HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos foram
sendo escritos.
Capítulo IV
NO CANTINHO DOS INOCENTES
Elmar Carvalho
Desde o seu alumbramento, ao ver
Neuza desnuda, e o assédio de Suzana, a que resistira brava e estoicamente,
Marcos não pensava em outra coisa, a não ser em perder sua virgindade com
alguma rapariga, ainda que do baixo meretrício. Falou desse plano ao Fabrício,
que também fazia parte do grupo responsável pelo jornal mural, no qual
publicava contos e crônicas, além de ser o dono, o técnico e um dos jogadores
do Flamengo Eborense Clube, time de futebol amador.
Era ele filho de um alto comerciante
de Évora, proprietário de uma loja de eletrodomésticos, que vendia seus
produtos para todas as cidades circunvizinhas. Tinha apenas uma irmã, de nome
Marta. Recebia uma boa mesada de seu pai, mas era comedido, sóbrio, nunca
esbanjava, e muito menos praticava ostentação. Simpático e previdente, quase
todo dia passava pelo comércio do pai, com o intuito de obter experiência
comercial e administrativa.
Fabrício exercia natural liderança
sobre seus amigos e companheiros, desprovido que era de arrogância e empáfia,
não obstante ser considerado rico, para os padrões da época e da localidade.
Conquanto fosse o dono da farda rubro-negra eborense, da bola de couro, do
campo, que ficava num terreno de seu pai, não precisava dessas “prerrogativas”
para integrar a equipe, pois era um dos melhores goleiros do futebol amador.
Tinha grande elasticidade e coragem. Inteligente e intuitivo, sabia se
posicionar muito bem, e parecia antever a trajetória da bola, fechando os ângulos
em direção ao gol. Quando necessário, arrojava-se aos pés do atacante para
impedir o chute ou desviar o curso da pelota.
Dava belas “voadas” ou “pontes”, em
que parecia revogar a lei da gravidade. Tinha grande habilidade em encaixar a
bola nas mãos ou entre o peito e os braços. Quase nunca “batia roupa”, que é o
lance em que o goleiro não agarra a bola, mas a rebatia ou espalmava para fora
da zona de perigo. Pelo que se sabe, nunca engoliu um “frango”. Às vezes se
auto escalava para jogar na lateral ou na ponta direita, em que atuava com boa
desenvoltura, embora não fosse propriamente um craque nessas duas posições.
Ficou acertado, entre ele e Marcos,
que se encontrariam no sábado, no início da noite, no bar e mercearia do Zé
Afonso, para tratarem da incursão à zona meretrícia. Convidaram também o Mário
Cunha, que já tinha incipiente experiência nessa seara. Fabrício, pela sua própria
condição financeira, tinha razoável prática em fornicação. Foi a seu convite
que Marcos bebeu pela primeira vez, com certo receio, relutância e mesmo
remorso. Ficou mais alegre e espirituoso, e ria aparentemente sem motivo, pelo
que recebeu admoestações de Fabrício, para que se contivesse.
No estabelecimento de Zé Afonso
existia um espaço denominado Cantinho dos Inocentes, em que o chamativo
letreiro vermelho, pintado na parede, formava um ângulo de noventa graus.
Portanto, o Cantinho dos Inocentes ficava efetivamente em um canto do comércio,
e dispunha apenas de uma mesa de madeira e quatro cadeiras. O encanto estava
apenas no sugestivo e poético nome.
Os amigos pediram meio litro de Ron
Montilla, coca cola, limão, gelo e três copos, e passaram a tomar, sem pressa,
sucessivos copos de cuba livre, então muito na moda. Passaram a montar a
estratégia para o que denominaram de Operação Descabaçamento de Marcos.
Fabrício foi peremptório em dizer que a estreia sexual deste deveria ser no
Quartel General, ou velho QG, e não numa espelunca qualquer; que faria as
tratativas com puta experiente, verdadeira professora em prática sexual, e
mormente sem as indesejáveis doenças venéreas.
Coadjuvado por Mário, transmitiu a
Marcos o que sabia e o que fingia saber dessa hedonística atividade. Recomendou
que ele procurasse ter calma e não demonstrasse ansiedade. Mário Cunha, além de
ter largo conhecimento livresco e teórico sobre o assunto, tinha uma imaginação
fértil, com vasto arsenal de truques e simpatias, muitas sem a menor base
científica. Explicou que o Ron Montilla, bebido com moderação, era uma espécie
de afrodisíaco e retardava a ejaculação.
Recomendou ainda que, uma hora antes
da relação, Marcos fosse ao banheiro e praticasse uma bronha, para que o coito
fosse mais demorado. O rapaz ficou mais apreensivo e impressionado, ante tantos
aconselhamentos e recomendações. Desconfiou que a bronha poderia ensejar,
talvez, muito mais uma broxada. Na verdade, ficou mais nervoso do que já
estava. Mas se manteve firme, e não pensou em bater em retirada.
Marcos empunhou o litro vazio de rum,
olhou demorada e fixamente o seu rótulo, em que o esvoaçante papagaio pousava
sobre o ombro esquerdo do estilizado pirata caolho, e se lembrou com
indisfarçável emoção do livro A Ilha do Tesouro, cuja leitura tanto lhe
encantou em sua meninice. Tocado de leve pelo espírito da garrafa, se autoproclamou
pirata Gran Montilla, desbravador dos sete mares ou bares, e concitou:
– Partamos, meus amigos, para a ilha
da Fantasia, do Tesouro ou da Utopia, onde iremos chafurdar no reino da putaria!...
Gargalharam e partiram. Sem pressa,
contando anedotas e fazendo chistes, em prosa e em versos, sob a bênção
prateada de uma esplêndida lua cheia, com a vida toda pela frente a lhes
sorrir, estuante, cheia de graças e de flores, os três amigos seguiram a pé
para o QG.
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