Quem
são os líderes despojados?
José
Maria Vasconcelos
De
tempos em tempos, surge avalanche de neologismos, às vezes,
totalmente deturpados no sentido tradicional e etimológico. A década
de 1960 foi pródiga em neologismos e significados exóticos
(psicodélico, prafrentex, engajado, alienado, esquerda, direita,
long-play, inserido no contexto, anticoncepcional, sex-appeal, brasa,
mora!, tira (militar), amizade colorida, hippie). Anos 70-80, pouca
invenção. Nas últimas décadas, avanços tecnológicos e a
"internet"(olha aí o novo), centenas de neologismos e
esquisitices verbais invadiram as comunicações. É o caso da
palavra "despojado".
Descobri,
em loja do centro comercial de Teresina, anúncio que dizia:
"Alugamos e vendemos looks(olha o novo) de luxo despojados para
noivas." E se inspirava em desfiles chiques de marcas famosas.
Apaixonados por motos turbinadas e caras criaram, no Rio, a
"tribo"(olha de novo o novo) dos "Despojados do
Asfalto".
No
programa televisivo,"Pequenas Empresas, Grandes Negócios",
a empresária exibia "perucas despojadas" a preços acima
de 10 mil reais, além dos serviços de "cachos despojados".
E por aí vai colando o vocábulo em todo produto bom e caro.
Desidério
Murcho, filósofo e escritor português, escreveu o livro, "Os
Despojados", sobre utópica organização política e social em
um planeta fértil e imaginário. Uma colônia de anarquistas, sem
dinheiro, sem classes sociais, sem leis. Aos poucos a sociedade dos
despojados começa a utilizar princípios comunistas e capitalistas.
O termo "despojado", neste caso, adequa-se à terminologia.
Finalmente,
qual o verdadeiro significado do termo "despojado"? Vamos
ao latim clássico, "spoliare", em português vulgar, virou
"esfolar", extrair as tripas. Daí, o sentido figurado,
"roubar", e, em português erudito, "espoliar. Por
fim, o sentido cristão de "tirar de si e oferecer",
"simples", "desambicioso", "enxuto",
"informal". Nos evangelhos, Jesus ensina o despojamento da
vaidade, do sentar-se nos primeiros lugares, do exibir-se em prejuízo
dos mais humildes e excluídos. Despojar-se da soberba nos banquetes
e ceias, de exigir lava-pés da submissão. Despojar-se de avançar
no cônjuge alheio. "Nisto conhecerão que sois meus
discípulos."
A verdadeira liderança se conquista com o exercício do
despojamento, através da generosidade, espírito público, ética,
transparência. Na hora da eleição, é o candidato mais lembrado.
Toda espiritualidade, especialmente cristã, ensina a se despojar do
excessivo apego ao material. A comunidade agradece e venera. Louvável
exemplo, Papa Francisco, conquista cristãos e não cristãos.
Políticos
por aí posam de despojados, abraçando povo humilde, rezando
fervorosos, comendo panelada com os pobres. Que despojamento?
Esfolando o alheio e a própria consciência? Portanto, não colar a
palavra em produto de fantasia comercial, em desfavor da pureza e do
exercício cristão.
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