Aldeia Global à Torre de Babel
José Maria Vasconcelos
josemaria001@hotmail.com
Anos 70, a cidade dormia cedo, sem
muros altos, sem ferramentas sofisticadas de segurança, sem sobressaltos e
pesadelos. Relaxava-se fácil, quando a
TV Globo encerrava a programação, antes da meia-noite. Na vinheta, o
samba de Noel Rosa, ATÉ AMANHÃ, e a nostálgica mensagem em bonita voz do
locutor: "Logo, o brilho das luzes, será substituído pelos primeiros raios
do sol. Fique agora, na tranquilidade de seu lar. Nós estamos aqui. Atentos aos
acontecimentos da aldeia global, preparando as emoções que são a vida do povo,
a alma da cidade. Até amanhã, na certeza de um novo tempo: tempo de
comunicação, fazendo um homem livre no universo sem fronteiras!"
Depois de quatro décadas, vários
conceitos embutidos nessa mensagem precisam ser revistos, especialmente ao
retratar a tranquilidade do lar, aldeia global, o tempo de comunicação, homem
livre, emoções. A TV Globo não repetiria a mesma mensagem, bem como outros
meios de comunicação, diante da avalanche de emoções e reações coletivas. Quer
exemplos? Há um ano, não se tinha notícia de um estupro coletivo no Piauí.
Bastou o primeiro, em Castelo do Piauí, exaustivamente explorado na imprensa.
Seguiram-se mais três no estado. Como reagiram os “amantes da opinião pública
sadia”- filodoxia, segundo Platão – aqueles que buscam o belo e virtuoso em si,
ao contrário dos estudiosos da opinião seca, do rigorismo das demonstrações?
Será que a exposição demasiada dos
crimes, escândalos sexuais e maracutaias das autoridades, embora condenados
pela Justiça, o país se libertará das mazelas? Claro que não, nem por isso a
Justiça fugirá às suas funções. Porém, os meios de comunicação, que contribuem
em colocar cidadãos a par dos crimes, não poderiam dedicar mais espaços às
fronteiras do bem? Por que novelas costumam escancarar mais conflitos conjugais
do que amores decentes? Afinal, o que é decência para formadores de opinião?
O termo aldeia global, um conceito
criado pelo canadense Marshall MacLuhan, na década de 60, explica os efeitos da
comunicação de massa sobre a sociedade contemporânea, transformando o mundo
numa tribalização de costumes e culturas. Quando se repete, exaustivamente, um
produto ou episódio, termina virando moda de bem ou de mal. De bem é o que
pouco se explora. Um programa de TV em que jovens testemunham seu resgate do
submundo dos vícios, faz bem.
Num mundo híper conectado em que
vivemos, encurtam-se territórios e fronteiras. Tragédias e sofrimentos nos
chegam, constantemente, ao ponto de nos acostumarmos com as dores alheias,
avessos à misericórdia e sentimentos de solidariedade. Explica-se a frieza dos
que não respeitam pudor, autoridade, o exercício da nobreza, a própria vida.
Vive-se uma era glacial de puros sentimentos.
A aldeia global ainda não aprendeu a
usufruir-se da tecnologia da comunicação entre os povos, de um novo tempo, sem
fronteiras do ódio. Construída, como a ancestral Torre de Babel, serve mais
para exploração do orgulho, do domínio de uma mesma língua. Infelizmente, tende
a ruir. Uma modesta e saudável vinheta serve de alerta.
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