quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

CAPTORES DE CANÁRIOS


CAPTORES DE CANÁRIOS

Jacob Fortes

A Fazenda Triunfo, sopé da montanha, era uma vivenda aprazível não apenas por suas várzeas complanadas, abundantes em carnaúbas de copa densa, mas pelas melodias que emanavam das suas frondes. Eram os canários da terra, gregários, que, na vida alegre dos campos, viviam ali despreocupadamente. Centenas deles, animados pelo número, concertavam gorjeios durante toda a luz natural. Seus cânticos eram, a bem dizer, hinos consagrados a Deus ou, sabe-se lá, para celebrar as suas liberdades ou, ainda, reafirmar a angelitude das suas figuras dulcíssimas. Essa paisagem remonta aos tempos em que contos de fada impressionavam as mentes infantis. Ainda ouço as suas canções, terapêuticas, antisoledade.

Numa certa manhã limpa de sol erguido, os enxadeiros suavam no eito em prol da limpeza de um talhão de leguminosa: consórcio de milho e feijão. Durante uma pausa na labuta — para atiçar o fogo e ferver um café ao abrigo de um Angelim — um deles, o corcunda, ouviu rumores vindos do tabuleiro; ataviado de carnaúbas.  Juntos, e cheios de resguardos puseram-se em marcha. Não tardaram a distinguir dois forasteiros de meia idade: um branquelo, cabeça escalvada; o outro moreno, cabeleira a Castro Alves. Eram captores de canários que, arteiramente, aprestavam-se à tarefa de armar os alçapões com que pretendiam capturar as aves canoras.

Surpreendidos que foram pelos rurícolas, os captores desandaram a correr por rumos desfrequentados deixando as armadilhas que foram facheadas depois de postos em liberdade os desventurados “chamas”; que se prestavam, inconscientes, ao papel de atrair os seus iguais para destino fatídico. Ninguém lhes soube os nomes.

E no escoar dos anos: a inconsciência cresceu; a impunidade se estabeleceu; o tráfico de mortalha recrudesceu e o canário desapareceu. Na Fazenda Triunfo, em estado de apagamento e obscuridade, já não triunfa a glória dos cantadores; finou-se o som festivo das figurinhas queridas. Restou no lugarejo — assaz desnudado e adornado com ossadas que retratam a seca e a fome — a figura desengonçada e insossa do anum rabo de palha, produto inservível à mercancia do tráfico odioso.

Em mim, tatuada por dentro, a lembrança saudosa daqueles cancioneiros alados, que os mantenho presos, porém distantes das gaiolas, que as deploro, que me inspiram a escaramuçar disfarçado de zorro para encontrá-las e libertar os delicados menestréis a quem escutava e contemplava com aquela admiração do meu tempo de menino. Eles são minhas mascotes prediletas; significam mais do que valem!

Ao dar por terminada a tarefa que me impus de enunciar o episódio dos captores de canários, reproduzo parcialmente o soneto do poeta, Padre Antônio Tomás, com que exprimiu o seu compadecimento aos canários engaiolados:

“Por mãos cruéis um dia arrebatados
Aos vossos brandos, delicados ninhos,
Viveis cantando, ó meigos passarinhos,
Nestas tristes prisões, encarcerados.
....................................................................
Eu sinto ao escutar vossos lamentos,
Minhas horas de tédio e dissabores
Converterem-se em rápidos momentos.
Cantai, cantai, formosos trovadores;
Enquanto relatais vossos tormentos
Eu me esquecendo vou das minhas dores”     

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