Cunha
e Silva Filho
Hoje,
desde parte da manhã, estive chateado comigo mesmo. Necessitando de
encontrar um livro, um opúsculo do filólogo e gramático Evanildo
Bechara, publicado pela Nova Fronteira, e seguramente bem vendido
pelo país afora, opúsculo destinado a atualizar o usuário de
língua portuguesa. Não havia meio de encontrá-lo, pois é um livro
fininho, por isso opúsculo. Ora, um tipo de livros desses é fácil
perder no emaranhado de papéis em que frequentemente me encontro
diante do computador. Pode ser que tenha se infiltrado no meio de
páginas de uma revista de tamanho maior, ou que tenha , sem que eu
percebesse se intrometido em jornais que se acumulam sem ordem e que,
para ganhar espaço na mesa do computador, coloco em cima de uma
lixeira de papéis. Minha mulher, que, ao contrário de mim, é muito
organizada e gosta de tudo no seu devido lugar, me acompanhava com um
olhar de reprovação.
No
entanto, sem dar importância às reclamações dela, continuei
procurado: primeiro nas estantes da sala do apartamento; segundo, nas
estantes que ficam nas dependências, onde a bagunça é geral e onde
guardo uma boa quantidade de recortes de jornais, apontamentos,
artigos de meu pai, artigos meus, cópias de trabalhos
monográficos do tempo do mestrado e doutorado, alguns materiais da
graduação, material de língua inglesa do meu tempo de professor do
Colégio Militar do Rio de Janeiro, com textos e exercícios de
múltipla escolha ou objetivos, en fim , a papelada é grande e
insuportável aos olhos de quem não a conhece na condição de
arquivos.
Continuei
na procura do livrinho citado. Agora, veja, ao procurar o livrinho,
me lembrei de que precisava de ver se uma obra sobre o Simbolismo de
Massaud Moisés e outra organizada por Antonio Candido e José
Aderaldo Castelo sobre o Modernismo estavam ao meu alcance. Qual
nada! Não encontrei igualmente ambas. Meu alvoroço cresceu, a
chateação, idem. Tive que fazer uma longa e demorada peregrinação
nas estantes para ver se encontrava tais obras. Perguntei a meu filho
Alexandre e à minha esposa se eles haviam visto esses livros todos.
Ninguém viu. Estava perdido e mal pago! Ia, em cada prateleira de
cada estante, olhando com todo o cuidado se conseguia localizar as
obras. E nada de aparecerem. Duvidei até que as tivesse. Veja como
se encontrava a minha cabeça. Esfalfado, não desisti. Olhei para um
ponto fixo, o canto esquerdo de livros enfileirados numas das
prateleiras. Erro grosseiro de perspectiva! Oh, como nos engana
um ângulo errado de perspectiva! Lá estava o volume sobre o
Modernismo! Faltavam os de Bechara e de Massaud Moisés. Olhei, de
novo, para outra prateleira e, de repente, vi um volume com capa de
papel A4, paradinho, no meio de outra prateleira da sala. Era mesmo o
de Massaud Moisés. Faltava só o livrinho da Reforma Ortográfica...
Sempre
que perco algum objeto dentro de casa, apelo pra São Longuinho, o
santo que encontra as coisas e objetos perdidos. Mas, não sei
explicar, não apelei hoje para o bendito santo. Quis porque quis
encontrar sozinho , sem a ajuda de mais ninguém, nem mesmo dos
familiares. Já passou a manhã. Almocei às pressas. Necessitava de
retomar a peregrinação a fim de achar o livrinho do Bechara.
Minha mulher saiu com meu filho e eu fiquei, já era o período
da tarde, vasculhando, ora a sala, ora as dependências. Perdi meu
dia. Bem feito! Quem sabe, não foi porque não pedi a ajuda de São
Longuinho. Prometi a mim que não iria a uma livraria comprar outro
volume do livrinho da Reforma. Tenho que pagar pela minha falta de
cuidado e ordem. Amanhã, talvez, eu peça ajuda a São Longuinho.
Ele é batata. Sem ele, o livrinho não aparecerá.
Peço,
agora, desculpas ao leitor pela falta de assunto. Me contento porque
até o mineiro Rubem Braga (1913- 1990), que este ano será
homenageado pelos cem anos de nascimento, já tinha sido o
primeiro talvez a falar de crônica feita "sem assunto", no
que foi imitado por muitos outros bons cronistas brasileiros.
Braga
é considerado pela crítica como o mais importante cronista
brasileiro. Segundo me informei, o cronista escreveu em vida umas
quinze mil crônicas. É o suficiente para que com merecimento o
festejemos. O “velho” Braga, como a si mesmo gostava de
chamar-se, precisa de ser relido e debatido não só nos meios
acadêmicos universitários, mas também em outras instituições
culturais, nas escolas do ensino médio, pela sua contribuição
ao nível de grandeza estética a que ele elevou no país o gênero
crônica, não como um subgênero da prosa, segundo pretendem alguns
teóricos classificarem esta forma literária, mas como uma espécie
de gênero autônomo, com as suas características específicas, seu
valor artístico, sobretudo quando tangencia a linguagem poética
fundindo realidade e invenção, gênero, sim, híbrido no que
concerne à linguagem, à composição de suas formas, à seleção
de temas, à visão da vida, dos homens e da Natureza.
Valendo-se
principalmente da memória, da observação dos fatos cotidianos, da
história pessoal do cronista, dos fatos imaginados, que dela o fazem
uma concorrente da ficção, ou de fatos concretos sobre assunto
vário, como a crônica política, esportiva, científica, social,
policial, econômica etc, o gênero crônica, a despeito por vezes,
nem sempre, de sua efemeridade se estabeleceu na história da
literatura brasileira, a qual pode contar com uma plêiade de grandes
cronistas tanto do passado quanto do presente. Quem puder, pois, leia
ou releia obras dele como O conde e o passarinho (1936), Morro
do isolamento (1944), Ai de ti, Copacabana (1962) etc.
Caro poeta Elmar,
ResponderExcluirPermita-me fazer um pequeno reparo na crônica do brilhante escritor Cunha e Silva Filho, é que o gênio, o craque da crônica brasileira Rubem Braga, não era mineiro,e sim, capixaba, posto que nasceu na cidade de Cachoeiro do Itapemirim/ES, em 12/01/1913.
Um abraço.
Evaldo Lopes, poeta de Campo Maior-PI
Caro Evaldo Lopes
ResponderExcluirAgradeço-lhe por haver corrigido o meu "cochilo", provavelmente um descuido de erro analógico que me levou, no decorrer da escrita, a trocar as bolas, atribuindo ao capixaba de Cachoeiro do Itapemirim (Espírito Santo), cidade que, aliás, eu mesmo conheço, a naturalidade de “mineiro”.
Lembro, agora, a propósito de erros desse tipo, uma obra de Agripino Grieco, Disparates de todos nós. Valeu, amigo, a sua cuidadosa leitura. Vou já fazer a mesma correção em outros páramos virtuais em que publico a mesma matéria.
Abraços do
Cunha e Silva Filho