Elmar
Carvalho, Antônio de Pádua, José Hamilton, Cajubá Neto e Lili Machado
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CONFISSÕES DE UM JUIZ (*)
Alcenor Candeira Filho
No início de 2010 o poeta Elmar
Carvalho criou por sugestão de sua filha Elmara o “poetaelmar.blogspot.com.br”.
Ao longo desses cinco anos de
existência o blog do poeta vem divulgando textos em prosa e em verso de sua
própria lavra e artigos e poemas de intelectuais do Piauí e de outros Estados
brasileiros.
Os textos escritos por Elmar Carvalho e
postados na internet fazem parte do que ele chama de “Diário Incontínuo”. Esses
trabalhos, se enfeixados em livros, formariam vários volumes.
Muitos
escritores conciliaram a burocracia com a literatura, como Machado de Assis,
Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, para citar apenas três
dentre os melhores da literatura brasileira.
Pois Elmar
Carvalho também se realizou profissional e artisticamente usando como
instrumento de trabalho a Língua Portuguesa, que tanto serve à literatura como
à ciência e à filosofia. Correção, coerência, concisão, objetividade e clareza
são virtudes de estilo que não podem ficar ausentes da linguagem filosófica,
científica, jornalística, burocrática.
Tais virtudes
devem também caracterizar a expressão literária, que por sua própria natureza
comporta o apelo a outros recursos, como a transgressão gramatical em favor do
estilo, a incoerência, a conotação, a subjetividade, o hermetismo... Quer
dizer, o que vale mesmo no trabalho do escritor é a ampla e irrestrita
liberdade de criação estética.
Já me
manifestei por escrito sobre a obra literária de Elmar Carvalho em três
momentos, todos revestidos de caráter solene e público: 1994, com o discurso de
recepção na posse do poeta na Academia Parnaibana de Letras; 1996, com a
apresentação de A ROSA DOS VENTOS GERAIS na noite do lançamento
em Parnaíba; 2010, com a
apresentação de POEMITOS DA PARNAÍBA no
lançamento ocorrido no auditório da APAL.
Poucos
intelectuais piauienses da atualidade possuem
fortuna crítica tão expressiva quanto
a de Elmar, constituída por comentários de
escritores , poetas, ensaístas, professores, magistrados, advogados. De
modo que o poeta teria facilmente outras opções para o convite que acabou endereçado
a minha pessoa.
Por que novamente
recaiu sobre mim o privilégio de fazer a apresentação de mais uma obra do
grande escritor e respeitado juiz?
Atribuo a
escolha a uma amizade de quatro décadas, preservada em elevado grau de
respeito, admiração e confiança mútuas, - amizade jamais
arranhada por qualquer desavença,
com cada um se mantendo fiel às
próprias idéias, várias convergentes
outras não. Se pensássemos sempre de forma idêntica nossa
amizade só nos teria trazido prejuízo, porque ficaríamos impedidos de desfrutar
do aprendizado recíproco, que só se efetiva plenamente entre pessoas que cultivam
sem nenhum preconceito idéias próprias e respeitam as alheias. Além da vocação
comum para o serviço público e para a poesia, as afinidades que tanto nos
aproximam decorrem também da fidelidade a pensamentos grandes, retilíneos, utópicos
às vezes mas sempre isentos das
impurezas do branco.
CONFISSÕES DE
UM JUIZ é um livro de quase duzentas páginas que reúne parte dos textos
postados no blog: crônicas, comentários, reminiscências, confissões, reflexões
sobre pessoas, bichos e lugares, ou ainda, como assinala o professor Cunha e
Silva Filho, “histórias vividas ou inventadas na cidade ou no campo, narradas com
limpidez estilística”, e apresenta as seguintes partes: I. “Confissões de um
Juiz”; II. “Memórias Afins”; III. “Memórias Afetivas”.
A obra
enfatiza na parte inicial as lembranças do burocrata, sobretudo do julgador, do
que tem a responsabilidade superior e constitucional de “atribuir a cada um o
que é seu”. Responsabilidade imensa a do juiz, que raramente é reconhecido pelo
que faz no desempenho da profissão.
Vale a pena a
leitura das seguintes palavras de Martinho Garcês, transcritas no livro
ESCRITOS DE VÁRIO ASSUNTO, de Cristino Castelo Branco, magistrado e escritor
piauiense:
“Todo homem
de mérito no Brasil tem o seu historiador e o seu biógrafo, menos o jurista,
seja ele magistrado ou advogado. (...) O jurista nada tem. O juiz que estuda, consola-se com o juízo que da sua inteligência,
probidade e saber possa fazer as partes que perante ele pleiteiam, e os advogados pagam-se generosamente dos seus
esforços com os louvores dos seus constituintes, quando, por uma questão de ajuste de
honorários, eles, depois de bem servidos, não se tornam seus inimigos.”
No livro
citado, Cristino Castelo Branco completa o pensamento de Garcês ao tempo em que
amplia o rol dos injustiçados,
fazendo referência a profissionais de diversas áreas prejudicados
pela falta de reconhecimento a seus méritos. Só o literato, segundo o
texto de Cristino, é capaz de conquistar com facilidade a notoriedade, a fama:
“Salta aos
olhos de toda a gente que a literatura amena
rende muito mais para a vaidade humana, para a sede de glória, que o
direito, a medicina, a matemática,
qualquer outra ciência. Pertencer à Academia
Brasileira de Letras é, entre nós,
considerado muito mais importante que pertencer à Academia Nacional de Medicina, ao
Instituto dos Advogados, ao Clube de Engenharia. Por que? Segredos da vaidade
humana, ou melhor, da futilidade de todos nós.”
A respeito
desses mistérios ou sutilezas da alma humana, capazes de determinar ações e
reações que ora engrandecem ora amesquinham o homem, Elmar Carvalho conta no livro um fato acontecido durante
casual e rápido encontro que teve com a desembargadora Eulália Ribeiro
Gonçalves Pinheiro, que, diante de um
ato de cordialidade recebido, reagiu com gesto nobre de simplicidade,
simpatia e gentileza, e não com aquele ar
de superioridade peculiar a
algumas autoridades:
“Outro dia,
quando eu me preparava para sair do elevador, no subsolo, encontrei a
desembargadora Eulália Ribeiro Gonçalves Pinheiro. Cumprimentei-a, e lhe dei
passagem , mas ela, de maneira lhana, disse: ‘Não, primeiro os poetas.’ Foi a primeira
vez que eu vi a espada da Justiça se
curvar perante a frágil pena da Poesia.”
Numa época em
que repercutem no país inteiro notícias de que alguns juízes, felizmente a
minoria, se arvoram de “deuses”, justifica-se
a menção a comportamentos exemplares por parte de magistrados, como podemos ver em outro episódio, contado
na página 40:
“Certa
ocasião,eu me encontrava numa roda de conversa, na varanda de um dos andares do
tribunal . Logo depois chegou o desembargador Santana, que, após cumprimentar-nos,
disse, dirigindo-se a mim, como costumava fazer: ‘ Como é que vai, poeta maior?’
Estava a meu
lado outro poeta, cujo nome já não recordo. O vate franziu o cenho,
empertigou-se todo, retorceu-se como se estivesse com forte cólica intestinal,
e, virando-se para um lado e outro, resmungou/rosnou: ‘É, quer dizer que eu devo
ser um poeta menor...’ Sepulcral
silêncio acolheu as suas palavras.”
Destaca-se
nas primeiras páginas do livro a revelação, em tom de quase desabafo, feita por
quem laborou durante quatro décadas na vida pública e dela teve de se afastar
em razão de aposentadoria fundamentada em tempo de serviço mas motivada
verdadeiramente por razões que a própria
razão desconhece.
O juiz Elmar
teria ainda outro argumento para justificar a aposentadoria, se esse fosse o
seu objetivo: doença grave.
Mas no fundo
o que ele pretendia apesar dos pesares ou principalmente por isso mesmo era
continuar servindo ao país como magistrado culto, íntegro, justo, bom. Estava
plenamente motivado para o trabalho forense por mais algum tempo.
O comovente
depoimento de Elmar sobre os fatos e circunstâncias que precipitaram o pedido
de aposentadoria aos 58 anos de idade
repercutiu no meio forense e intelectual, com opiniões postadas na internet e
comentários inseridos no livro, como estes:
“A
magistratura piauiense e, por extensão, nacional,perde o trabalho cotidiano e
diuturno de um dos melhores juízes que conheci em toda a minha carreira.
As letras e
a poesia agradecem pelo prestimoso tempo que doravante a elas será dedicado com
inefável tirocínio. Ou em outra atividade laboral que você venha
a desempenhar.” (juiz de direito Orlando Martins Pinheiro).
“Não tenho
dúvida de que chega à fronteira de fatigante jornada com a dignidade inteira, sem
mossas e sem fissuras morais porque, agindo sempre como uma espécie de
artesão, exerceu a judicatura como se fosse um apostolado; restabeleceu patrimônios desperdiçados e
recompôs sociedades conjugais esfaceladas, sem alienar sentenças ou
hipotecar despachos.” (desembargador Valério Chaves)
“Caro Elmar,
da mesma forma com que me emocionei quando li algumas passagens do livro já
citado, há poucos dias também
me emocionei com a postagem acerca de seu pedido de aposentadoria (...) Já começo a sentir saudades do brilhante vate
do TJPI.” (juiz de direito Antônio Oliveira)
Os professores/escritores
Cunha e Silva Filho, José Maria Vasconcelos e Nelson Rios, dentre outros,
também se manifestaram sobre o episódio.
Na 2ª e 3ª
partes do livro, o autor selecionou textos escritos há algum tempo, vários
deles complementando e elucidando fatos focalizados na parte inicial.
São belas pelo refinamento
estilístico e pela suavidade do lirismo encantador as páginas elegíacas inseridas
na 3ª parte, páginas que falam tanto da morte de pessoas quanto da de animais.
Em ambos os casos o autor se expressa com formidável equilíbrio emocional,
jamais se derramando em sentimentalismo exacerbado, em pieguice. São textos que brotam d’alma, é verdade, mas
ditado sobretudo pela razão. Lirismo “direcionado
mais pela inteligência do que pelo sentimentalismo”, como disse o escritor e
crítico literário Fábio Lucas a propósito de A LUTA CORPORAL, de Ferreira Gullar.
Desejo encerrar minha fala com a seguinte
declaração: considero CONFISSÕES DE UM JUIZ, de José Elmar de Melo Carvalho, um
dos melhores livros que li nos últimos tempos.
_________
Discurso de apresentação do livro Confissões de um juiz,
pronunciado na solenidade de lançamento em Parnaíba, ocorrida no dia 8 de maio
de 2015.
Caro amigo Elmar,
ResponderExcluirParabéns pelo lançamento do "Confissões de um Juiz". Endosso as palavras felizes do ilustre poeta e escritor (e também meu ex-professor no Curso Cobrão em 1979) Alcenor Candeira Filho, proferidas no seu discurso de apresentação do livro.
Para deleite dos amantes da literatura, resta aguardar agora o lançamento da sua próxima obra.
Abraços. Ben-Hur Sampaio.
Uma síntese grandioso, plena de agudeza e percuciência de um poeta sobre outro poeta. Como é bom juntarem-se num só escritor (Alcenor Candeira Filho), o poeta, o ensaísta e o crítico a falar sobe um livro de memórias de um poeta, um ensaísta e um crítico (Elmar Carvalho) a propósito do mais recente livro do segundo, que é "Confissões de um juiz."
ResponderExcluirA apresentação de Alcenor Candeira, pelos ângulos enfocados na apreciação das memórias de Elmar Carvalho, ainda que numa síntese, praticamente esgota as possibilidades da sondagem dos valores humanos e estéticos dessa obra de Elmar.
Cunha e Silva Filho
Companheiro Elmar,
ResponderExcluirA maioria pensa que um juiz, acadêmico, poeta ou escritor vive numa dimensão diferente das outras pessoas. Ledo engano, como seres humanos que são, passam pelas mesmas alegrias, desafios, provações e dilemas humanos.
Além do mais, o curioso e admirável é que o homem detentor de missões tão dignificantes neste caminho, de forma simples e verdadeira, transforma as palavras em arte. E, não só por meio da leitura de um Camões, Fernando Pessoa ou de tantos outros pensadores que passaram nesta Terra.
Mas, ainda, através de uma simples prosa com o José, do Antônio e, talvez, do Fabrício, quando os encontram, por exemplo, numa simples caminhada despretensiosa na rua.
Concluímos que, na Obra "Confissões de Um Juiz", o termo "Juiz", poderia, até mesmo, ser interpretado como não só aquele que é investido na autoridade pública e equidistante, mas a do ser humano simples e humilde que, no seu mister, sofreu as dores que não eram suas, - como um poeta que desceu às entranhas de sua sensibilidade espiritual humana a fim de descortinar o véu da obscuridade mundana para tentar romper com as estreitezas entre os homens -.
Parabéns pelo livro, a caminhada é eterna.
Fabrício Carvalho Amorim Leite
Caros amigos Ben-Hur, Cunha e Silva Filho e Fabrício,
ResponderExcluirMuito obrigado por suas excelentes e belas palavras de apreço e estímulo.
O nosso bravo Alcenor Candeira Filho, além de grande poeta, é igualmente um notável ensaísta, orador, cronista e articulista, além de um dos melhores professores de literatura do nosso estado. Sua apresentação vale mais para mim do que certas honrarias e ouropéis.
Abraço,
Elmar