DEPOIMENTO SOBRE
M. PAULO NUNES
Alcenor Candeira
Filho
Recentemente
publiquei em portais/blogues piauienses um depoimento sobre Celso Barros Coelho
e agora desejo prestar um testemunho sobre outro grande intelectual piauiense,
também nonagenário e ex-presidente da Academia Piauiense de Letras – Manoel Paulo
Nunes -, que ao longo de sete décadas
tem-se dedicado como professor, técnico em assuntos educacionais, jornalista,
cronista, ensaísta e crítico literário a assuntos educacionais, culturais e
literários.
Publicou nessas
áreas inúmeros livros: A GERAÇÃO PERDIDA, A PROVÍNCIA RESTITUÍDA, O DISCURSO
IMPERFEITO, TRADIÇÃO E INVENÇÃO (4 volumes: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries), AS
SOLIDÕES JUSTAPOSTAS, MODERNISMO & VANGUARDA, TRADIÇÃO E INVENÇÃO, AS DUAS
FACES DE NOSSA CULTURA, A LIÇÃO DE GRACILIANO RAMOS, O FRACASSO DA EDUCAÇÃO
BRASILEIRA, além de outros.
Desde que
ingressou no Liceu Piauiense como professor, aos 22 anos de idade, Paulo Nunes vem se dedicando aos problemas da
educação no país, sobre os quais
publicou inúmeros trabalhos, destacando-se os inseridos nos livros A
GERAÇÃO PERDIDA (“Ensino Superior e Mercado de Trabalho”, “Formação do Pessoal
Docente para o Ensino do 1º e 2º Graus”, “Aspectos Renovadores da Reforma do
Ensino” e “Educação Média e Fundamental”) e
O FRACASSO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, que reúne estudos sobre um dos
maiores educadores do Brasil – Anísio Teixeira - e os artigos “Globalização e Burocratização
da Universidade”, “Aprovação Automática”, “Cristovam Buarque e Brás Cubas”,
“Toda Criança na Escola” e uma entrevista em que defende o ponto de vista de
que “uma prova não pode avaliar o sistema”.
Como confessa no
Prefácio do citado livro sobre o erro e o
fracasso na escola brasileira, Paulo Nunes se refere a algumas de suas
preocupações com a educação no Brasil, como os problemas da organização do sistema público de ensino; o da
inadequação do nosso ensino à realidade social do país; o da unidade e
diversidade dos sistemas educacionais; o da função inócua de nossas reformas educacionais; o do
centralismo burocrático e da descentralização ou regionalização do ensino
brasileiro.
Ainda na área da
educação, Paulo Nunes teve destacada atuação, como presidente da Fundação do
Ensino Superior do Piauí durante a tramitação do processo de constituição da
Fundação Universidade Federal do Piauí em 1969, na organização da entidade, o
que o credenciava a ser escolhido como o seu primeiro reitor. Mas injustamente
seu nome foi preterido, o que o levou ao seguinte desabafo transcrito no livro – CONVERSAS COM M. PAULO NUNES -
organizado pela professora Teresinha Queiroz: “Organizei a Universidade nos
moldes mais modernos possíveis [...]. Eu podia organizar a Universidade, só não
não podia dirigi-la porque era considerado subversivo para o pessoal do regime
militar dominante, e aí, segundo consta, fui vetado para dirigir a
Universidade”.
Nessa época já
era funcionário do Ministério da Educação e foi convidado para transferir-se
para Brasília. Como estava muito decepcionado com o que lhe acontecera no
Piauí, aceitou o convite.
Quis o destino,
que escreve certo por linhas tortas, que no MEC, em Brasília, exercesse
importantes funções: participação em comissões e assessorias, culminando com o
cargo de Assessor Especial do Ministro
da Educação.
Com a
aposentadoria, retornou no início da década de 90 ao Piauí, onde reside até
hoje e presidiu a Academia Piauiense de Letras e preside a partir de 1994 o
Conselho Estadual de Cultura.
No campo da
literatura, são notáveis suas
análises sobre Eça de Queirós, José Saramago, Graciliano Ramos, Manuel
Bandeira, Jorge Luís Borges e Pablo Neruda. Escreveu também com grande senso
crítico sobre expoentes da literatura piauiense, como Da Costa e Silva, O.G.
Rego de Carvalho, H. Dobal, Odilon Nunes e muitos outros.
Paulo Nunes se
autoproclama integrante da “Geração Perdida”, constituída por ele, José Maria Soares Ribeiro, H. Dobal,
Eustáchio Portella Nunes, Vítor
Gonçalves Neto e O. G. Rego de Carvalho. No
mencionado livro organizado por Teresinha Queiroz – CONVERSAS COM M. PAULO
NUNES – o escritor relembra:
“Eu considero o meu interesse de viver, de fazer as coisas, depois que
comecei a participar da minha geração. O encontro com a
minha geração – seis gatos pingados que discutiam literatura, filosofia
– um pequeno grupo que passou depois a se reunir na praça
Pedro II à noite, isso a partir de
1945”.
Paulo Nunes pôs
inclusive num de seus livros o título A GERAÇÃO PERDIDA.
A propósito,
lembro que em Portugal da 2ª metade do século XIX os intelectuais que
participaram da polêmica com Antônio Feliciano de Castilho conhecida como “Questão Coimbrã” ou “Questão
do Bom Senso e do Bom Gosto” (Eça de Queirós, Antero de Quental, Teófilo
Braga...) formaram o grupo dos “Vencidos da Vida”, que segundo Massaud Moisés, no terceiro volume da
obra PRESENÇA DA LITERATURA PORTUGUESA, era “uma espécie de agrupamento de
homens maduros a gozar com jantares galhofeiros a sensação dúbia do passar
irrecuperável do tempo”. Penso que em verdade essas gerações portuguesa e
piauiense deveriam, pelo legado que deixaram, ser chamadas de “Os Vencedores da
Vida” e “A Geração não Perdida”, respectivamente.
Na época em que
era presidida por M. Paulo Nunes, se não me falha a memória em 1995, a Academia
Piauiense de Letras promoveu com enorme sucesso o “Seminário sobre Modernismo e
Vanguarda”, tendo eu sido convidado para dele participar como um dos
expositores, com o tema “Vanguardas do Modernismo”.
Em fins do mesmo
ano, Paulo Nunes e Raimundo Nonato Monteiro de Santana reuniram-se em Parnaíba
comigo e o professor Lauro Andrade Correia, que era presidente da Academia
Parnaibana de Letras. Assunto principal: eleição para preenchimento da Cadeira
nº 19 da APL, vaga com o falecimento do parnaibano e extraordinário escritor
Renato Pires Castelo Branco. Os três achavam que a vaga deveria ser suprida por
um parnaibano e que eu deveria ser candidato. Como ainda era jovem para os
padrões acadêmicos, sugeri que a candidatura ideal seria a de Lauro Correia ou a de Assis
Brasil, parnaibanos mais velhos e com mais serviços prestados à cultura do que
eu. Mas o dr. Lauro, com a concordância dos visitantes, me convenceram a
candidatar-me. Fui eleito e empossado em 15 de março de 1996.
Na solenidade de
posse na Cadeira Nº 19 da Academia Piauiense de Letras o discurso de recepção
foi proferido pelo professor Paulo Nunes. Da sua bela peça oratória destaco e
transcrevo o momento em que ele se
refere com muita emoção ao “terrível episódio”
do assassinato de meu pai Alcenor Rodrigues Candeira em 1959, em
Parnaíba, com a omissão do meu poema “Passando em Revista”, citado na íntegra:
“Se pudesse acentuar, nestas breves considerações, os aspectos essenciais da poesia de Alcenor Candeira, diria que quanto à temática ela se cinge à preocupação social (...) , aliada ao tom fortemente elegíaco que no caso, ao que suponho, decorre da tragédia familiar por ele e por seus familiares dramaticamente vivida e sofrida. Esta nota reponta em vários de seus poemas e de forma contundente naquele poema elegíaco ‘Passando em Revista’ (...) em que expressa o sentimento de dor e de revolta, pelo assassinato de seu pai, terrível episódio que o colheu em sua meninice. Numa comovida homenagem a este excelente poeta que hoje aqui festivamente recebemos, transcrevo-lhe aquele seu poema:
(...)
A leitura deste poema convoca à memória o trágico poeta Garcia Lorca, um dos maiores deste século, assassinado, no início da Guerra Civil Espanhola, pelas milícias de Franco, em seu belo poema elegíaco ‘Llanto por Ignacio Sánchez Mejías’:
Destaco ainda nesse primoroso discurso o seguinte trecho:‘las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde
y el gentio rompia las ventanas
a las cinco de la tarde.
Ay que terribles cinco de la tarde!
Eran las cinco en todos los relojes!
Eran las cinco en sombra de la tarde!’”
“ Aqui, portanto, vos assentais hoje, em uma das cadeiras emblemáticas desta Academia, a de nº 19, que tem como patrono um dos nossos pró-homens, Antônio José de Saraiva e como ocupantes (...), e o último, o distinto companheiro, vosso amigo e conterrâneo, Renato Pires Castelo Branco (...), que tanto se empenhou pelo vosso ingresso nesta Casa.
Devo constar a propósito um episódio de que fui protagonista. Quando presidente desta Casa, o único pedido de voto por mim recebido foi em vosso favor e feito por aquele querido e saudoso amigo . Devo dizer-lhe, valha a verdade, que não faltei ao seu apelo”.
Encerro este
trabalho com mais uma curiosa revelação: a partir de minha posse, eu e Paulo
Nunes conversamos por telefone sobre cada disputa eleitoral na Academia, num
total de vinte, e sempre nossos votos têm sido dados ao mesmo candidato. É o que acontecerá na eleição a ser realizada em breve para preenchimento da Cadeira Nº 24, vaga com a morte de Paulo
de Tarso Mello e Freitas. Coincidência?
Talvez, mas sobretudo prova insofismável da sintonia existente entre nós.
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