viva a recordação desses velhos tempos de descobertas e emoções, em que percorria, a pé, a avenida Álvaro Mendes, do apartamento dos Correios, onde morávamos, eu e minha família, até a igreja N. Sra. de Fátima, dos padres redentoristas...

Batista Costa, com eu, gostava de músicas instrumentais, executadas pelas grandes orquestras, e também de músicas eruditas, as chamadas músicas clássicas. Tínhamos vários longs plays, os velhos discos de vinil, hoje afetivamente e às vezes pejorativamente chamados de “bolachas”, e costumávamos nos emprestar reciprocamente esses discos. Lembro-me, como se fosse hoje, de ele chegar até o recinto onde eu trabalhava, me chamando de professor e cantarolando essas músicas divinas, de sua predileção, imitando um instrumento musical e até mesmo uma orquestra, sobraçando alguns discos, que me emprestava, ao tempo em que eu lhe emprestava vários outros.

Ele era, quando o conheci, vice-prefeito de Parnaíba, mas, segundo soube, nunca lhe foi dada a oportunidade de assumir a titularidade, por ocasião dos afastamentos temporários do prefeito. Contudo, Batista Costa nunca se revoltou ou se tornou amargurado por causa disso. Nunca o ouvi queixar-se de nada. Tinha um amor filial muito grande por sua mãe, pois mulher poder-se-ia ter várias, mas mãe só se tinha uma. Dizia isso brincando, claro, porquanto sempre foi um extremado pai de família, um herói do cotidiano, a fazer diariamente a multiplicação de peixes e de pães, vez que sempre foi muito difícil e árduo sustentar-se uma família com uma parca remuneração.

Morreu ainda relativamente novo, cheio de alegria, entusiasmo e vitalidade, quando muito ainda tinha a oferecer a seus amigos, em termos de estímulo e energia positiva, e quando muito poderia continuar oferecendo à sociedade, através do seu labor, experiência, boa-vontade e vontade de servir.

Certamente recordava o meu saudoso amigo Batista Costa, pessoa humilde, afável e boa, quando escrevi os versos:

recordações (...)
de amigos mortos
que nos acompanham
cada vez mais vivos

Ainda hoje, de vez em quando, relembro esse velho amigo, e o vejo, através das lentes da saudade, como se estivesse vivo, com os seus óculos de lentes grossas, feio, mas quase bonito, pela sua simpatia, com um sorriso contagiante estampado nos lábios, transmitindo fé, esperança, bondade e entusiasmo, adentrando a sala da velha agência dos Correios, a me dizer, com a sua voz vibrante, modulada, quase um verdadeiro instrumento musical, de alta sonoridade:

– Bom dia, professor Elmar!

O professor que nunca fui, mas que sempre almejei ser, em minha vida de eterno aluno dos bons, dos humildes e dos sábios, dos sábios que são tão mais sábios quanto mais simples, humildes e bons.

(*) Hoje, mais de três décadas depois, continuo acreditando no livre arbítrio, mas num livre arbítrio relativo, por assim dizer dizer, pois as injunções da vida, as circunstâncias em que não tivemos influência determinante, os casos aparentemente fortuitos, a genética, tudo e todos enfim, exercem influência sobre todos nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário