Cunha
e Silva Filho
Na
questão tumultuada e sobretudo trágica da Síria, fico estarrecido
com a posição da diplomacia brasileira que vem se comportando com
tibieza, em cima do muro, e, para piorar este estado de indecisão,
mostra-se agora abertamente favorável ao governo do ditador Bashar
al-Assad. Isso não é bom para a imagem de nosso país diante das
nações mais adiantadas. Ou melhor, o Itamaraty, que deve
naturalmente refletir o pensamento e as recomendações do governo da
presidente Dilma, recomendações que devem ser cumpridas pelo
Ministro das Relações Exteriores, pode sair bem arranhado na esfera
da diplomacia internacional, mormente junto à ONU, ao Conselho de
Segurança e a outras instâncias internacionais que lutam pela paz,
pelos direitos humanos e contra os crimes cometidos por qualquer pais
.
Uma
postura desse jaez deixa o nosso país numa situação no mínimo
constrangedora se atentarmos para a circunstância de que o governo
se gaba, tanto quanto outros setores da estrutura do Estado
brasileiro, o Judiciário e o Legislativo, e mesmo setores privados
da indústria e do comércio, da comunicação, de que vivemos um
momento de plena democracia. Ora, se prezamos esta democracia não
fica confortável para nós cooptarmos ações criminosas de um
governo reconhecidamente ditatorial como a Síria.
Na
tevê hoje de manhã, num flash de reportagem, uma embaixadora
brasileira não conteve sua indignação e seu sentimento de
humanidade reclamando contra a atitude de nossa diplomacia frente aos
massacres que vem há uns doze meses sofrendo a sociedade civil síria
– vítima de uma das mais repugnantes ações bélicas de que se
tem notícia dirigidas contra sua população.
Ao
mostrar-se inclinada à cumplicidade de visão política com o
ditador, pessoa reconhecidamente truculenta e com tendência a
comportamento genocida, a diplomacia brasileira está agindo mal e,
assim, não reflete um milímetro do que os brasileiros de bem pensam
sobre o ditador e suas selvagerias perpetradas contra os próprios
compatriotas.
Assad
é maquiavélico, bifronte. A um tempo que, com leve sorriso
dissimulado, recebe delegações ou autoridades diplomáticas que com
ele vão discutir os impasses da situação da Síria diante de seus
gravíssimos problemas, forças do exercito sírio estão diariamente
sacrificando a população indefesa. Como um Nero enraivecido e
incendiário de Roma pondo a culpa nos cristãos pelo seu ato
ignóbil, o ditador culpa grupos terroristas e mercenários, segundo
ele, a soldo de outros governos de oposição, pelo que está
acontecendo no país, quando é evidente que são suas tropas do
exército que estão ceifando inocentes civis de todas as idades,
transformando o país num palco gigantesco de escombros e de ruínas,
além de estar deixando o país estagnado na dinâmica de sua vida
social e de seu cotidiano. A nação Síria não pode mais se definir
politicamente como um país com suas instituições funcionando
normalmente, de vez que ali se estabeleceu o caos da guerra civil com
todas as sequelas de um vazio de ordenamento jurídico necessário a
uma sociedade.
Até
hoje, desde as diversas tentativas de alcançar solução para o
conflito sírio entre a ditadura e os rebeldes, como fez a ONU
enviando representantes seus e de outros países desejosos de uma
solução conclusiva para um diálogo com o ditador, nenhuma solução
foi conseguida. Chegou-se a um ponto de exaustão pelos canais
pacíficos da diplomacia através dos organismos internacionais
responsáveis pela segurança da paz mundial.
Não
é possível que um único papel caiba só à gloriosa Cruz Vermelha
Internacional, sempre cumprindo o seu admirável e corajoso dever
humanitário de socorrer feridos, de propiciar alimentos, remédios e
assistência geral, de olhar pelos refugiados e de amenizar a fome e
o sofrimento do povo sírio.
Já
estou descrente da capacidade e competência da ONU como instrumento
de defesa e de assegurar o mínimo de paz às nações mundialmente.
Estou ciente de que outros países estão também sofrendo injustiças
internas, massacres, guerrilhas, terrorismo que, parece, não
acabarem nunca. Conflitos religiosos, ideológicos, econômicos e de
outra natureza se espalham por outras partes do planeta. O mapa-múndi
está doente em muitos aspectos, pois nos dá a impressão de que os
homens não querem viver sob o domínio da paz e da concórdia. É
hora de pensarmos globalmente, em defesa dos ofendidos e violados. A
barbárie não pode sobrepujar os valores da justiça e da união
entre as nações..
As
cidade sírias, sua capital, por toda a parte que dirijamos um olhar
através da tela da tevê, estão praticamente na condição de terra
arrasada. Alguém, em sã consciência, pode chamar de país, de
nação organizada a um lugar no qual só vemos destroços de casas,
prédios, monumentos e ruas? Não, isso não é mais um governo, uma
estrutura, uma organização político-institucional. É, antes, um
mar encapelado de mortos, de mutilados, de inocentes que sucumbiram,
muitas vezes, de forma abrupta, como se fosse uma explosão atômica,
um terremoto. A Síria, há quase um ano, amanhece sempre, ao olhar
dos sobreviventes e do mundo, como uma visão aterradora de um espaço
geográfico estéril, acabado, sem esperança. Essa a visão que
tenho dessa sofrida parte do Oriente.
Quando
uma diplomata brasileira chega ao ponto de declarar publicamente o
estado de profunda calamidade física e humana de um povo é porque
sob os céus da Síria, de Damasco, de Allepo e de outras cidades se
implantou o terror contra seu povo e a Humanidade. Tenham dó desse
país!
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