A
CORTESIA DE UM “PÃO DURO”
Elmar Carvalho
Estava
conversando com um amigo ao telefone, sobre assuntos diversos e
aleatórios, quando ele, para ilustrar uma tese sua, contou-me um
fato acontecido com um conhecido seu, dos velhos tempos. Para evitar
fofocas e intrigas não irei lhes revelar o nome. Meu amigo, embora
um tanto circunspecto, tem considerável senso de humor, quando lhe
apraz, conquanto o use com certa parcimônia e cautela.
Esse
amigo de meu colega, era um jovem estudado e de muita inteligência,
mas desses que a ironia popular diz que saiu do mato, porém sem que
o mato saia dele. Na verdade, era um verdadeiro bicho do mato. Em
suma, conservava os modos e o jeito de falar de um legítimo tabaréu
da caatinga piauiense. A caricatura descritiva do Jeca Tatu a ele se
aplicava com exatidão. Recém casado, foi a uma das maiores lojas de
departamento para tentar comprar uma geladeira.
Sequer
tinha emprego. Vivia de duas remunerações, que percebia na
qualidade de estagiário. Talvez esses ganhos correspondessem, se
muito, a dois salários mínimos. Conversou com o vendedor sobre as
condições de pagamento, contudo percebeu que não teria condições
de honrar o compromisso, mesmo com o plano de perfil mais alongado.
Quase entrou em desânimo, ainda mais porque essa empresa tinha a
fama, merecida ou não, de retomar as mercadorias de quem por ventura
caísse em inadimplência.
Resolveu
falar com o gerente, na tentativa de alongar ainda mais as parcelas,
mas foi informado de que apenas o dono poderia autorizar o que
propunha. Foram, pois, falar com o empresário, que era e é um dos
maiores do Piauí. O moço contou sua história, não esquecendo de
dizer que era recém casado, e fez a sua proposta. O proprietário,
que tinha fama de ser um tanto “pão duro”, supôs que ele fosse
uma pessoa de pouco estudo, ou até mesmo analfabeta, e por isso
pediu que ele lhe fizesse uma petição escrita do que estava
propondo.
Talvez
desejasse desqualificar o pretendente, que se dizia prestes a se
formar, para desse modo mais facilmente justificar o indeferimento.
Mas o rapaz, que depois foi aprovado em concurso para cargo público
importante, se não era loquaz, era muito habilidoso em redação, e
fez uma bela peça, vertida em elegantes letras e frases, não sei se
condimentada com eventual latinório.
O
empresário parecia não crer no que acabava de testemunhar, e olhou,
repetidas vezes, do requerimento para o seu autor e vice-versa, como
se não pudesse acreditar que esse aparente matuto fosse capaz de
elaborar aquele pedido, bem redigido e bem fundamentado. Ademais, a
letra era quase uma obra de arte, caprichada, legível, e o texto não
apresentava o menor erro gramatical ou rasura, tudo tendo sido
escrito com rapidez e sem hesitações.
Ainda
perplexo com a capacidade redacional do rapaz, pediu-lhe o endereço.
Em seguida, disse que mandaria deixar a geladeira em sua casa. O
amigo do meu amigo pediu o contrato e demais papelada para assinar.
Mas, para sua surpresa, aquele grande empresário, apesar de tido e
havido como um tanto sovina, talvez injustamente, também tinha os
seus rasgos de magnanimidade, e respondeu-lhe que a mercadoria era um
presente seu, e, portanto, nenhuma promissória ou duplicata seria
emitida.
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