2 de abril
ALGUMAS OBSERVAÇÕES
SOBRE O POEMA AMOR CONCRETO
Elmar Carvalho
No velório do poeta
Hardi Filho, com quem estreitei laços de amizade, desde 1982, quando fixei
residência em Teresina, encontrei o professor José Maria Vasconcelos e o poeta
Rubervam Du Nascimento, além de outros amigos e conhecidos. Na breve palestra
que entretivemos, José Maria nos solicitou, a mim e ao vate Rubervam, que lhe
mandássemos um texto, contendo comentários sobre poema de nossa autoria.
Já há algum tempo o
mestre pediu a vários poetas que escrevessem uma análise sobre seus próprios
textos. Esse material seria publicado inicialmente em jornal, e depois, talvez,
em livro. Vários colegas atenderam a essa proposta, que me foi formulada por
e-mail. Vinha me esquivando desse espinhoso mister, mas, “peitado” pessoalmente
pelo ilustre professor, prometi cumprir esse desafio.
O grande poeta Manuel
Bandeira, em Itinerário de Pasárgada, uma espécie de memórias ou testamento de
sua poemática, falou sobre a gênese de alguns de seus poemas. Em alguns poucos
textos avulsos andei escarafunchando o meu fazer literário, inclusive nesta
cronologia diarística. Dessa forma, para atender ao pedido do erudito e castiço
José Maria Vasconcelos, lhe enviei o seguinte e-mail:
“Atendendo ao seu
pedido, segue no anexo o meu texto sobre o meu poema Amor concreto. É
imprescindível, para compreensão do leitor, que o poema seja publicado sem
mudança em seu aspecto visual. Por isso, talvez seja melhor que ele seja
publicado como imagem (fotografia ou escaneado), para que não sofra alteração, e
assim minhas explicações não percam o sentido. Espero que as minhas explicações
(em prosa) não tenham algum grave escorregão. Se tiver, peço que corrija.” Eis
o poema e o texto contidos no anexo:
“AMOR CONCRETO
no vór-
ti-
ce voraz
dos abrasados amantes
abraçados
o amor se faz
in-tenso e tenaz
no êmbolo inserido no
ver tiginoso
vér ti
ce
inver tido
Inicialmente, veja o leitor que o sintético poema tem feição
discursiva e ao mesmo tempo concretista, com o aspecto visual formando um
verdadeiro carmen figuratum. O próprio título remete ao amor físico, carnal, e
à vertente concretista da poesia brasileira – o concretismo. Penso que se trata
de um poema criativo, e que não deve ser lido e interpretado com pruridos de
falso e ultrapassado moralismo.
As três primeiras linhas (versos) figuram a movimentação de
um vórtice e ao mesmo tempo desenham um triângulo, que é a simbolização mais
simples da genitália feminina. Além disso, formam a aliteração da sílaba vo.
No verso seguinte (quarto) note-se a aliteração e as coliterações
na letra a, com tonicidade nessa letra, além da ardente metáfora em relação aos
amantes. Atente-se para o fato de que os vocábulos abrasados e abraçados são
quase homógrafos e homófonos.
Observe-se a rima no quinto e no sexto versos. A seguir, vem
a metáfora do amor físico ou carnal, representado pelo êmbolo e seu movimento
de pistão, em seu sobe e desce ou vai e vem, conforme a posição seja vertical
ou horizontal.
A grafia in-tenso provoca a polissemia ou
plurissignificação, mostrando que o amor é intenso e é tenso ao mesmo tempo.
Tenso também porque se trata mais de paixão, que propriamente de amor (este num
sentido mais espiritualizado, e não de gozo físico).
Os quatro versos finais, tal como estão dispostos, formam a
imagem de quatro triângulos, com isso representando diferentes posições
sexuais: para um lado, para o outro, para cima, para baixo e de ponta-cabeça
até. Também formam a abertura do canal vaginal e o clitóris, que vem a ser a
sílaba ce, colocada no vestíbulo ou no pórtico de entrada ou arco triunfal do
aparelho genital da mulher.
Por fim, a metáfora contida nesses últimos quatro versos é,
a meu ver muito clara, mas, seguindo o didatismo da proposta do professor José
Maria Vasconcelos, devo dizer que ela se refere ao formato da genitália
feminina em posição normal, quando o vértice do triângulo é invertido, ou seja,
fica na parte inferior. Vertiginoso vértice invertido significa que a boceta
provoca vertigem, ou a pequena morte de que nos falam os franceses.
Quanto à fragmentação do vocábulo invertido – inver tido – além de “desenhar” o início da
abertura vaginal também significa que esse órgão foi tido ou possuído pelo
amante.”
Certamente, eu poderia
ter acrescentado outras análises sobre a estrutura do poema, e principalmente
ter adicionado mais algumas dissecações interpretativas. Mas prefiro que o
leitor faça outras observações, conforme sua experiência de vida e
criatividade, ainda que divergentes das minhas. Aliás, acharei o poema mais
rico, caso o intérprete e analista venha a descobrir nuanças que eu próprio não
vislumbrei.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaro Elmar Carvalho:
ResponderExcluirV. aceitou com coragem a sugestão do professor José Maria Vasconcelos a fim de que com outros poetas piauienses, inclusive o Rubervam du Nascimento, se abalançassem a analisar os próprios poemas e, para tanto, o fez em relação ao seu "Poema concreto." Vejo que, pela sua análise estilística, fundamentada nas característica do Concretismo de 56, saiu-se bem na sua condição de intérprete de si mesmo. Ora, assim fazendo, V. se pôs no mesmo plano de um crítico comentando a sua poesia. Julgo que, quando o próprio poeta fala de sua forma de composição, a poesia não perde com isso, mas adiciona novos ângulos hermenêuticos do fazer poético.
Porém, não é função do poeta ser o crítico e analista de si mesmo. O poema deve ser lido por si mesmo, como um produto de originalidade e de obediência a peculiares estratégias empregadas pelo poeta. Talvez comentar os intrincados meandros de como surgiu a ideia-máter de um poema seja útil à crítica em geral, tanto assim que Bandeira não esgotou a explicação da gênese de todos os seus poemas. Poemas há que valem apenas pelo que são como jogo de palavras, ato puro feito de palavras potencializadas para a expressão do lirismo. Tais poemas dispensam até interpretação, servem à fruição estética, como artefatos que valem por si mesmos, feitos de palavras e imagens, como fizeram os bons poetas simbolistas e até parnasianos ou neo-parnasianos.
A principal função do poeta é fazer poesia e a ele não cabe fazer juízo crítico de sim mesmo. Que isso seja delegado aos críticos, cuja função é a de analisar, interpretar e julgar o valor estético de uma obra poética.
Nem tampouco o analista de poesia ou ficção, ou qualquer que seja o gênero literário, tenha que satisfazer o poeta no que concerne à sua análise. O poeta não pode impor afirmações como esta: “Não é isto que queria afirmar no meu poema, .” como fez uma vez João Cabral ao comentar uma análise sobre sua poesia em conferência na Faculdade de Letras da UFRJ. A análise crítica não se esgota em seus aspectos interpretativos, ainda que se somassem todos os estudos interpretativos de um poeta ou ficcionista.
No passado, críticos impressionistas de talento, como Álvaro Lins, sonhavam com a ideia de que, um dia, seria bom que na mesma pessoa houvesse o poeta e o crítico na mesma pessoa. Isso, contudo, só valeria, em meu entender, quando o poeta fosse crítico de outros poetas, não dele.
No entanto, como a poesia ainda é cercado de a aura de mistério de fundo romântico, todos queremos saber o que o pensa de sua poesia, como nele se formaliza o ato de criação literária, como nasceu o poema , foi por inspiração, ou foi resultante do suor de um trabalho artístico consciente de suas técnicas e do conhecimento da estrutura do poética, do seu estudo, do seu desenvolvimento em novas maneiras de realizar poesia no poema.Nenhum grande poeta pode dispensar o trabalho da crítica literária, ou lhe dar as costas. Ao contrário, a história literária conhece muitos casos de amizade entre poetas e críticos.Constituem eles, desde Aristóteles, com sua Arte Poética, dois agentes decisivos ao desenvolvimento da literatura.. Da mesma forma, o poeta não pode deixar de ser familiarizado com a tradição literária. Não é por ser moderna que a poesia tenha que ser melhor do que nos períodos clássico, arcádico, barroco, romântico , simbolista ou concretista entre outras variações a partir dos anos de 1956 no Brasil.
Cunha e Silva Filho