Escritor Monteiro Lobato |
Jacob Fortes
Ainda tocado pelo efeito duradouro do clima Natalino, circunstância
natural quando se trata da celebração da data máxima da
cristandade, sou instado a lembrar, sobretudo aos que foram
agraciados com leitos emplumados, acerca da importância de serem
doados às pessoas mais desamparadas de recursos, mormente estudantes
pobres, os missionários que, na inatividade, repousam ociosos no vão
das estantes: os livros.
Pobre também ler. Exemplificativamente, vejamos. Apesar da ventura
de ter tido uma infância pródiga em honra — oferta de um casal
apedeuto, de sertanejos, que agia sob o imperativo da retidão —
desventuradamente o destino flagelou o período juvenil do estudante
Adalberto com uma pobreza de invejar qualquer monge franciscano.
Naqueles distantes tempos juvenis regados à escassez, Adalberto
vivia a pedir aos ricos: cadernos, lápis, borrachas e livros, porém,
escondidos atrás das suas indiferenças, eles não o viam, nem
ouviam. Apesar de tudo Adalberto sagrou-se vitorioso pelo caminho do
estudo. Pobreza não é circunstância impeditiva à leitura, pelo
menos nos tempos em que a internet, o celular e a televisão não
tinham primazia sobre a leitura; não tinham o poder de declarar
interdita a prática desse mister.
A presente exaltação aos missionários não a faço por mero
diletantismo, mas no apego à convicção de que milhares de pessoas
podem ser salvas por eles, talqualmente Adalberto. Esses abnegados
missionários têm o condão de informar, transformar, maravilhar,
reflexionar, sanear motivações enfermadas, amolgar corações
empedernidos, amansar a incivilidade, ensinar a escrever e outros
benefícios incontáveis. Por aplicação analógica esses
missionários são como as abelhas: durante o seu trajeto elas vão
espalhando por sobre os ovários das flores os grãos de pólen que
carregam nas suas corbículas, realizando, desse modo, a polinização
responsável pela fecundação de frutos e, consequentemente, das
árvores.
Gostaria que esses abnegados pudessem missionar no País inteiro, rua
acima grotão abaixo, mas entre o ideal e a infactível quadratura do
círculo, melhor que me contente apenas em exaltá-los para que, ao
menos, sirva de refrigério ao meu ideário, atenda a uma realização
sonhada.
A esses missionários todo me devotei e ainda dedicarei todo o meu
devotamento para que o desábito à leitura não prospere. Agradeço
a eles as horas de boa leitura muitas das quais se prestaram, também,
a lenir melancolias e até mesmo distrair o choro do bucho quando a
algibeira, desfalcada de haveres, não podia aprovisioná-lo do
essencial, sequer uma mamadeira de guaraná. Apesar do injusto labéu
de serem portadores de deficiência (cegos, mudos e surdos), asseguro
que enxergam quando alguém lhes apalpa, febril do prazer da
descoberta; falam quando precisam dissipar a dúvida; ouvem quando
precisam exercer ação terapêutica sobre a ignorância.
Em favor desses prestimosos amigos, tão singelos quanto às
crianças, transcrevo as palavras de um amigo ainda mais fervoroso,
Monteiro Lobato:
“Um país se faz com homens e livros”.
“Entre os mais humildes comércios do mundo está o do
livreiro. Embora sua mercadoria seja a base da civilização, pois
que é nela que se fixa a experiência humana, o livro não interessa
ao nosso estômago nem a nossa vaidade. Não é, portanto,
compulsoriamente adquirido. O pão diz ao homem: ou me compras ou
morres de fome. O batom diz à mulher: ou me compras ou te acharão
feia. E ambos são ouvidos. Mas se o livro alega que sem ele a
ignorância se perpetua, os ignorantes dão de ombros porque é
próprio da ignorância sentir-se feliz em si mesma, como o porco com
a lama. E, pois o livreiro vende o artigo mais difícil de vender-se.
Qualquer outro lhe daria maiores lucros; ele o sabe e heroicamente
permanece livreiro. E é graças a esta generosa abnegação que a
árvore da cultura vai aos poucos aprofundando as suas raízes e
dilatando a sua fronde. Suprimam-se o livreiro e estará morto o
livro. Com a morte do livro retrocederemos à idade da pedra,
transfeitos em tapuias comedores de bichos de pau podre. A
civilização vê no livreiro o abnegado zelador da lâmpada em que
arde, perpetua, a trêmula chamazinha da cultura”.”
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