sábado, 12 de novembro de 2016

A Bíblia proibida


A Bíblia proibida

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Nos últimos dias, a intolerância religiosa serviu de debate, inclusive em tema de redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Ao mesmo tempo, Papa Francisco acelerava o processo de desarmamento entre igrejas cristãs fincadas em territórios divergentes.

Em 28 de outubro, o Papa Francisco compareceu à  Federação Luterana, na Suécia, pelos 500 anos da Reforma Protestante de Martinho Lutero. E repetiu o que já afirmara em outras ocasiões:  “Lutero levou a Bíblia às pessoas e elogiou sua defesa na mudança... Lutero deu um passo decisivo colocando a palavra de Deus nas mãos do povo. A importância das reformas e da Bíblia são dois dos elementos fundamentais nos quais podemos ter um apreço mais profundo ao falar da tradição luterana". Nem o Concílio Vaticano II, do Papa João XXIII, foi tão longe no plano ecumênico de entrar em território dos “irmãos separados”.

“Lutero levou a Bíblia às pessoas” – tem razão Papa Francisco, porque, durante séculos, a Igreja Católica não permitiu o acesso de leigos à leitura da Bíblia. Até nos seminários, só se aprendia a teologia, isto é, a interpretação da palavra de Deus, através da doutrina dos Santos Doutores da Igreja (Patrística), como Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho.

Além das barreiras impostas pelo Vaticano de acesso à leitura bíblica, outros motivos desestimulavam o contato com as Sagradas Escrituras: os livros bíblicos não seguiam a ordem que se vê, unidos todos numa mesma edição. Os textos eram escritos a mão, artisticamente belos, em couro bem curtido de animais (pergaminhos), vendidos a preços elevados. Ler pergaminho era privilégio da nobreza, à qual o clero servia. Qualquer obra literária adquirida custava o valor de um rebanho ou propriedade. Só privilegiados monges conservavam tais joias em mosteiros. Graças a eles, obras clássicas chegaram até nós. Ensina-se por aí que “o clero atravancou o progresso”, baseando-se na doutrina iluminista-marxista, apesar dos desacertos do Vaticano com a ciência.

Depois da invenção da imprensa, abriram-se escolas e universidades. O livro era bem mais barato do que os pergaminhos. Universidades mais prestigiadas da Europa foram fundadas pelo clero, como Sorbonne, de Padre Sorbonne. Mas a imbecilidade tenta desmistificar o mérito da Igreja.

Com o surgimento da imprensa de Gutemberg, os textos bíblicos organizaram-se em único volume. Mesmo assim, não estimulados à leitura pelo Vaticano, para despertar interpretações contrárias ao princípio de Santo Agostinho: “Roma falou, questão resolvida”. Foi do clero, porém que partiram divergências. Contra as ordens do Vaticano, Padre Jacques Lefévre, em 1530, traduziu a Bíblia em francês (latim era obrigatório), aproximando o povo das Escrituras. O alemão Padre Lutero seguiu-lhe os passos. Aí veio o cisma e a Reforma.


Há mais de dez anos, escrevi uma crônica, SÃO LUTERO, ORA PRO NOBIS. Acho que eu tinha razão. Não é Papa Francisco?    

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