Roleta
Russa
Elmar Carvalho
Emotivo,
sensibilidade à flor da pele, a tristeza foi se infiltrando em sua
alma como um veneno, de forma lenta mas inexorável, e sempre em
contínuo crescimento. Não via sentido na vida. Nascer, crescer e
viver para morrer, num curto espaço de tempo ante a eternidade. Já
não tinha vontade para nada, nem mesmo para trabalhar. Passava o dia
quase todo recluso em seu quarto. Representante comercial, já não
visitava os clientes. Com isso as vendas diminuíram até cessar de
todo, e ele perdeu a representação.
Ante
a sua inércia, negligência e desinteresse por tudo, a sua namorada
rompeu o relacionamento. Isso aumentou a tristeza de Abelardo, a
ponto de ser considerado um deprimido. A doença o impulsionava para
o isolamento de sua quitinete, e a solidão retroalimentava a sua
melancolia em perfeito círculo vicioso. Imerso em sombrios
pensamentos, dedilhava o violão, em acordes dissonantes e
aleatórios, sem harmonia e sem melodia. Nunca tivera talento para a
música, mas encarava as suas batidas como improvisos de jazz. Tocava
apenas para si mesmo, sem nenhuma outra pretensão.
Bebia
apenas nos finais de semana; socialmente, como classificava suas
bebedeiras. Mas com a progressão de sua mórbida tristeza, passou a
beber quase todo dia. Tinha ressacas violentas, que mais lhe
agravavam a depressão. Não eram apenas desconfortos físicos, mas
ressacas morais, espirituais, que o abismavam em incomensurável
desânimo e tristeza. Muitas vezes, misturava a ingestão de álcool
com o uso de outras drogas. Ouvia boleros tristíssimos, deprimentes,
que mais ainda devastavam sua alma.
Os
seus vizinhos de condomínio, em certa madrugada friorenta, ouviram
um forte estampido quebrar o silêncio da noite morta. Sabiam que ele
vivia sozinho, e que estava depressivo. Como não notasse nenhum
movimento ou barulho na quitinete, um dos vizinhos, por volta das
onze horas, resolveu tocar a campainha. Como ninguém respondesse,
após muita insistência, perguntou à portaria se ele deixara o
condomínio. Ante a resposta negativa, em deliberação com o síndico
e outros moradores, tomou a iniciativa de arrombar a porta.
Abelardo
jazia morto, recostado na poltrona. Um filete de sangue coagulado
manchava sua têmpora direita, onde a bala entrara. Jogara roleta
russa. Com o tambor cheio de balas. A roleta seria a remota
probabilidade de a arma “bater catolé”. Não deixou carta de
suicida. E nenhuma outra forma de explicação. A vida lhe fora
pesada. Que a terra lhe seja leve.
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