quinta-feira, 30 de maio de 2013

CRIMES E PECADOS




30 de maio

CRIMES E PECADOS

Elmar Carvalho

Lendo o livro Só, do poeta português Antônio Nobre, numa das estrofes do poema Antônio, encontro os seguintes versos: “Os presos, às grades da triste cadeia, / Olhavam-me em face! / E eu ia à pousada do guarda da aldeia / Pedir que os soltasse...” No meu íntimo, exclamei: Bons tempos aqueles, em que os encarcerados mereciam a piedade de um bardo da estirpe de um Antônio Nobre.

Até duas ou três décadas atrás, na maioria das cidades piauienses era uma grande novidade quando acontecia um roubo ou um homicídio. Latrocínio quase inexistia. Não existia assalto à mão armada. Parece que um ladrão tinha vergonha do seu ofício, pois só praticava suas incursões em busca do alheio à noite.

Eram verdadeiros mestres nas artes e artimanhas de escalar um muro, de destelhar uma casa, de abrir uma fechadura ou um cadeado. Assemelhavam-se nesses misteres a verdadeiros artistas de circo. Geralmente, não cometiam violências e nem roubavam coisas de muito valor. Muitas vezes, surrupiavam apenas produtos alimentícios.

Um jovem ia a uma festa à pé ou de bicicleta, pois poucas famílias tinham carros, e raramente possuíam uma motocicleta. A porta ficava apenas encostada, para que quando o rapaz retornasse não fosse necessário acordar seus pais. O moço ia, dançava à vontade; por vezes, na volta, dava uma passadinha em algum cabaré, e nada lhe acontecia de mal, a não ser o fato de que algumas vezes retornava montado numa “mula” ou em árdego “cavalo de crista”, famosas doenças venéreas desse tempo. Porém, ninguém lhes agredia e nenhum larápio adentrava a casa de seus pais.

Hoje vemos na imprensa, de forma banalizada, notícias sobre bárbaros assaltos e latrocínios. Muitas vezes a vítima entrega seu dinheiro ou seus pertences ao bandido, e ainda assim é morta. Muitas vezes o ofendido é morto por não conduzir uma quantia aceitável pelo assaltante. Não faz muito tempo, uma dentista foi queimada viva pelos bandidos, simplesmente por possuir em sua conta bancária apenas a importância de R$ 30,00.

Parece que a bola da vez agora são os dentistas. Ainda ontem e anteontem a televisão noticiava que os odontólogos estão atraindo o interesse dos assaltantes, na ilusão de que nos consultórios dentários circula muito dinheiro, o que parece não condizer com a realidade. Algumas pessoas mais prevenidas costumeiramente portam uma quantia que possa satisfazer o eventual larápio. Quer dizer, o assaltado ainda tem que ter uma importância monetária que o criminoso considere digna de sua excelentíssima pessoa.

Muitas vezes o assaltante pratica o crime sob o efeito de drogas poderosas, como o crack, e por qualquer reação da vítima, que possa lhe desagradar, por misterioso motivo, não hesita em ceifar-lhe a vida. Não lhe interessa saber se aquela pessoa vai deixar órfãos e viúva, ou outra pessoa da qual era arrimo. Também não lhe importa se a pessoa que ele vai assassinar é um médico renomado, com muita experiência e cursos, que ainda pudesse continuar salvando muitas vidas com o seu trabalho.

Tenho dito que qualquer pessoa, em momento infeliz, poderá cometer um homicídio ou uma agressão, mormente quando humilhada e ofendida física e/ou moralmente pela vítima. Mas sendo esse agressor ou homicida uma pessoa de bem vai remoer amargamente o seu remorso por anos a fio, talvez para sempre, e nunca mais reincidirá no crime que praticou, sem a mínima premeditação.

Contudo, um matador de aluguel, um estuprador, um ladrão contumaz, um estelionatário, um traficante de drogas quase sempre voltam a praticar esses mesmos crimes, que deliberadamente cometeram, tão logo sejam postos em liberdade. Creio que o motivo da altíssima reincidência desses criminosos é que eles são dotados de alto grau de egoísmo, e agem movidos apenas pela ganância ou por hedonismo.

Ao pistoleiro interessa apenas o dinheiro que vai receber; ao estuprador, o prazer sexual que pretende ter; ao ladrão, o objeto que furtará ou roubará; ao traficante, o que lhe importa é o lucro que irá obter. A esses criminosos não tem a menor importância a desgraça e prejuízo que irão causar à vítima, à sociedade ou às famílias. Não é desnecessário lembrar que o tráfico e uso de drogas tem contribuído bastante para o aumento da criminalidade. E o consumo de substâncias tóxicas tem potencializado a violência no cometimento desses crimes, muitas vezes perpetrados no interior da própria residência do autor do delito.

No seio da sociedade farisaica e hipócrita de agora, em que imperam, por vezes, o demagógico patrulhamento dos autoproclamados politicamente corretos, ouço altas e verborrágicas vozes se levantando em favor de presos. Por vezes com razão, admito. Mas não tenho ouvido essas tonitruantes proclamações se erguendo em favor das vítimas, dos mutilados, das viúvas e dos órfãos, que a prática desses crimes hediondos deixaram ao desamparo e ao sofrimento.

É necessário que um outro Cícero surja nos dias de hoje, a bradar contra esse tempo e esses costumes. Ou que surja um novo João Batista a vociferar contra essas mazelas e contra a falta de vontade política de certos gestores em adotarem medidas preventivas e repressivas eficazes. Algo profundo precisa ser feito, com urgência, no campo da prevenção contra as drogas, no tratamento dos dependentes químicos, na educação (com a inclusão de disciplina sobre os perigos da droga e sobre ética e cidadania) e na segurança pública.


Deve haver a criação de políticas públicas vigorosas, direcionadas ao combate às drogas e à formação moral do jovem, com o incentivo para que ele se ocupe em atividades esportivas, artísticas e culturais, que lhe afaste do ócio. Este, muitas vezes, é um mau “conselheiro”. Com essas medidas é possível que diminua o uso de entorpecentes e o cometimento de crimes, sobretudo por parte dos jovens. E por falar em crime, um dos maiores crimes é a omissão das autoridades (in)competentes.

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