quinta-feira, 20 de março de 2014

Roleta Russa


Roleta Russa

Elmar Carvalho

Emotivo, sensibilidade à flor da pele, a tristeza foi se infiltrando em sua alma como um veneno, de forma lenta mas inexorável, e sempre em contínuo crescimento. Não via sentido na vida. Nascer, crescer e viver para morrer, num curto espaço de tempo ante a eternidade. Já não tinha vontade para nada, nem mesmo para trabalhar. Passava o dia quase todo recluso em seu quarto. Representante comercial, já não visitava os clientes. Com isso as vendas diminuíram até cessar de todo, e ele perdeu a representação.

Ante a sua inércia, negligência e desinteresse por tudo, a sua namorada rompeu o relacionamento. Isso aumentou a tristeza de Abelardo, a ponto de ser considerado um deprimido. A doença o impulsionava para o isolamento de sua quitinete, e a solidão retroalimentava a sua melancolia em perfeito círculo vicioso. Imerso em sombrios pensamentos, dedilhava o violão, em acordes dissonantes e aleatórios, sem harmonia e sem melodia. Nunca tivera talento para a música, mas encarava as suas batidas como improvisos de jazz. Tocava apenas para si mesmo, sem nenhuma outra pretensão.

Bebia apenas nos finais de semana; socialmente, como classificava suas bebedeiras. Mas com a progressão de sua mórbida tristeza, passou a beber quase todo dia. Tinha ressacas violentas, que mais lhe agravavam a depressão. Não eram apenas desconfortos físicos, mas ressacas morais, espirituais, que o abismavam em incomensurável desânimo e tristeza. Muitas vezes, misturava a ingestão de álcool com o uso de outras drogas. Ouvia boleros tristíssimos, deprimentes, que mais ainda devastavam sua alma.

Os seus vizinhos de condomínio, em certa madrugada friorenta, ouviram um forte estampido quebrar o silêncio da noite morta. Sabiam que ele vivia sozinho, e que estava depressivo. Como não notasse nenhum movimento ou barulho na quitinete, um dos vizinhos, por volta das onze horas, resolveu tocar a campainha. Como ninguém respondesse, após muita insistência, perguntou à portaria se ele deixara o condomínio. Ante a resposta negativa, em deliberação com o síndico e outros moradores, tomou a iniciativa de arrombar a porta.   

Abelardo jazia morto, recostado na poltrona. Um filete de sangue coagulado manchava sua têmpora direita, onde a bala entrara. Jogara roleta russa. Com o tambor cheio de balas. A roleta seria a remota probabilidade de a arma “bater catolé”. Não deixou carta de suicida. E nenhuma outra forma de explicação. A vida lhe fora pesada. Que a terra lhe seja leve.     

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