TRÊS CONTOS DE VALDIR FACHINI
O TREM QUE LEVOU MARIA
Eram quatro e meia, passava um pouquinho,
o fosco clarinho rasgava o varjão, quando aquele trem saiu da estação levando
uma porção de coisas minhas, minha primeira e única namorada, minha paixão, meu
sonho e minha alegria de viver.
Ela foi embora, porquê dizia estar cansada
da vidinha de cidade pequena. Queria deixar de usar vestido de chita e se
presentear com um Dior ou Versace, até Clodovil já estava de bom tamanho.
Queria deixar de tomar pinga com capilé e só
bebericar Don Perignon, trocar o torresmo com mandioca por escargot e caviar.
Festa junina, Mário Zan, ....com a filha de João, Antônio ia se
casar......nunca mais, dai pra frente era só Beatles, Rolling Stones, Elvis e
Roberto, que já estava no auge.
Aquele trem, também levou no mesmo dia, o
meu amigo de infância, ainda me lembro dele, subindo no vagão com aquela velha
mala amarela, que na verdade, nem era amarela, era bege, que no final das
contas ele disse que vendeu ela pra comprar um pão com mortadela, Vi quando ele
se sentou no mesmo banco com um velho senhor e foram conversando, com certeza
falando do seu viralata, que ele chamava de Sultão,...oh cachorro chato
pulguento e matador de galinhas, Tempos depois, ele fez uma música, contando a
história dessa mala.
Dois meses depois, minha princesa me
escreveu contando da viagem, Disse ela , que o trajeto demorou um pouco mais
que o combinado, porquê o trem fez uma longa parada na cidade de Brodowsky,
onde estavam erguendo um monumento em homenagem a um pintorzinho que tinha nascido
naquela cidade, minha fofura não conhecia, não devia ser ninguém famoso.
Ela falou também do lugar que estava
morando e que já tinha arranjado serviço, ela era garçonete (toda moça do
interior quando vai pra cidade grande, trabalha de garçonete ) e que tinha uma
novidade, ela descobriu que estava grávida, eu ia ser pai.
Pra mim, foi a maior alegria, minha
parentada não gostou nem um pouco, mas o meu amigo quitandeiro japonês, o
Watanabe fez a maior festa, soltou rojão, fez uma churrascada e se embebedou a
noite toda. Todo dia ele me perguntava dela, se estava bem, se ela precisava de
alguma coisa, parece que ele se preocupava mais do que eu e olha que eles nem
eram tão amigos assim.
Enfim, quase nos dias do bacuri mostrar as
fuças, o meu anjo voltou pra casa, ela pariu um molequinho com cara de joelho,
que eu achava que parecia comigo, todo mundo dizia que não, mas o importante
que era meu sangue e eu já gostava muito dele.
Porém, minha alegria durou pouco, quando o
varãozinho desmamou, meu doce de coco quis ir embora de novo, seu sonho ainda
não tinha se realizado, ela ainda não tinha comprado seu Versace, só comprava
em brechó, escargot? nem nunca viu, só comia acém com batatas, e foi.
Eram quatro e meia, passava um pouquinho e
de novo aquele trem saiu da estação, levando uma porção de coisas minhas, minha
amada, minha paixão, que com o clima metropolitano se tornou mais linda e
aquela preciosidade de zóinho esticadinho, meu amado filho Toshio.
AS CARPIDEIRAS
Não se falava de outra coisa na cidade se não na morte do coronel
Deoclécio, até gente da cidade vizinha veio pro velório, Conhecido feito ele só
,todo mundo queria dar o último adeus, jogar uma flor e um punhado de terra na
sua derradeira morada.
Seu irmão Deocleciano viajou mais de
quinhentos quilômetros pra assistir ao funeral e aproveitou pra ver se a cunhada
ainda estava enxutona....tava não,ainda depois do passamento do marido, tava de
dar dó.,Enquanto as empregadas serviam café com bolo pras visitas as
carpideiras choravam.
A irmã mais nova do cadáver, a Deocleidiane
se encarregava de contar as façanhas do morto (quando era vivo ) pra ela, ele
era um herói, mentiroso feito o cão, mesmo assim ela o idolatrava, dizia que
ele mereceu tudo de bom que ele teve enquanto vivia e com certeza la no céu,
que é pra onde ele vai, irá encontrar o paraíso que ele tem direito e a
contratação das carpideiras foi uma homenagem pra la de merecida e as
carpideiras choravam.
O prefeito e sua comitiva não podiam faltar, cumprimentou todo mundo,
pegou criança melequenta no colo, rezou um Pai Nosso e uma Ave Maria, tentou
cantar o Hino Nacional mas se atrapalhou mais que a Vanusa e disse que foi a
emoção, depois pediu votos pra próxima eleição que já era no ano vindouro.
O médico da família se desculpava dizendo
que cansava de falar pro velado trabalhar menos e se cuidar mais, comer na hora
certa, tomar menos conhaque, mas ele era teimoso igual uma mula, deu no que
deu.
A viúva chorava, soluçava, lamentava e ficava pensando que precisava
agradecer a quem tinha contratado as carpideiras, saber quanto elas cobraram pra
depois reembolsar ...e as carpideiras choravam.
Rex, Maradona e Tarzan, os rottweilers do
morto não puderam entrar na casa, por isso ficaram no quintal uivando, ninguém
falou nada pra eles mas eles sabiam que algo de ruim tinha acontecido.
Então chegou a hora de ir pro campo santo,
a procissão era enorme, da casa até lá a distância era grande, a caminhada era
longa,mas ninguém se cansava, os homens revesavam pra levar o caixão, seis
alças que iam passando de mão em mão, as mulheres cantando A-VE-A-VE-A-VE AVE
MARIA,A-VE-A-VE -A-VE AVE MARIA e no meio delas, as carpideiras chorando.
Depois de um longo discurso o padre encomendou a alma do defunto e os
coveiros desceram a esquife pra sua última morada.
Então as pessoas foram se despedindo dizendo palavras de conforto e
consolo e indo cada um pra sua casa.
Ficando a viúva sozinha com as choronas,
não resistiu e perguntou qual foi a alma bondosa que tinha contratado elas
,então uma das quatro falou ...nós não somos carpideiras, nós éramos manteúdas
do falecido.
O SAFADO E A ROLHA DE POÇO
Safado!era assim que ela se referia a ele quando queria lhe colocar os
grilhões,quando fazia comentário com amigos e parentes que envolvesse a sua
pessoa ,ou simplesmente quando queria te xingar e humilhar.,Na casa ,a prole e
até o papagaio chamava ele assim e aqueles parentes (da parte dela ,é claro)que
se achavam os donos da verdade também tiravam uma casquinha.
Rolha de poço!era assim que ele chamava
ela ,mas só em pensamento e ainda assim pensava bem baixinho .
Tudo começou quando Epaminondas ,que era um
homem de Deus,católico mas não muito frequente ,executivo de uma firma grande
com um salário bem grande também ofereceu carona pra sua secretária numa tarde
muito chuvosa .A danada era muito bonita com um belo par de coxas ,seu Nonô até
que deu uma olhadinha ,mas ficou na sua.
Mas teve um espírito de porco que achou por
bem contar pra dona Laudicéia Cristina (dona Cris ,também católica mais
frequente que o marido,porém o diabo habitava aquele corpo balofo que com o
tempo embalofou mais.
Ela passou a mão na cabeça e
gritou ....é isso que eu mereço seu traste ,chifre?
Desse dia em diante sua mansão passou a ser
a casa dos fundos junto com os ratos ,só entrava na casona pra fazer algum
serviço que os pamonhas dos filhos não sabiam fazer.
Chegou janeiro ,férias calor,a galera toda
foi pro nordeste ,menos seu Nonô e o papagaio.Lagosta, água de
coco,camarão,brisa gostosa,massa adiposa bronzeando,mas na hora de pagar a
conta ...danou-se,o cartão estava bloqueado.Ficaram os relógios e jóias pra
pagar a conta,a filha mais nova teve até que dar um beijinho no gerente pra ter
um desconto e voltaram pra casa no meio das férias.
Na garagem da casona tinha uma
caminhonetona da hora OKM as portas da casa nem adiantava tentar abrir,seu Nonô
trocou todas as fechaduras ,mas a casa dos fundos estava a inteira
disposição,seu Nonô só pediu pra não machucar os ratos pois ele tinha pego amor
nos bichinhos.
Mas agora está tudo bem,eles estão felizes na edícula,dona Cris os
parasitas e o papagaio.
Na casona,de caminhonete mais nova ainda
também está muito feliz o Pepezinho (apelido que ele ganhou da namoradinha
trinta anos mais nova que ele arranjou) mas isso eu não posso afirmar ,me
contaram.
valdirfachini53@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário