A GERAÇÃO
DE 45 NO SALIPI (*)
(Obras
de Almeida Garrett, vol. 2, p. 301. Lelo e Irmão Editores –
Porto-Portugal)
É com essa invocação ao sentimento da saudade, tão
presente na lírica portuguesa, em Portugal e no Brasil, que Almeida
Garrett abre o canto primeiro do seu poema Camões, com o qual dá
início à reforma romântica naquele país irmão, em l825,
acontecimento que teria imensa repercussão nos dois países, ao
contribuir lá e aqui para a transformação estético-literária
que iria operar-se nas duas literaturas co-irmãs.
Com este sentimento presente na alma de quem viveu
intensamente o clima literário de nossa época é que inicio esta
moção de agradecimento ao gesto de autêntica generosidade e
simpatia dos promotores do SALIPI, ao incluir meu modesto e apagado
nome entre numes tutelares, como Vinícius de Moraes e Rubem Braga,
homenageados no transcurso de seu centenário de nascimento.
Quanto a mim, posso afirmar que a vida somente viria a
adquirir qualquer significação depois do encontro com a minha
geração, figuras com as quais passei a conviver a vida inteira,
elegendo como norte de nossas vidas a preocupação e a vivência
com os valores da literatura – como a nossa preocupação
fundamental e razão de ser em face da vida.
Neste sentido, creio que aqui fizemos uma revolução.
A única referência que até então existia, antes do aparecimento
da chamada “geração de 45”, era a Academia Piauiense de
Letras, fundada em 1917 por uma geração das mais brilhantes e
intelectualmente produtivas do Piauí, da qual se destacaram figuras
como Clodoaldo Freitas, seu primeiro presidente, Lucídio Freitas,
seu idealizador, e mais, Higino Cunha, Jonathas Batista, João
Pinheiro, Fenelon Castelo Branco, Edson Cunha, Celso Pinheiro,
Antônio Chaves e Baurélio Mangabeira, seus fundadores, que dariam
relevo àquela iniciativa. Eram, quase todos, adeptos do
positivismo, em filosofia e política, e do parnasianismo, em
estética literária. Sua influência iria daquele período até o
aparecimento dessa nova geração, com H. Dobal, na poesia, O. G.
Rego de Carvalho, na prosa, Afonso Ligório, no romance e na
história, José Camillo Fº., Eustachio Portella, Vitor Gonçalves
Neto, José Maria Ribeiro, José de Ribamar Oliveira, Celso Barros,
já na fase do Clube dos Novos, e outros mais. A esses
acrescentaríamos também, por oportuno, os nomes do pimenteirense
Permínio Asfora, igualmente homenageado neste Salão e se
afirmaria, literariamente, em outro meio intelectual, deixando obras
significativas como Vento Nordeste e, acima de tudo, Noite Grande e
Fogo Verde, inspirados na paisagem social e humana de sua terra
natal, Pimenteiras, a primeira, e Valença, a segunda; o já
consagrado Fontes Ibiapina, com Palha de Arroz e outros romances de
temática social; e, recentemente, Oton Lustosa, com Vozes da
Ribanceira, sobre a realidade social do Poti Velho, grande revelação
de romancista já consagrado entre nós, além de membro ilustre de
nossa Academia, a respeito de quem tenho um estudo dos mais
completos que, dentro em breve, fará parte de um novo livro de
minha autoria.
Ousamos, assim, contestar, em certo momento de nossa
evolução literária, esse domínio da Academia, inicialmente, por
intermédio de um manifesto antiacadêmico e, em seguida, por meio
de uma revista ou caderno de letras – Meridiano, publicação
através da qual transmitiríamos nossa mensagem renovadora e
viveríamos aquele instante solar da literatura piauiense.
Não vamos mais remexer esse passado distante que hoje
constitui história e saudade, um pouco da nossa vida literária,
reconstituída com admirável brilho pela jovem mestra em história
Vanessa Soares de Negreiros Faria, em sua tese de mestrado, a que
denominou A Geração Perdida, título de meu livro de estreia,
lançado em Brasília, em 1980, cujo resumo foi incluído em livro
de memórias – Conversa com M. Paulo Nunes, resultante de
entrevistas concedidas à escritora Áurea Queiroz, no final de 2006
e início de 2007, a que se acrescenta o resumo da tese já referida
e o documento oficial da criação da Universidade Federal do Piauí,
em 12 de dezembro de 1969, o qual dentre em breve será lançado,
neste 11º Salão. Constitui ele assim uma tocante homenagem a essa
geração, a mais inquieta em nossa história literária, porque
partícipe de um movimento de afirmação nacional que sacudiria, de
norte a sul, nossas seculares raízes conservadoras. Movimento
este que se afirmaria através de revistas literárias que surgiriam
em todas as regiões do país, congregando jovens intelectuais
portadores de uma mensagem estética nova e avassaladoramente
renovadores em seus processos estéticos e em sua temática
revolucionária. Assim é que, no Rio, a então capital da
República, apareceriam a Revista Branca e Orfeu; em São Paulo,
Clima; no Paraná, Joaquim; no Rio Grande do Sul, Quixote. Na
Amazônia, Fluminaçu, no Pará; no Maranhão, A Ilha; no Piauí,
Meridiano; no Ceará, Clã e José; no Rio Grande do Norte, O Bando;
na Bahia, Cadernos da Bahia, e outras mais. Foi um momento, este, da
maior efervescência intelectual, em nosso país, anunciando, com
estardalhaço, o aparecimento de uma nova geração.
Outros acontecimentos houve, entre nós, que credito ao
aparecimento dessa nova geração, como o Clube dos Novos, cuja
instalação solene ocorreria no segundo semestre de 1946, no salão
nobre da Escola Normal e de que fui o primeiro e único presidente.
No ano seguinte ocorreria a fundação, no salão de conferências
do Arquivo Público, da Secção Estadual da Associação Brasileira
de Escritores (ABDE), já aí com a ampliação de participantes
para acolher também os membros mais atuantes da Academia,
incluindo, em seu Conselho Fiscal, figuras como Álvaro Ferreira e
Arimathéa Tito e seu então presidente, o poeta Moura Rego,
aclamado presidente da ABDE, tendo sido escolhido secretário-geral
o orador que vos fala. Da sessão de instalação da novel entidade
participou, na condição de representante da direção nacional,
então sob a presidência do escritor Guilherme Figueiredo, o
saudoso poeta e depois querido amigo Jorge Medauar, no início de
sua carreira literatura que, naquela oportunidade, proferira uma
palestra alusiva ao centenário de nascimento do excelso poeta
Castro Alves, em 14 de março de 1947.
Nascida no âmbito do I Congresso Brasileiro de
Escritores, realizado em São Paulo, em março de 1945, a ABDE
passaria a ser reflexo do clima de otimismo resultante da
reconquista das liberdades democráticas, no fim da ditadura Vargas,
com a anistia e a libertação dos prisioneiros políticos,
inclusive, do mais notório deles, Luís Carlos Prestes, e do
esmagamento do nazi-fascismo, na Europa, com o fim da Segunda Guerra
Mundial.
Mas a entidade teria um destino melancólico. Depois de
um confronto de tendências políticas, deu-se a ruptura, nas
eleições realizadas para a direção nacional, em 1949, ocasião
em que alguns de seus membros partiram para o confronto pessoal,
como o pitoresco episódio da disputa entre o romancista paraense
Dalcídio Jurandir e o poeta Carlos Drummond de Andrade, em torno da
posse do livro de atas da entidade, de que resultaria a saída dos
não comunistas da agremiação. Mais tarde, ou seja, findo o
mandato do escritor baiano Homero Pires, eleito na tumultuada sessão
de 49, contra Afonso Arinos, o romancista Graciliano Ramos assume a
presidência, exercendo-a até a sua morte, em 1953. Pouco tempo
depois desapareceria também a ABDE.
De tudo isto ficou-nos a saudade e as obras que
deixamos como testemunho e compromisso de uma das mais inquietas das
gerações que o Piauí já conheceu no curso da sua história. Deus
seja louvado!
Nenhum comentário:
Postar um comentário