quinta-feira, 20 de junho de 2013

A CORTESIA DE UM “PÃO DURO”


20 de junho   Diário Incontínuo

A CORTESIA DE UM “PÃO DURO”

Elmar Carvalho

Estava conversando com um amigo ao telefone, sobre assuntos diversos e aleatórios, quando ele, para ilustrar uma tese sua, contou-me um fato acontecido com um conhecido seu, dos velhos tempos. Para evitar fofocas e intrigas não irei lhes revelar o nome. Meu amigo, embora um tanto circunspecto, tem considerável senso de humor, quando lhe apraz, conquanto o use com certa parcimônia e cautela.

Esse amigo de meu colega, era um jovem estudado e de muita inteligência, mas desses que a ironia popular diz que saiu do mato, porém sem que o mato saia dele. Na verdade, era um verdadeiro bicho do mato. Em suma, conservava os modos e o jeito de falar de um legítimo tabaréu da caatinga piauiense. A caricatura descritiva do Jeca Tatu a ele se aplicava com exatidão. Recém casado, foi a uma das maiores lojas de departamento para tentar comprar uma geladeira.

Sequer tinha emprego. Vivia de duas remunerações, que percebia na qualidade de estagiário. Talvez esses ganhos correspondessem, se muito, a dois salários mínimos. Conversou com o vendedor sobre as condições de pagamento, contudo percebeu que não teria condições de honrar o compromisso, mesmo com o plano de perfil mais alongado. Quase entrou em desânimo, ainda mais porque essa empresa tinha a fama, merecida ou não, de retomar as mercadorias de quem por ventura caísse em inadimplência.

Resolveu falar com o gerente, na tentativa de alongar ainda mais as parcelas, mas foi informado de que apenas o dono poderia autorizar o que propunha. Foram, pois, falar com o empresário, que era e é um dos maiores do Piauí. O moço contou sua história, não esquecendo de dizer que era recém casado, e fez a sua proposta. O proprietário, que tinha fama de ser um tanto “pão duro”, supôs que ele fosse uma pessoa de pouco estudo, ou até mesmo analfabeta, e por isso pediu que ele lhe fizesse uma petição escrita do que estava propondo.

Talvez desejasse desqualificar o pretendente, que se dizia prestes a se formar, para desse modo mais facilmente justificar o indeferimento. Mas o rapaz, que depois foi aprovado em concurso para cargo público importante, se não era loquaz, era muito habilidoso em redação, e fez uma bela peça, vertida em elegantes letras e frases, não sei se condimentada com eventual latinório.

O empresário parecia não crer no que acabava de testemunhar, e olhou, repetidas vezes, do requerimento para o seu autor e vice-versa, como se não pudesse acreditar que esse aparente matuto fosse capaz de elaborar aquele pedido, bem redigido e bem fundamentado. Ademais, a letra era quase uma obra de arte, caprichada, legível, e o texto não apresentava o menor erro gramatical ou rasura, tudo tendo sido escrito com rapidez e sem hesitações.


Ainda perplexo com a capacidade redacional do rapaz, pediu-lhe o endereço. Em seguida, disse que mandaria deixar a geladeira em sua casa. O amigo do meu amigo pediu o contrato e demais papelada para assinar. Mas, para sua surpresa, aquele grande empresário, apesar de tido e havido como um tanto sovina, talvez injustamente, também tinha os seus rasgos de magnanimidade, e respondeu-lhe que a mercadoria era um presente seu, e, portanto, nenhuma promissória ou duplicata seria emitida. 

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