CAPTORES DE CANÁRIOS
Jacob Fortes
A Fazenda Triunfo, sopé da montanha, era uma vivenda
aprazível não apenas por suas várzeas complanadas, abundantes em carnaúbas de
copa densa, mas pelas melodias que emanavam das suas frondes. Eram os canários
da terra, gregários, que, na vida alegre dos campos, viviam ali
despreocupadamente. Centenas deles, animados pelo número, concertavam gorjeios
durante toda a luz natural. Seus cânticos eram, a bem dizer, hinos consagrados
a Deus ou, sabe-se lá, para celebrar as suas liberdades ou, ainda, reafirmar a
angelitude das suas figuras dulcíssimas. Essa paisagem remonta aos tempos em
que contos de fada impressionavam as mentes infantis. Ainda ouço as suas
canções, terapêuticas, antisoledade.
Numa certa manhã limpa de sol erguido, os enxadeiros suavam
no eito em prol da limpeza de um talhão de leguminosa: consórcio de milho e
feijão. Durante uma pausa na labuta — para atiçar o fogo e ferver um café ao
abrigo de um Angelim — um deles, o corcunda, ouviu rumores vindos do tabuleiro;
ataviado de carnaúbas. Juntos, e cheios
de resguardos puseram-se em marcha. Não tardaram a distinguir dois forasteiros
de meia idade: um branquelo, cabeça escalvada; o outro moreno, cabeleira a
Castro Alves. Eram captores de canários que, arteiramente, aprestavam-se à
tarefa de armar os alçapões com que pretendiam capturar as aves canoras.
Surpreendidos que foram pelos rurícolas, os captores
desandaram a correr por rumos desfrequentados deixando as armadilhas que foram
facheadas depois de postos em liberdade os desventurados “chamas”; que se
prestavam, inconscientes, ao papel de atrair os seus iguais para destino
fatídico. Ninguém lhes soube os nomes.
E no escoar dos anos: a inconsciência cresceu; a impunidade
se estabeleceu; o tráfico de mortalha recrudesceu e o canário desapareceu. Na Fazenda
Triunfo, em estado de apagamento e obscuridade, já não triunfa a glória dos
cantadores; finou-se o som festivo das figurinhas queridas. Restou no lugarejo
— assaz desnudado e adornado com ossadas que retratam a seca e a fome — a
figura desengonçada e insossa do anum rabo de palha, produto inservível à
mercancia do tráfico odioso.
Em mim, tatuada por dentro, a lembrança saudosa daqueles
cancioneiros alados, que os mantenho presos, porém distantes das gaiolas, que
as deploro, que me inspiram a escaramuçar disfarçado de zorro para encontrá-las
e libertar os delicados menestréis a quem escutava e contemplava com aquela
admiração do meu tempo de menino. Eles são minhas mascotes prediletas;
significam mais do que valem!
Ao dar por terminada a tarefa que me impus de enunciar o
episódio dos captores de canários, reproduzo parcialmente o soneto do poeta,
Padre Antônio Tomás, com que exprimiu o seu compadecimento aos canários
engaiolados:
“Por mãos cruéis um dia arrebatados
Aos vossos brandos, delicados ninhos,
Viveis cantando, ó meigos passarinhos,
Nestas tristes prisões, encarcerados.
....................................................................
Eu sinto ao escutar vossos lamentos,
Minhas horas de tédio e dissabores
Converterem-se em rápidos momentos.
Cantai, cantai, formosos trovadores;
Enquanto relatais vossos tormentos
Eu me esquecendo vou das minhas dores”
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