sexta-feira, 28 de abril de 2017

DEPOIMENTO SOBRE M. PAULO NUNES


DEPOIMENTO SOBRE M. PAULO NUNES

         Alcenor Candeira Filho

     Recentemente publiquei em portais/blogues piauienses um depoimento sobre Celso Barros Coelho e agora desejo prestar um testemunho sobre outro grande intelectual piauiense, também nonagenário e ex-presidente da Academia Piauiense de Letras – Manoel Paulo Nunes -, que ao longo  de sete décadas tem-se dedicado como professor, técnico em assuntos educacionais, jornalista, cronista, ensaísta e crítico literário a assuntos educacionais, culturais e literários.

     Publicou nessas áreas inúmeros livros: A GERAÇÃO PERDIDA, A PROVÍNCIA RESTITUÍDA, O DISCURSO IMPERFEITO, TRADIÇÃO E INVENÇÃO (4 volumes: 1ª, 2ª, 3ª e 4ª séries), AS SOLIDÕES JUSTAPOSTAS, MODERNISMO & VANGUARDA, TRADIÇÃO E INVENÇÃO, AS DUAS FACES DE NOSSA CULTURA, A LIÇÃO DE GRACILIANO RAMOS, O FRACASSO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, além de outros.

     Desde que ingressou no Liceu Piauiense como professor, aos 22 anos de idade,  Paulo Nunes vem se dedicando aos problemas da educação no país, sobre os quais  publicou inúmeros trabalhos, destacando-se os inseridos nos livros A GERAÇÃO PERDIDA (“Ensino Superior e Mercado de Trabalho”, “Formação do Pessoal Docente para o Ensino do 1º e 2º Graus”, “Aspectos Renovadores da Reforma do Ensino” e “Educação Média e Fundamental”) e  O FRACASSO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA, que reúne estudos sobre um dos maiores educadores do Brasil – Anísio Teixeira -  e os artigos “Globalização e Burocratização da Universidade”, “Aprovação Automática”, “Cristovam Buarque e Brás Cubas”, “Toda Criança na Escola” e uma entrevista em que defende o ponto de vista de que “uma prova não pode avaliar o sistema”.

     Como confessa no Prefácio do citado livro sobre o erro e o  fracasso na escola brasileira, Paulo Nunes se refere a algumas de suas preocupações com a educação no Brasil, como os problemas da organização  do sistema público de ensino; o da inadequação do nosso ensino à realidade social do país; o da unidade e diversidade dos sistemas educacionais; o da função inócua  de nossas reformas educacionais; o do centralismo burocrático e da descentralização ou regionalização do ensino brasileiro.

     Ainda na área da educação, Paulo Nunes teve destacada atuação, como presidente da Fundação do Ensino Superior do Piauí durante a tramitação do processo de constituição da Fundação Universidade Federal do Piauí em 1969, na organização da entidade, o que o credenciava a ser escolhido como o seu primeiro reitor. Mas injustamente seu nome foi preterido, o que o levou ao seguinte desabafo transcrito no  livro – CONVERSAS COM M. PAULO NUNES - organizado pela professora Teresinha Queiroz: “Organizei a Universidade nos moldes mais modernos possíveis [...]. Eu podia organizar a Universidade, só não não podia dirigi-la porque era considerado subversivo para o pessoal do regime militar dominante, e aí, segundo consta, fui vetado para dirigir a Universidade”. 
     
Nessa época já era funcionário do Ministério da Educação e foi convidado para transferir-se para Brasília. Como estava muito decepcionado com o que lhe acontecera no Piauí, aceitou o convite.
  
   Quis o destino, que escreve certo por linhas tortas, que no MEC, em Brasília, exercesse importantes funções: participação em comissões e assessorias, culminando com o cargo de  Assessor Especial do Ministro da Educação.

     Com a aposentadoria, retornou no início da década de 90 ao Piauí, onde reside até hoje e presidiu a Academia Piauiense de Letras e preside a partir de 1994 o Conselho Estadual de Cultura.

     No campo da literatura, são notáveis suas análises sobre Eça de Queirós, José Saramago, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Jorge Luís Borges e Pablo Neruda. Escreveu também com grande senso crítico sobre expoentes da literatura piauiense, como Da Costa e Silva, O.G. Rego de Carvalho, H. Dobal, Odilon Nunes e muitos outros.
    
     Paulo Nunes se autoproclama integrante da “Geração Perdida”, constituída por  ele, José Maria Soares Ribeiro, H. Dobal, Eustáchio Portella Nunes,  Vítor Gonçalves Neto e O. G. Rego de Carvalho. No  mencionado livro organizado por Teresinha Queiroz – CONVERSAS COM M. PAULO NUNES – o escritor relembra:
                                          
        “Eu considero o meu interesse de viver, de fazer as coisas, depois que comecei a participar                  da minha geração. O encontro com a minha geração – seis gatos pingados que discutiam                       literatura, filosofia – um pequeno grupo que passou depois a se reunir na praça Pedro II à                    noite, isso a partir  de 1945”.

     Paulo Nunes pôs inclusive num de seus livros o título A GERAÇÃO PERDIDA.

     A propósito, lembro que em Portugal da 2ª metade do século XIX os intelectuais que participaram da polêmica com Antônio Feliciano de Castilho  conhecida como “Questão Coimbrã” ou “Questão do Bom Senso e do Bom Gosto” (Eça de Queirós, Antero de Quental, Teófilo Braga...) formaram o grupo dos “Vencidos da Vida”, que  segundo Massaud Moisés, no terceiro volume da obra PRESENÇA DA LITERATURA PORTUGUESA, era “uma espécie de agrupamento de homens maduros a gozar com jantares galhofeiros a sensação dúbia do passar irrecuperável do tempo”. Penso que em verdade essas gerações portuguesa e piauiense deveriam, pelo legado que deixaram, ser chamadas de “Os Vencedores da Vida” e “A Geração não Perdida”, respectivamente.

     Na época em que era presidida por M. Paulo Nunes, se não me falha a memória em 1995, a Academia Piauiense de Letras promoveu com enorme sucesso o “Seminário sobre Modernismo e Vanguarda”, tendo eu sido convidado para dele participar como um dos expositores, com o tema “Vanguardas do Modernismo”.

     Em fins do mesmo ano, Paulo Nunes e Raimundo Nonato Monteiro de Santana reuniram-se em Parnaíba comigo e o professor Lauro Andrade Correia, que era presidente da Academia Parnaibana de Letras. Assunto principal: eleição para preenchimento da Cadeira nº 19 da APL, vaga com o falecimento do parnaibano e extraordinário escritor Renato Pires Castelo Branco. Os três achavam que a vaga deveria ser suprida por um parnaibano e que eu deveria ser candidato. Como ainda era jovem para os padrões acadêmicos, sugeri que a candidatura ideal  seria a de Lauro Correia ou a de Assis Brasil, parnaibanos mais velhos e com mais serviços prestados à cultura do que eu. Mas o dr. Lauro, com a concordância dos visitantes, me convenceram a candidatar-me. Fui eleito e empossado em 15 de março de 1996.

     Na solenidade de posse na Cadeira Nº 19 da Academia Piauiense de Letras o discurso de recepção foi proferido pelo professor Paulo Nunes. Da sua bela peça oratória destaco e transcrevo  o momento em que ele se refere com muita emoção ao “terrível episódio”  do assassinato de meu pai Alcenor Rodrigues Candeira em 1959, em Parnaíba, com a omissão do meu poema “Passando em Revista”, citado na íntegra:

          “Se pudesse acentuar, nestas breves considerações, os aspectos essenciais da poesia de Alcenor Candeira, diria que quanto à temática ela se cinge à preocupação social (...) , aliada ao tom fortemente elegíaco que no caso, ao que suponho, decorre da tragédia familiar por ele e por seus familiares dramaticamente vivida e sofrida. Esta nota reponta em vários de seus poemas e de forma contundente naquele poema elegíaco ‘Passando em Revista’ (...) em que expressa o sentimento de dor e de revolta, pelo assassinato de seu pai, terrível episódio que o colheu em sua meninice. Numa comovida homenagem a este excelente poeta que hoje aqui festivamente recebemos, transcrevo-lhe aquele seu poema:
(...)

A leitura deste poema convoca à memória o trágico poeta Garcia Lorca, um dos maiores deste século, assassinado, no início da Guerra Civil Espanhola, pelas milícias de Franco, em seu belo poema elegíaco ‘Llanto por Ignacio Sánchez Mejías’:

‘las heridas quemaban como soles
a las cinco de la tarde
y el gentio rompia las ventanas
a las cinco de la tarde.
Ay que terribles cinco de la tarde!
Eran las cinco en todos los relojes!
Eran las cinco en sombra de la tarde!’”
           Destaco ainda nesse primoroso discurso o seguinte trecho:

“ Aqui, portanto, vos assentais hoje, em uma das cadeiras emblemáticas desta Academia, a de nº 19, que tem como patrono um dos nossos pró-homens, Antônio José de Saraiva e como ocupantes (...), e o último, o distinto companheiro, vosso amigo e conterrâneo, Renato Pires Castelo Branco (...), que tanto se empenhou pelo vosso ingresso nesta Casa.
Devo constar a propósito um episódio de que fui protagonista. Quando presidente desta Casa, o único pedido de voto por mim recebido foi em vosso favor e feito por aquele querido e saudoso amigo . Devo dizer-lhe, valha a verdade, que não faltei ao seu apelo”.

    Encerro este trabalho com mais uma curiosa revelação: a partir de minha posse, eu e Paulo Nunes conversamos por telefone sobre cada disputa eleitoral na Academia, num total de vinte, e sempre nossos votos têm sido dados ao mesmo candidato.  É o que acontecerá na  eleição a ser realizada em breve para preenchimento  da Cadeira Nº 24, vaga com a morte de Paulo de Tarso Mello  e Freitas. Coincidência? Talvez, mas sobretudo prova insofismável da sintonia existente entre nós.     

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