segunda-feira, 6 de maio de 2013

Milagrosa indústria da fé



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Está no jornal Diário do Povo, 29 de abril: "Angola proíbe operação de igrejas evangélicas do Brasil. Segundo o governo, elas praticam "propaganda enganosa" e "se aproveitam da fragilidade do povo angolano". Rui Falcão, secretário do birô político MPLA(Movimento Popular de Libertação de Angola), disse à Folha: "O que mais existe aqui em Angola são igrejas de origem brasileira."

Só no Brasil, nos últimos trinta anos, fundaram-se mais de mil seitas religiosas, com estrondosa propaganda de milagres em profusão. Graças aos meios de comunicação, barganham montanhas de dinheiro, afortunam os fundadores, criam império, avançam fronteiras. A fonte? As ofertas e dízimos cobrados à exaustão, em troca de curas e promessas financeiras. Igrejas tradicionais, tanto de origem evangélica quanto católica e demais denominações, reconhecidamente sérias, assistem, com assombro, ao espetáculo da fé movido a discurso de puro teor miraculoso, sem filtração do real e do imaginário.
Toda entidade religiosa sobrevive às custas das ofertas e dízimos, desde os tempos bíblicos. Jesus e os apóstolos viviam às expensas da gratidão popular. Primitivas comunidades cristãs se cotizavam financeiramente.

O mal não são ofertas e dízimos, mas a ambição, simonia, afortunamento exacerbado. Um dos motivos que levou Jesus à morte provinha da ciumeira da elite religiosa da época, que via no Messias uma barreira contra suas imorais cobranças de ofertas e dízimos. Jesus, uma vez, de chibata empunhada, invadiu o templo, derrubou mercadorias e mesas, linchou cambistas e comerciantes, e berrou: "Minha casa é templo de oração, mas vós o transformais em covil de ladrões!"

Entidades religiosas sérias criam conselhos financeiros, com participação da comunidade e admirável transparência. A prestação de contas no altar, em público, estimula a consciência e generosidade dos fiéis. Ademais, não se utilizam de duvidosas práticas de curas e promessas de enriquecimento aos que se despojam de gordas ofertas, interessados em ambições pessoais do que na própria conversão e salvação eterna. O Mestre manda um duro recado: "Buscai, acima de tudo, o reino de Deus e sua justiça. O resto vem como acréscimo." Exatamente, por essa promessa de acréscimo, espertalhões desligaram-se de suas fronteiras religiosas, a fim de se aventurar na busca do acréscimo, fundando igrejas, assombrando multidões com esquartejamento da fé e da ingenuidade popular.

Por menos de mil reais se funda uma igreja no Brasil. Já somam mais de mil, algumas com denominações esdrúxulas e risíveis. Em Teresina, alguém fechou sua modesta loja e fundou uma seita nas beiradas da cidade. Livrou-se dos fiscais de tributo, investiu no ramo da fé. Imagine-se a retórica teológica e fajuta. Entidades religiosas sérias exigem anos de estudo, disciplina, espiritualidade, conduta ilibada, para exercer a pastoral.

O exemplo de Angola deve acordar as autoridades brasileiras na vigilância do exercício religioso livre, mas responsável. Uma sugestão: Só permitir publicar prováveis milagres de cura mediante acompanhamento médico ou análise científica do fenômeno. Do contrário, só Jesus e uma sova de chibatadas nos milagreiros e oportunistas.

Um comentário:

  1. Parabéns ao nobre cronista pelo texto extremamente oportuno que nos chama a atenção para o perigo que representa essa corja de falsos profetas que se aproveitam da fé cristã e fazem dos templos religiosos verdadeiros veículos de propaganda enganosa de "indústrias da fé". Aquele que sabe todas as coisas certamente lhes dirá: "...não vos conheço..".

    ResponderExcluir