30
de maio
CRIMES
E PECADOS
Elmar Carvalho
Lendo
o livro Só, do poeta português Antônio Nobre, numa das estrofes do
poema Antônio, encontro os seguintes versos: “Os presos, às
grades da triste cadeia, / Olhavam-me em face! / E eu ia à pousada
do guarda da aldeia / Pedir que os soltasse...” No meu íntimo,
exclamei: Bons tempos aqueles, em que os encarcerados mereciam a
piedade de um bardo da estirpe de um Antônio Nobre.
Até
duas ou três décadas atrás, na maioria das cidades piauienses era
uma grande novidade quando acontecia um roubo ou um homicídio.
Latrocínio quase inexistia. Não existia assalto à mão armada.
Parece que um ladrão tinha vergonha do seu ofício, pois só
praticava suas incursões em busca do alheio à noite.
Eram
verdadeiros mestres nas artes e artimanhas de escalar um muro, de
destelhar uma casa, de abrir uma fechadura ou um cadeado.
Assemelhavam-se nesses misteres a verdadeiros artistas de circo.
Geralmente, não cometiam violências e nem roubavam coisas de muito
valor. Muitas vezes, surrupiavam apenas produtos alimentícios.
Um
jovem ia a uma festa à pé ou de bicicleta, pois poucas famílias
tinham carros, e raramente possuíam uma motocicleta. A porta ficava
apenas encostada, para que quando o rapaz retornasse não fosse
necessário acordar seus pais. O moço ia, dançava à vontade; por
vezes, na volta, dava uma passadinha em algum cabaré, e nada lhe
acontecia de mal, a não ser o fato de que algumas vezes retornava
montado numa “mula” ou em árdego “cavalo de crista”, famosas
doenças venéreas desse tempo. Porém, ninguém lhes agredia e
nenhum larápio adentrava a casa de seus pais.
Hoje
vemos na imprensa, de forma banalizada, notícias sobre bárbaros
assaltos e latrocínios. Muitas vezes a vítima entrega seu dinheiro
ou seus pertences ao bandido, e ainda assim é morta. Muitas vezes o
ofendido é morto por não conduzir uma quantia aceitável pelo
assaltante. Não faz muito tempo, uma dentista foi queimada viva
pelos bandidos, simplesmente por possuir em sua conta bancária
apenas a importância de R$ 30,00.
Parece
que a bola da vez agora são os dentistas. Ainda ontem e anteontem a
televisão noticiava que os odontólogos estão atraindo o interesse
dos assaltantes, na ilusão de que nos consultórios dentários
circula muito dinheiro, o que parece não condizer com a realidade.
Algumas pessoas mais prevenidas costumeiramente portam uma quantia
que possa satisfazer o eventual larápio. Quer dizer, o assaltado
ainda tem que ter uma importância monetária que o criminoso
considere digna de sua excelentíssima pessoa.
Muitas
vezes o assaltante pratica o crime sob o efeito de drogas poderosas,
como o crack, e por qualquer reação da vítima, que possa lhe
desagradar, por misterioso motivo, não hesita em ceifar-lhe a vida.
Não lhe interessa saber se aquela pessoa vai deixar órfãos e
viúva, ou outra pessoa da qual era arrimo. Também não lhe importa
se a pessoa que ele vai assassinar é um médico renomado, com muita
experiência e cursos, que ainda pudesse continuar salvando muitas
vidas com o seu trabalho.
Tenho
dito que qualquer pessoa, em momento infeliz, poderá cometer um
homicídio ou uma agressão, mormente quando humilhada e ofendida
física e/ou moralmente pela vítima. Mas sendo esse agressor ou
homicida uma pessoa de bem vai remoer amargamente o seu remorso por
anos a fio, talvez para sempre, e nunca mais reincidirá no crime que
praticou, sem a mínima premeditação.
Contudo,
um matador de aluguel, um estuprador, um ladrão contumaz, um
estelionatário, um traficante de drogas quase sempre voltam a
praticar esses mesmos crimes, que deliberadamente cometeram, tão
logo sejam postos em liberdade. Creio que o motivo da altíssima
reincidência desses criminosos é que eles são dotados de alto grau
de egoísmo, e agem movidos apenas pela ganância ou por hedonismo.
Ao
pistoleiro interessa apenas o dinheiro que vai receber; ao
estuprador, o prazer sexual que pretende ter; ao ladrão, o objeto
que furtará ou roubará; ao traficante, o que lhe importa é o lucro
que irá obter. A esses criminosos não tem a menor importância a
desgraça e prejuízo que irão causar à vítima, à sociedade ou às
famílias. Não é desnecessário lembrar que o tráfico e uso de
drogas tem contribuído bastante para o aumento da criminalidade. E o
consumo de substâncias tóxicas tem potencializado a violência no
cometimento desses crimes, muitas vezes perpetrados no interior da
própria residência do autor do delito.
No
seio da sociedade farisaica e hipócrita de agora, em que imperam,
por vezes, o demagógico patrulhamento dos autoproclamados
politicamente corretos, ouço altas e verborrágicas vozes se
levantando em favor de presos. Por vezes com razão, admito. Mas não
tenho ouvido essas tonitruantes proclamações se erguendo em favor
das vítimas, dos mutilados, das viúvas e dos órfãos, que a
prática desses crimes hediondos deixaram ao desamparo e ao
sofrimento.
É
necessário que um outro Cícero surja nos dias de hoje, a bradar
contra esse tempo e esses costumes. Ou que surja um novo João
Batista a vociferar contra essas mazelas e contra a falta de vontade
política de certos gestores em adotarem medidas preventivas e
repressivas eficazes. Algo profundo precisa ser feito, com urgência,
no campo da prevenção contra as drogas, no tratamento dos
dependentes químicos, na educação (com a inclusão de disciplina
sobre os perigos da droga e sobre ética e cidadania) e na segurança
pública.
Deve
haver a criação de políticas públicas vigorosas, direcionadas ao
combate às drogas e à formação moral do jovem, com o incentivo
para que ele se ocupe em atividades esportivas, artísticas e
culturais, que lhe afaste do ócio. Este, muitas vezes, é um mau
“conselheiro”. Com essas medidas é possível que diminua o uso
de entorpecentes e o cometimento de crimes, sobretudo por parte dos
jovens. E por falar em crime, um dos maiores crimes é a omissão das
autoridades (in)competentes.
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