sábado, 28 de janeiro de 2017

Humberto de Campos e suas Memórias


Humberto de Campos e suas Memórias (*)

Lourival Serejo (**)

O Instituto Geia tem prestado notável serviço à cultura maranhense com a publicação reiterada de obras novas e raras sobre temas do nosso interesse. São livros especiais que não encontrariam editora disponível para publicá-los, pelas regras do mercado editorial brasileiro. Talvez por isso mesmo é que o valor dessas obras se destaca.

Pertenço à Confraria dos Bibliófilos do Brasil, que se compraz exatamente em publicar, anualmente, as obras já esgotadas e que não encontrariam editoras dispostas a publicá-las. São publicações bem trabalhadas, que já se tornaram raridade entre os amigos dos livros. A propósito, seria até uma idéia para avaliação do Geia, tornar-se uma confraria de bibliófilos maranhenses.

Feitas essas observações, volto-me ao principal objetivo desta matéria: a homenagem que será prestada, hoje, no Festival Geia de Literatura, em São José de Ribamar, ao escritor maranhense Humberto de Campos, atirado no canto do esquecimento pela concorrência do mercado editoral e pelas nuances da vida literária. Alguns críticos ousariam acrescentar, pelas limitações do seu talento, também. Os livros escolhidos para essa homenagem patrocinada pelo Instituto Geia, reunidos num só volume, são os mais populares da sua vasta produção: “Memórias e Memórias inacabadas”.

Em vida, até o ano de sua morte (1934), Humberto de Campos era o escritor brasileiro mais lido, mais admirado, mais amado pelo público. Em recente crônica, publicada pelo suplemento literário “Ideias&Livros”, do Jornal do Brasil, Wilson Martins transcreve depoimento de José Olympio reconhecendo a contribuição de Humberto de Campos para o fortalecimento da Livraria José Olympio, em seus primeiros anos, graças à venda das obras daquele escritor.

A popularidade de Humberto de Campos era tão grande que no dia do seu falecimento, as portas do comércio do Rio de Janeiro fecharam-se em sinal de luto, sem que houvesse necessidade de decreto do governo. O luto não foi oficial, foi emocional. Mesmo sendo um homem infeliz, como se constata da leitura do seu “Diário Secreto”, Humberto de Campos consolava as pessoas com suas crônicas. Recebia inúmeras cartas de admiradores com solicitações de conselhos para suas dores e problemas. Aproveitava muitos desses clamores para transformá-los em crônicas. Para ele, porém, não vinha o consolo que esperava. Abatido pelo sofrimento, perguntava-se: Para quem escrevo?

Cresci ouvindo histórias de Humberto de Campos. Meus pais liam e reliam constantemente suas obras. Minha mãe, ao formar-se em Farmácia, na década de 30, foi trabalhar em Parnaíba, numa farmácia da família Veras. Ali, ouvia ao vivo as histórias do respeitável escritor. Foi ela que me descreveu o cajueiro do memorialista, cujo capítulo, inserido em seu livro de memórias, Carlos Heitor Cony considera a melhor crônica da literatura brasileira. Alguns apontam como causa do seu esquecimento o fato de não ter escrito romances, como Aluísio Azevedo. Até certo ponto pode ser verdade essa conclusão. Mas, e Coelho Neto, que tantos romances escreveu e hoje é tão esquecido como o autor de “Mealheiro de Agripa”?

Lançado ao público pela poesia (“Poeira”, 1910), foi, entretanto, pela crônica que Humberto de Campos notabilizou-se. A crônica é o gênero literário que atende os reclamos do momento, que reflete o sentimento do povo, que interpreta o cotidiano. Apesar de exigente em sua feitura, em sua forma de agradar o público, ela se esvai com sua publicação. Não tem a perenidade dos outros gêneros literários.

As crônicas que Humberto de Campos publicava, em diversos jornais, é que asseguravam seu pão diário. Como ele mesmo disse, era vendendo miolo do cérebro que ele conseguia miolo de pão.
As obras de Humberto de Campos foram publicadas pela Editora Jackson, em 29 volumes. A última edição é de 1960. Recentemente, adquiri uma coleção dessas, em um sebo de Cuiabá, pois a que possuía era incompleta. Em 1981, foi publicada uma coleção com apenas 10 volumes das suas obras, com o selo da editora Opus, que contava, em sua equipe editorial, com a presença de Humberto de Campos Filho.

As obras sobre Humberto de Campos são esparsas, mas sempre renovadas. Destaco cinco que são do meu conhecimento e posse, as quais tratam de dados biográficos e de sua produção literária: “Humberto de Campos”, de Macario de Lemos Picanço (Rio de Janeiro:Minerva, 1937); “O miolo e o pão”, publicado sob coordenação de Roberto Reis (Niterói (RJ): EDFF; Brasília: INL, 1986); “Irmão X, meu pai”, de Humberto de Campos Filho (São Paulo: Lumen Editorial, 1997); “Humberto de Campos, evocação de uma vida”, de Amparo Coêlho (São Luís, 2005); e “A crônica e seus diferentes estilos em Humberto de Campos”, de Roberta Scheibe (Imperatriz: Ética, 2008).

Os cursos de Letras, no Maranhão, deveriam incentivar a elaboração de monografias a respeito de Humberto de Campos, para manter vivo o interesse pelo poeta e cronista de Miritiba.

Por homenagear nosso grande escritor esquecido, por ter tido a sensibilidade de prestar tamanho serviço à cultura e às letras maranhenses, o Instituto Geia merece nossos aplausos e incentivos. Os admiradores de Humberto de Campos agradecem, e o Maranhão parabeniza o Geia.

(*) Publicado no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, em 27/08/2009. O autor é desembargador do TJ-MA, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras.

(**) Nas próximas semanas escreverei uma crônica sobre as circunstâncias que me levaram a localizar a vertente crônica na internet.

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