quarta-feira, 17 de julho de 2013

Literatura e política


Cunha e Silva Filho

Em razões de pesquisa que ando fazendo,  me deparo com um comentário  de Afrânio Coutinho (1911-2000),  importante crítico literário, historiador e teórico da literatura brasileira, na obra Correntes Cruzadas – questões de literatura (Rio de Janeiro; A Noite, 1953)) que, a certa altura  desse livro faz um  comentário que, por analogia,  me leva a refletir sobre a questão, de resto, sempre controvertida das relações entre  o escritor e  a  política.

Coutinho  faz afirmações favoráveis ao tipo de  políticos  que, na década de  40 e 50, se distinguiam em geral  por  posturas e comportamentos, segundo ele,  em geral   exemplares, ou  seja,  bons  políticos  que aliavam  integridade moral e preparo  intelectual. Aproveitava  o crítico   para  fazer um cotejo entre  a integridade  moral  daqueles  políticos   e certos  grupos   de homens de letras  que faziam da  vida literária  um  terreno   infestado  de  oportunistas,  medíocres  e inimigos   da seriedade,  do estudo  em profundidade, transformando  o   cenário da vida intelectual, sobretudo  no âmbito da crítica literária,  num estéril   espaço de compadrio, de elogios  mútuos e de ausência  absoluta de  critérios  objetivos  em lidar com  a produção literária  brasileira.

Quem não estivesse  dentro  do  grupo ou grupos dominantes  sofreria   pressões  e indiferença, restando   duas alternativas  ao  escritor que aspirasse  a ingressar   na vida  intelectual,   desistir ou lutar com   os grupos  que dominavam  a vida  intelectual  brasileira,  principalmente  nos dois maiores  grandes centros,   Rio e Janeiro e São Paulo.Era uma  época atravessada  por  inúmeras polêmicas  entre  escritores, cada  qual   cuidando de seus interesses  individuais visando a uma posição de destaque  no domínio  da literatura, tendo à frente  a crítica literária.

Ora,  se  pensarmos   maduramente  no que ocorria naqueles tempos   e  fizermos  um paralelo com a situação   vivida agora  pelo país,  vemos  logo   um dado   que  não podemos   deixar de lado:  há uma  nítida  inversão  de valores  se compararmos  os políticos de hoje com  os dos períodos   acima-mencionados  Diria  que  a política  atual  sofre  da ausência de  grandes figuras  de homens públicos para dirigir   os destinos  do país. Quer dizer, a representatividade   de nossos  deputados e senadores  não está  à altura  do que  o país  exige  diante da crise   de   imoralidade, corrupção  e  indiferença  sem precedente   demonstradas  pelos políticos  em geral.

Assistimos  a uma deplorável  estado  de  cinismo  de nossa  elite  política ante as pressões  justas  nas ruas  do Brasil,  clamando, em curto  prazo,  por  mudanças  de  comportamentos éticos  de  quem  tem mandato  na Câmara e no  Senado. Vejo  como fato  deplorável    os  homens  que ali  estão  eleitos  pelo  povo.   Teimam em   não se dar conta da gravidade  que  pesa sobre os seus ombros de forma  inexorável, convocando-os todos a  terem  vergonha  na cara  e a perceberem que o povo  brasileiro não se deixará  mais  enganar  com qualquer   arrivista  em pele de  salvador da pátria  que  surja  no cenário  da  vida política nacional.

Por outro lado,  vejo  que  da parte da intelectualidade brasileira, há um fosso  que se estabeleceu  entre   os  escritores e  a política, i.e.,  há uma  indigência de vozes    da elite intelectual   que venha  a campo  se juntar aos reclamos do povo  por  novos  padrões de comportamento    moral   de que  a nossa   prática  política  tanto   necessita e de que está tão  pobre e tão órfã. Onde estão os  escritores, os intelectuais  de visão  aberta  e  com coragem   de  agregar  força e  ânimo  para compor a unidade   de vozes   contra  a corrompida    política brasileira? Onde estão os   intelectuais  como  o foram   um Barbosa Lima Sobrinho,  um  Mocyr  Werneck de Castro,  um Nelson Werneck  Sodré,  um Tristão de Athayde,   um Fausto Wolff, entre tantos outros  em diferentes    épocas  da vida  social  brasileira?  

Os intelectuais jovens,  os de meia idade  e até os mais velhos estão muito calados,  muito  acomodados,  muito aburguesados   diante  das incertezas do presente. Será que só  pensam  em suas  carreiras   de escritores, presos apenas  ao mundo da ficção, da poesia, do ensaio  e do teatro  edulcorado, cuidando  somente  de  sua produção e do seu  sucesso  editorial? Não sabem  que  a vida literária não se  concretiza  apenas  no isolamento  das questões   sociais, que a literatura  não  é apenas   imaginação,  criação   de uma realidade   possível? Se é isso que lhes basta,  que  até podem alegar  ser  a criação artística uma forma  de   conscientização  dos problemas  sociais  e das injustiças  do mundo, e que por isso   já estão implicitamente  fazendo sua parte  no combate contra  a prepotência do poder  e  a ignomínia   dos governantes  quando    publicam    suas obras, não  o é para mim. No meu  modesto   juízo,   penso que  os intelectuais   devem, sim,   juntar-se  aos apelos  da população,  ainda que seja  através  de uma coluna de jornal,  de um blog   na internet,  de um programa   no rádio, numa  entrevista  na  TV.

 Permanecerem,  porém, em silêncio,  de alguma forma  me  parece    inaceitável, dando  azo  a que  os rotulemos    de  indiferentes ao que  nos cerca, ao que  está   acontecendo  no país. Seria o mesmo que cruzar os braços,  lavar  as mãos,  afundar-se na indiferença, numa  posição  cômoda   e cinzenta Nisto  incluiria  todo e qualquer   intelectual, jovem, moço  ou velho, nos muros da universidade  ou fora deles.


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