A fé que se renova
Dílson Lages Monteiro (*)
“Eia povo barrense é chegado/ o
momento de vossa alegria/ elevai vossa fé, oh cristãos, /em louvores a virgem Maria./ Salve Rainha do Céu/ salve a
estrela da manhã/ Salve a padroeira de Barras do Marataoã”. Ouvindo e cantando o Hino à Padroeira de
Barras, de João Berchmans de Carvalho, milhares de fiéis católicos percorrem,
entusiasmados, estradas vicinais e ruas de Barras do Marataoã, para reconhecer
as graças alcançadas e renovar a esperança em novos dias.
Os festejos de Nossa Senhora da
Conceição das Barras do Marataoã, um dos mais tradicionais do Piauí, iniciam-se
oficialmente com o transporte da zona rural para a urbana, em romaria, do
mastro que é fixado de frente ao adro da igreja. Por toda a noite e a madrugada
do dia 27, o mastro é conduzido por centenas de jovens, adultos e até idosos,
por longo percurso, em alguns anos, de até cinquenta quilômetros, em ritmo que
vai além da caminhada habitual.
Com passos largos, de mastro aos
ombros, os caminhantes misturam a fé à
força física. Ele é conduzido até a Igreja Matriz de Santa Luzia, no
bairro Boa Vista, de onde, no dia 28 de dezembro, é transportado em procissão,
que reúne cerca de 15 mil pessoas até a igreja Matriz de Barras. Ali, os fogos,
as orações e o tradicional hino tornam a festa em momento de profunda emoção.
Em 2015, o mastro saiu do povoado
Murici, a 32 quilômetros do perímetro urbano, numa tradição que se fortalece a
cada ano. Neste ano, particularmente, o número de jovens envolvidos no
transporte desse símbolo da festa empolgou as autoridades religiosas e toda a
comunidade, numa demonstração da importância do evento como uma das maiores
manifestações culturais da região.
A história de Barras do Marataoã
está, como na maioria das antigas cidades piauienses, ligada ao catolicismo; à
construção de uma capela, depois, transformada em templo de arquitetura
característica dos padrões de seu tempo. Segundo anotações do Padre Cláudio
Melo, em fins do século XVIII, já havia no local que compreende a atual igreja,
na remota Fazenda Buritizinho, de Miguel de Carvalho, uma capela com
autoridades religiosas ali investidas.
É com José Carvalho de Almeida
que a construção da igreja ganha força. Pelo menos é o que atestam os mais
acreditados historiadores do Piauí Imperial. Entre eles, David Caldas, o primeiro
que se tem conhecimento a fazer anotações de cunho historiográfico sobre
Barras, e outros, como Pereira da Costa e Miguel de Sousa Borges Leal.
A propósito do envolvimento de
Carvalho de Almeida com as causas da fé católica, expressas no obstinado anseio
da construção do templo da Igreja Matriz, lembra o historiador Wílson Carvalho
Gonçalves que José de Almeida, ”assumira a administração da capela de Barras em
22 de agosto de 1819. Inspirado pelo amor a sua terra, lançou os fundamentos
duma nova capela, mais tarde matriz, ficando a antiga contida no recinto desta,
e demolida em 1835”. Acrescenta o historiador que José Carvalho de Almeida
teria “concluído, por sua conta, a Capela do Santíssimo Sacramento da Matriz”.
Infelizmente, demolida em 1963. Ressaltam vários historiadores, pautados
principalmente em David Caldas, que Barras é elevada à freguesia (30 de dezembro de 1939) e à vila
(27 de setembro de 1841), graças aos pleitos de José Carvalho de Almeida.
Quando literalmente começou a
festa da padroeira de Barras e seu processo de formação é tema curioso que
demanda pesquisa detalhada, sobretudo pela relevância sociocultural do
acontecimento. Ao evento, já fazia referência em poema de tom elegíaco o
celebrado Teodoro Castello Branco (1829-1891) : “Vila que nos festejos
grandiosos,/Viste-me sempre com alegre rosto;/Vila, vila chorosa/Meus olhos vês
agora,/ que acerbo sentimento me devora”.
Sobre essa emoção renovada da fé
em Nossa Senhora de Barras, diz em crônica, Eurípedes de Castro Melo (1941-1972),
conforme se lê em Chão de Estrelas da História de Barras, de Wílson Carvalho
Gonçalves:
“Sempre que se celebram de 29 de
novembro a 8 de dezembro, os festejos da Imaculada Conceição, Padroeira excelsa
de Barras, duas coisas impressionam, de gente simples e boa, acolhedora e
amiga, de minha terra: o espírito da tradição e o fervor da crença religiosa. E
nada há que faça, sequer, arrefecer o entusiasmo com que se espera, ali, a
temporada alegre do concorrido novenário da Virgem Santíssima. Nem a mutabilidade
dos tempos. Nem o fluir dos anos. Nem a inclemência das adversidades. Nem o
tormento das maiores provações. Nem as decepções, as tristezas e as cores
comuns, que compõem o tecido da existência humana.’
Faça-se o que se fizer, a fé dos
barrenses se mantém inabalável. Ainda que os tempos difíceis e as forças
ocultas pareçam instransponíveis; ainda que as artimanhas do mal vicejem no
solo, a esperança na generosidade divina é imorredoura. Dezembro chegará
trazendo a certeza de que Deus é maior. Dezembro de Nossa Senhora. Dezembro em
sua fé secular, porque o tempo virá ar:
Dezembro desabrocha no chão
de onde a terra leva e leve
o cheiro da chuva e dos jasmins
da porta ao quintal.
Dezembro de Dasinha e das dores
da Senhora Nossa da Conceição
no peregrino passo
os olhos molhados de preces
Ah! Dezembro no teto (des) habitado
de morcegos onde a manhã estrelas desenha
onde os vitrais se alargam palpitantes
onde a porta-a-sala-e-a-casa:
A cidade se abre
para Jesus renascer
segurando as mãos de Dasinha
onde imagem-ação, o esperar do novo ano.
Ah! O ar de agora e de sempre
no Pai Nosso e em Cada Dia
do quintal à porta
onde a bisavó armava
as margaridas nas janelas
e o carmim do céu
para o vento (ex)altar a procissão.
Dezembro em tijolos
na cabeça do povo
os dedos derretendo em velas
e a luz do fogo em filas
e os férteis pés e firmes
na comum-união de todos as classes:
dezembro e a promessa
de que o tempo vira ar.
(*) Dílson Lages Monteiro é
poeta, romancista e membro da Academia Piauiense de Letras.
Belo texto da lavra do novo membro da APL, eivado do sentimento que envolve o barrense neste período em que se funde a alegria natalina com a renovação da crença na padroeira da abençoada terra dos governadores e dos poetas.
ResponderExcluirDilson, divulgando sua terra, suas histórias, suas lendas, estar´s se tornando universal. Dilson Lages o escritor, professor e acadêmico pé de Barras(PI).
ResponderExcluirUm abraço Itamar