“DUAS METADES IGUAIS”
Jacob Fortes
Intencionalmente invoquei esse pleonasmo para dar mais
robustez ao meu pensamento: “duas metades iguais” só têm a mesma exatidão, a
mesma equivalência, perante os rigores incontestáveis da matemática. Salvante
isso, “duas metades iguais” podem perfeitamente apresentar desigualdade: no
formato, na consistência, no plano tintorial, na palatabilidade, no odor, etc.
No sufrágio de 26 de outubro de 2014 a Presidente Dilma
sagrou-se reeleita, 51,59%, enquanto o seu concorrente, Aécio Neves, obteve
48,41% dos votos válidos. Esse escore exprime legitimidade; brilho, não.
Obviamente, sob a rigidez da aritmética, esses percentuais não retratam “duas
metades iguais”, mas, se tomado por empréstimo a terminologia das pesquisas,
“empate técnico”, esse placar abona dizer que o resultado da eleição traduz,
sim, “duas metades iguais”. Apenas uma delas discorda quanto ao eleito, mas
discordar não quer dizer detratar. Afinal, é no embate, sem esgrima, entre o
consenso e o dissenso que se asila a liberdade de regime.
Não faz muito tempo, junho de 2013, sucessivas turbas de
brasileiros — poucas em serenidade, muitas sob o furor de ação turbulenta,
outras à gandaia, outras ainda sem se dar a conhecer — se aventuraram pelas
ruas das metrópoles pleiteando mudanças, melhores serviços públicos e o fim da
corrupção. O pleito requerido em via
pública foi ratificado nas urnas, 48,41%, desta feita de modo ordeiro, por um
civismo sem-par.
Ainda que impossível obter-se a unanimidade do conjunto das
opiniões, pô-las inteiramente em concórdia, de bom alvitre seria que a
reeleita, em prol da boa ordem nacional, adotasse medidas que visem amortecer
os ânimos, desfazer a dicotomia e, principalmente, atender aos reclamos
brasileiros, nomeadamente os que foram realçados de modo sequioso durante as exigências
tumultuárias das ruas.
Em vez de contrariar-se com a banda votiva adversa à que
ainda se enleva com a vitória, salutar seria que a reeleita pudesse (sofreando
as diferenças e em jejum de vaidade) sair de si e, com moderação sacerdotal,
aprestar-se ao congraçamento do País, agremiar o todo demográfico. Todavia, não
parece crível que tal desiderato possa ser alcançado apenas por meio de
homilias, que vão ao vento, acerca de promissões governamentais, mas com ações
concretas; pressurosas, de preferência.
Para ver-se auspicioso em seu leme o timoneiro de uma
embarcação, ainda mais se titânica for, não olvida o ensinamento histórico de
que antes de levantar âncora é preciso aquilatar o nível de harmonia da sua
legião de passageiros.
A pátria será tanto mais mal aviada quanto mais atiçadas
forem as chamas que tenham por objetivo convulsar a sua gente; contendê-la.
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