Nazareno César Moreira Reis
Agradeço
a presença de todos. Estou muito feliz por estarmos aqui, neste
espaço inspirador, celebrando o lançamento de livros, todos de
autoria de piauienses, versando sobre diferentes esferas de ocupação
intelectual, todos sob os auspícios da Fundação Carnaúba, cujo
benemérito é o Dr. Silva Meneses, aqui presente.
O
Dr. Silva Meneses, como todos sabem, é homem de muito brilho, e isso
descobri há bastante tempo. Há uns 16 anos, ou pouco mais, tive o
privilégio de ter os primeiros contatos com o Dr. Silva Meneses,
então um jovem juiz trabalhista. Eu era estudante de direito. Minha
irmã Isânia tornou-se assessora do Dr. Silva Meneses na Junta de
Conciliação e Julgamento da Justiça do Trabalho, em Araripina/PE,
em meados dos anos 1990. Nos finais de semana, quando ela vinha a
Teresina, adquirimos, eu e ela, por inspiração direta do Dr. Silva
Meneses, o hábito de comprar livros a mancheias (não
necessariamente ler, mas comprar). E comprávamos mesmo aos
borbotões, compulsivamente — digo, ela comprava, porque eu era um
simples estudante, empossado tão-só no meu próprio corpo —; e
esses livros, posto alguns não fossem integralmente lidos, só pela
sua presença em casa, eram fonte permanente de inspiração (e uso a
palavra aqui também num sentido sensorial, porque como é bom sentir
o cheiro do livro novo, inspirando-o!).
Olhar
para os livros, tocá-los, folheá-los, apreciar a sua aparência
prometedora de erudição, ocupar-me em verificar a sua composição
— tudo isso me parecia tão importante como entender a mensagem que
o autor queria passar. E assim compreendi e vivenciei uma ideia que
depois vi verbalizada com inteira perfeição por Paul Valéry,
quando ele disse que:
“Um
livro é materialmente perfeito quando é agradável de se ler,
delicioso de se mirar”
Estar
em presença de tantos amigos, e do Dr. Silva Meneses, todos
apreciadores da boa leitura, anos depois desses primeiros flertes com
os livros, para lançar o meu
livro em
papel, é realmente um prazer inexprimível. Faz-me recordar coisas
boas, faz-me reencontrar com os albores da minha existência
intelectual.
É
também um momento que me leva inevitavelmente a refletir sobre o
futuro do livro, pois me sinto como no convés de um navio, içando a
âncora. Em breve, já não seremos mais nesta terra.
Todos
aqui temos o privilégio de viver tempos que provavelmente serão
lembrados, no futuro, como fundantes de novas tradições e culturas.
O livro em papel está, a pouco e pouco, cedendo espaço para o
e-book.
E não é exagero dizer que hoje já lemos e escrevemos muito mais em
meio eletrônico do que em papel.
Não
sei se o livro em papel desaparecerá, nem em quanto tempo; não
creio que alguém tenha elementos seguros para responder a essas
dúvidas. Sei que, se isso vier a ocorrer, deixará, pelo menos em
mim, muitas saudades.
O
livro em papel tem vida, pois o material genético das árvores está
nele. Tem arte também, para amalgamar tinta, papel e cola de um
jeito prático e garboso. O livro em papel tem uma memória, pois tem
as marcas de quem o manuseou (às vezes, uma gota de café derramada,
um risco incompreensível, um número de telefone anotado, uma
assinatura, uma frase de efeito na folha de rosto, observações
soltas nas margens, um papel esquecido entre as suas páginas, etc.).
O livro em papel tem personalidade e beleza próprias (fontes, cores,
desenho, espaçamento, etc.). Em suma, o livro em papel
tem singularidade.
Ele não apenas traz informações; ele é um bem tangível,
fisicamente enclausurado, que muita vez evoca uma memória
sinestésica, para muito além do entend ime nto. Ele é um
companheiro nosso, e, às vezes, passa a ser parte de nós,
contando-nos, anos, décadas depois, um pouco de nossa própria
história.
O
livro códex, como ficou conhecido este tipo de objeto que ainda hoje
manuseamos, foi provavelmente a invenção de maiores consequências
para a Humanidade nos últimos dois milênios. Uma tecnologia que
permitiu que a informação circulasse de forma rápida, precisa e
relativamente barata. Muito antes da internet, o livro, especialmente
depois da imprensa, globalizou o mundo e transformou o homo
sapiens no homo
lectoris.
O homem leu e escreveu como nunca, nos últimos séculos. E agora,
curiosamente, a leitura está assumindo contornos paroxísticos.
É
verdade — não devemos ler demais. A internet está nos levando a
ler demais, e isso pode ser prejudicial ao espírito, à capacidade
de aprender e até à saúde. Schopenhauer diz que “Assim
como uma mola acaba perdendo sua elasticidade pelo peso contínuo de
um corpo estranho, o mesmo acontece com o espírito pela imposição
ininterrupta de pensamentos alheios. E assim como o estômago se
estraga pelo excesso de alimentação e, desta maneira prejudica o
corpo todo, do mesmo modo pode-se também, por excesso de alimentação
do espírito, abarrotá-lo e sufocá-lo”.
Vivemos uma espécie de “obesidade informacional”. Lemos muitas
coisas, retemos muitas delas, que só nos servem como peso morto,
cansando-nos, sem nenhuma utilidade real.
Se,
no passado, escolhia-se o que ler, numa grande biblioteca ou
livraria. Hoje, deve-se ter o maior cuidado em escolher o que não
ler. Não ler muitas coisas que nos são impingidas pelo telefone,
peloe-mail,
pelas redes sociais, pelos jornais, pelas revistas, etc. Esse
absenteísmo saudável pode nos poupar muito o cérebro, para coisas
realmente interessantes. Estamos ficando quase como o Funes, o
memorioso, aquele personagem do Borges que não conseguia aprender
nada, apesar e justamente porque não esquecia nenhum detalhe do que
via, ouvia ou lia.
Como
tudo ao nosso redor está se transformando em dados e convergindo
para a internet, desde o peso de uma nuvem que passa lá em cima, ou
a velocidade do vento, às 20h do dia 20 de dezembro de 2012 nas
imediações do aeroporto de Teresina, até o volume de água que o
Mar Morto está perdendo por hora — então isso leva à leitura, e
logo à “hiperleitura”. Assim como Funes, precisamos esquecer
mais, se quisermos aprender. Ler menos e melhor, se quisermos
apreciar o real valor da leitura.
Procurei
me inspirar nessas ideias, para escrever este pequeno manual para
redação da sentença cível na prova de concurso para juiz.
Concentrei-me notadamente na sede de concisão, em respeito ao
leitor.
É
claro que o tema da obra, por si mesmo prosaico e pragmático, já
não permite alumbramentos. O livro, assim, saiu naturalmente seco,
pois se destina, afinal, a ensinar o leitor a conseguir um emprego
como juiz — não a ser um juiz. Tendo sido produzido aos poucos,
sem sistema, e até sem intenção, o livro saiu-me de parto natural,
após dez anos de gestação descontinuada. Não se pode dizer, pelo
menos, que se trata de um trabalho aligeirado. A edição bem cuidada
da Edipro acresceu muito ao trabalho e por isso sou grato ao Sr. Jair
Lot.
Praticamente,
o trabalho interessa a poucos, apenas talvez aos que estão na
terceira fase do concurso de juiz. Esse público, seleto e crítico,
é temível. Mas procurei ser honesto desde o prefácio. Não lhe
prometi grandes soluções, apenas lhe declarei um testemunho de um
candidato mais velho, já aprovado em alguns testes e que já
trabalhou na preparação de outros mais jovens.
A
sensação do autor, ao ler aquilo que escreveu impresso numa edição
bem feita, é algo difícil de descrever. Mais uma vez foi Paul
Valéry quem melhor expressou esse sentimento. Ele disse que: “Se
o papel e a tinta se adequarem mutuamente, se a letra possuir um belo
olho, se a composição for cuidada, a justificação, deliciosamente
proporcionada, a folha, bem impressa, o autor experimenta de um modo
novo sua linguagem e seu estilo. Encontra em si mesmo acanhamento e
orgulho. Vê a si mesmo revestido de honrarias que talvez não lhe
pertençam. Julga ouvir uma voz muito mais nítida e firme que a sua,
uma voz implacavelmente pura, articulando suas palavras, destacando
perigosamente todas os vocábulos. Tudo o que ele escreveu de fraco,
mole, arbitrário, deselegante, agor a fala claro e alto demais. É
um julgamento muito preciso e temível, esse de ser magnificamente
impresso.”
(As
duas virtudes de um livro,
Suplemento Literário de Minas Gerais, número 88, outubro de 2002).
Muito
obrigado!”
Teresina-PI,
Oficina da Palavra, 20 de dezembro de 2012.
(Discurso proferido pelo Dr. Nazareno César Moreira Reis, Juiz Federal, por ocasião do lançamento do livro “Sentença Cível
Para Concursos da Magistratura”, Edipro, 2012, de sua autoria.)
Meu caro amigo Elmar:
ResponderExcluirMuito honrado e feliz com a sua atenção ao texto e publicação no seu blog.
Forte abraço,
Nazareno Reis