A triste realidade de agora |
5 de fevereiro Diário Incontínuo
LAGOA DO PORTINHO
– UMA MORTE ANUNCIADA
Elmar Carvalho
A partir de
2010, quando a degradação da Lagoa do Portinho se fez notar de forma mais
acentuada, os mais atentos e antenados puderam compreender que, se o Poder
Público não adotasse medidas sérias em prol de sua preservação, essa laguna
seria inexoravelmente extinta, o que é muito lamentável em razão de sua beleza
ímpar.
Não há, a meu
ver, que se falar em seca; secas sempre existiram, e a lagoa sempre se manteve
na plenitude de sua beleza, alimentada pelo rio Portinho, que lhe dava a água e
lhe deu o nome. O certo é que as providências nunca foram tomadas e hoje ela se
encontra praticamente morta, com os bancos de areia expostos, ao longo de sua
bacia.
Pelo que tenho
lido e ouvido e observado, creio que a causa de sua decadência foi a degradação
do rio Portinho, que lhe deu origem. Esse rio sofreu, certamente, ao longo de
toda a sua extensão, problemas causados por desmatamento, queimadas, barramento
e retiradas d’água, seja para fins agropastoris, seja para criatórios de camarão,
além de outros malefícios, provocados pelo ser humano. É possível que as suas
nascentes também tenham sofrido algum prejuízo pela ação humana. O fato é que a
degradação desse curso d’água provocou a da lagoa. Dizem os entendidos que ela
era mais bela, em sua plenitude, que a do Abaeté, tão enaltecida pelos poetas e
compositores baianos.
Eu a conheci
quando ela ainda se encontrava no auge de sua beleza, quase selvagem, quase
intocada. Foi amor à primeira vista. Encantei-me com a sua magnífica formosura.
E a cantei em meus versos, pelo menos em dois poemas antigos, escritos há
aproximadamente três décadas. Eu os escrevi sob o impacto do esplendor de sua
paisagem mágica, encantada.
Em 1981 ou 1982,
com sua paisagem ainda exuberante, e ainda se mantendo como um notável
santuário ecológico, nela comemorei minha aprovação para o cargo de fiscal da
extinta Sunab. A Fátima, então minha namorada, me deu um carneiro e o Canindé
Correia patrocinou uma caixa de cerveja, de sorte que praticamos essa festiva
libação à beira dessa "lagoa de águas plúmbeas", como gostava de dizer o
jornalista Rubem Freitas, sob um de seus copados cajueiros. Estavam presentes
alguns amigos, a maioria ligada ao jornal Inovação.
A primeira vez
que a vi foi em 1978 ou 79. Tinha ido à praia de Atalaia, que gostaria de
chamar de Amarração, de amar, amarrar, atracação e ação, ação também de amar.
No retorno, o Reginaldo Costa resolveu seguir para a Lagoa do Portinho, e eu o acompanhei
em minha motocicleta. Deslumbrei-me com o fascínio do lugar.
Na época, só
existiam, salvo engano, duas rústicas churrascarias. Uma verdadeira floresta de
cajueiros lhe ornava grande parte da orla. Do lado oposto, ao longe, as dunas
se erguiam, majestosas e magníficas. Nessa época, poucas pessoas possuíam
veículos, e não havia linha de ônibus com destino à lagoa, de modo que
relativamente poucos parnaibanos e turistas a conheciam.
Ainda no final
dos anos 1970, eu, Bernardo Silva, Paulo de Athayde Couto, Rosângela Santos e
outra pessoa, cujo nome não recordo, fomos fazer uma espécie de piquenique à beira
da lagoa. Seguimos por uma trilha, que acompanhava a sua margem, por entre os
frondosos cajueiros, então abundantes, até alcançarmos as dunas mais altas.
Ninguém nos incomodou, mas logo retornamos, expulsos por um festival de
mosquitos, que estavam insuportáveis e sanguinários.
A partir de
então, com relativa assiduidade, quando eu voltava do mar, ia “retirar o sal”
nessa lagoa. Numa das vezes em que lá estive, no final dos anos 70, a natureza
foi deslumbrantemente caprichosa. Quando cheguei o sol brilhava como nunca, mas
de repente, muito mais que de repente, o céu se fez nublado, e uma chuva fina,
mansa, começou a cair. Logo depois o chuvisco cessou, e o sol voltou ao seu
esplendor ainda com mais intensidade. De repente era calor, repentinamente houve
frio.
As dunas e as
águas da lagoa acompanharam essas mudanças de temperatura e luz. Tomaram
diferentes tonalidades, e ora reverberavam ao sol intenso, ora se mantinham
discretas, como se estivessem em penumbra. Para maior encantamento, estava na
churrascaria uma bela jovem “de sinuosas dunas e viagens”; os seus cintilantes olhos
claros, não sei se verdes ou azuis, “furta-cores furtaram / outros tons e
sobretons”, como expressei no meu velho poema Mulher na Lagoa do Portinho. Os
relevos, entrâncias e reentrâncias, enseadas e istmos da moça pareciam
projeções das dunas da lagoa, ou as dunas é que seriam projeções da ninfa, já
não sei ao certo. O certo é que foi uma tarde encantada.
Em outro poema,
também antigo, justamente intitulado Lagoa do Portinho, em versos emotivos e
sentimentais, tentei exaltar, com ênfase, mas com a verdade, toda a beleza,
toda a magia, todo o feitiço desse extraordinário patrimônio natural. Agora,
pranteio a sua (quase) morte, e como Raquel, no texto bíblico, sem aceitar
consolação, porque a lagoa já (quase) não existe.
P. s.: Acrescento ao meu texto o excelente comentário do professor Cunha e Silva Filho:
“Leio, com um sentimento de indignação que, hoje, é tão comum a uma grande parte dos brasileiros, o seu portentoso texto memorialístico, um dos que mais me encantaram nas minhas muitas incursões pela sua poesia.
Vejo que ele, com certeza fará parte de seu livro prometido livro "Diário incontínuo'.
Me surpreende um fato curioso e digno de atenção: os poetas protestam contra as injustiças do mundo, em poesia ou prosa, diferentemente dos jornalistas, ensaístas e críticos. Onde haveria uma expressão duramente empregada, encontramos uma manifestação indignada mas não raivosa, não panfletária.
Julgo que essa forma de protesto contra os desmandos dos homens , do s governos, dos políticos é algo inerente a quem cultiva a poesia. Assim o fez Carlos Drummond de Andrade, assim o fizeram outros poetas brasileiros, inclusive H. Dobal.
E V., Elmar, escreve, com firmeza mesclada de suavidade, esta crônica-memória de denúncia, de desassossego diante da impotência que os escritores sempre e de certa maneira tiveram ao defenderem tantas causas públicas, em tantas questões da vida social, ecológica, ética, política, histórica, de injustiças sociais.
Creio que essa é a forma em que os poetas mais poderosamente podem exprimir sua insatisfação contra os erros humanos sempre tão recorrentes.
Ao descrever e ao relatar fatos memoráveis que lhe ficaram na memória para sempre, V. está justificando as razões do descaso público e privado que levaram a esta situação imperdoável de quase "falecimento" da Lagoa do Portinho.
Se a sua crônica é cheia de exaltações sobre a Lagoa, se ela capta os pontos mais aprazíveis e encantadores que possui é porque o poeta subliminarmente está bradando contra a morte desse recanto deslumbrante da natureza de Parnaíba, dádiva divina ao Piauí e ao país.
Drummond nunca ficou sereno com o que fizeram com Sete Quedas, nem tampouco V. o ficará com a morte da Lagoa do Portinho. Nem V. nem outros piauienses, nem os brasileiros em geral que preservam a natureza brasileira.
Se o seu grito de desespero se oculta pela contemplação da paisagem vista tantas vezes e que ficou para sempre nos escrínios da memória física e lírica de seu mundo artístico interior é porque a sua indignação, como poeta e como brasileiro é algo que não se pode silenciar. Nem isso tampouco é da natureza dos poetas.
Cunha e Silva Filho"
Belo texto, um grito de socorro recheado de saudade.O poeta deve está sentido mais do que todos os outros, tal o seu acúmulo de sentimentos. Acredito que a paciente está em estado vexaminoso, mais ainda pode ser salva. A ação dos homens públicos é que não nos deixa com muitas esperanças, a tomarmos como parâmetro o que já fizeram no passado.
ResponderExcluirPrezado Elmar,
ResponderExcluirParabéns pela matéria veiculada em seu blog, que acabei de ler, abordando nossa querida Lagoa do Portinho.
Viajei no tempo, junto com sua narrativa, pelas dunas daquele paradisíaco lugar.
Abraços,
Ben-Hur
Prezados Dr. José Pedro e Ben-Hur,
ResponderExcluirObrigado por suas palavras de solidariedade.
Para mim é muito triste ter conhecido a Lagoa do Portinho no apogeu de sua beleza, no final dos anos 70, e vê-la agora quase extinta, pela falta de compromisso de nossos governantes para com o nosso patrimônio natural.
Abraço,
Elmar
Leio, com um sentimento de indignação que, hoje, é tão comum a uma grande parte dos brasileiros, o seu portentoso texto memorialístico, um dos que mais me encantaram nas minhas muitas incursões pela sua poesia.
ResponderExcluirVejo que ele, com certeza fará parte de seu livro prometido livro "Diário incontínuo'.
Me surpreende um fato curioso e digno de atenção: os poetas protestam contra as injustiças do mundo,, em poesia ou prosa, diferentemente dos jornalistas, ensaístas e críticos. Onde haveria uma expressão duramente empregada, encontramos uma manifestação indignada mas não raivosa, não panfletária.
Julgo que essa forma de protesto contra os desmandos dos homens , do s governos, dos políticos é algo inerente a quem cultiva a poesia. Assim o fez Carlos Drummond de Andrade, assim o fizeram outros poetas brasileiros, inclusive H. Dobal.
E V., Elmar, escreve, com firmeza mesclada de suavidade, esta crônica-memória de denúncia, de desassossego diante da impotência que os escritores sempre e de certa maneira tiveram ao defenderem tantas causas públicas, em tantas questões da vida social, ecológica, ética, política, histórica, de injustiças sociais.
Creio que essa é a forma em que os poetas mais poderosamente podem exprimir sua insatisfação contra os erros humanos sempre tão recorrentes.
Ao descrever e ao relatar fatos memoráveis que lhe ficaram na memória para sempre, V. está justificando as razões do descaso público e privado que levaram a esta situação imperdoável de quase "falecimento" da Lagoa do Portinho.
Se a sua crônica é cheia de de exaltações sobre a Lagoa, se ela capta os pontos mais aprazíveis e encantadores que possui é porque o poeta subliminarrmente está bradando contra a morte desse recanto deslumbrante da natureza de Parnaíba, dádiva divina ao Piauí e ao país.
Drummond nunca ficou sereno com o que fizeram com Sete Quedas, nem tampouco V. o ficará com a morte da Lagoa do Portinho. Nem V. nem outros piauienses, nem os brasileiros em geral que preservam a natureza brasileira.
Se o seu grito de desespero se oculta pela contemplação da paisagem vista tantas vezes e que ficou para sempre nos escrínios da memória física e lírica de seu mundo artístico interior é porque a sua indignação, como poeta e como brasileiro é algo que não se pode silenciar. Nem isso tampouco é da natureza dos poetas.
Cunha e Silva Filho
Caro Cunha,
ResponderExcluirSem dúvida esse texto sobre a Lagoa do Portinho é integrante do livro Diário Incontínuo, que pretendo publicar em 2016, como comemoração dos meus 60 anos de idade que então farei.
Você, como sempre, foi muito percuciente e pertinente em suas observações e análises.
Abraço,
Elmar
Lamentável!O senhor já tentou divulgar na mídia a situação da lagoa?
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