FUMAÇA DE SEGUNDA-MÃO
Jacob Fortes
Avesso à catequização de consciências teimosas, não irei me
arrojar na tarefa de dissuadir os fumantes das suas práticas tabagistas.
Quaisquer arguições que lhes vierem, fundamentadas, para que deixem de fazer o
errado, lhes soariam apenas como cantilenas fastidiosas. Também não irei
extenuar-me em preocupações com as suas saúdes; ofereço-lhes apenas o que posso
oferecer: o meu exemplo de não fumante. Sabedores, muitíssimo, acerca dos
malefícios provenientes dessa prática, deixemos-lhos sossegados, entregues
penitentemente à malignidade deliciosa das baforadas dos seus cigarros.
O ato de fumar, banal para os fumantes, é terrivelmente
nocivo à vizinhança porque envenena o ar que outras pessoas respiram. O
fascínio pelo cigarro acomete os cigarristas de uma espécie de ablepsia que os
impede de enxergar os efeitos da fumaça sobre os arredores; pessoas e objetos
impregnados da fumaça malcheirosa da sua minipistola de pulverizar veneno. O
fazem com a passividade semelhante aos que, igualmente insensíveis, sujam a
água do rio mesmo sabendo que logo abaixo existe alguém sedento; uma criança ou
um cordeiro: — “por que turvas a água que eu bebo?” A passividade que pulveriza
veneno em si e nos vizinhos igualmente é capaz de sujar, no trecho a montante,
a água do córrego que, no trecho a jusante, será bebida por outros filhos de
Deus.
Se não é possível fazê-los abdicar desse ofício malevolente,
abandonar o tabagismo, ao menos que os circunstantes, candidatos ao posto de
fumantes passivos, recusem inalar a perniciosa fumaça de segunda-mão. A ordem é
não inalar o fumacê; debelá-lo no nascedouro ou fugir. Ao primeiro clarão que
aflorar à boca fumarenta, faça como as estrelas: que fogem ao romper da aurora.
Mais que “sem noção”, como são habitualmente rotulados, os
fumantes são egoístas desleixados; insensíveis aos direitos de outrem. A opção
consciente e devotada do fumante pelo seu vício, uma espécie de servidão
consentida, retrata bem os oximoros: “lúcida loucura”, “doce veneno” e “mendigo
farto”.
Se os fumantes não cuidam dos seus próprios corpos nada resta
aos não fumantes fazer, senão velar pelas suas almas. Que Deus os haja!
No entanto, evidências apontam um futuro esperançoso. Os
fumantes de hoje — dolorosamente contrastando com o esforço de qualidade de
vida atual — estarão amanhã reduzidos a espécimes raros e exóticos da fauna
humana.
Mas o escrevinhador que admoesta é o mesmo que espera em
Deus, (porque não consta que tenha o diabo nenhum poder), que este modesto
texto tenha a serventia de fazer ao menos um fumante abjurar do seu deleitável
vício: tão confortante (porque afaga), quanto nefasto (porque condena). Ao
renunciar ao vício haverá de pensar: “no texto impreciso de um escriba
encontrei o meu melhor presente de Natal. Desvencilhei-me da fumaça espiralada
que me enleava e me comprimia feito uma sucuri; resgatei minha respiração,
minha consciência, meu convívio social pleno, minha carta de alforria.”.
Mais um a recusar a fumaça de segunda-mão!
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