De Celorico de Basto ao sertão de Parnaguá: a trajetória da família Carvalho da Cunha nos séculos XVII e XVIII
Reginaldo Miranda *
No norte de Portugal, distrito de
Braga, província do Minho, fica o concelho de Celorico de Basto, fundado em 29
de março de 1520, por Foral de D. Manuel I, atualmente com área de 181,07 km² e
população de 20.098 habitantes. Está subdividido em 15 (quinze) freguesias, a
saber: Agilde, Arnoia, Basto (S. Clemente), Borba da Montanha, Britelo-Gémos -
Ourilhe, Caçarilhe-Infesta, Canedo de Basto-Corgo, Carvalho-Basto Santa Tecla,
Codeçoso, Fervença, Moreira do Castelo, Rego, Ribas, Vale de Bouro e
Veade-Gagos-Molares.
Uma das famílias mais antigas e
numerosas desse concelho, habitando sobretudo as freguesias de Veade, Gagos,
Molares e Caçarilhe, é a Carvalho da Cunha. No período estudado, ela
encontrava-se tão disseminada por essas pequenas freguesias que era ali difícil
encontrar-se alguém que não fosse a ela aparentada.
Em julho de 1729, quando o padre
Jerônimo Guedes de Miranda, comissário do Santo Ofício em Portugal, apurava a
pureza de sangue de Paulo Carvalho da Cunha naquelas contíguas freguesias de
sua origem, declarou aos seus superiores que “estava tão espalhada esta família
por todas aquelas freguesias, que poucas testemunhas se achariam que não fossem
parentes, ou parentes dos parentes, o que comprova com todas as abaixo numeradas”, a saber: testemunhas de
Santo André de Molares: Gaspar da Cunha, Torcato da Motta, Manoel da Cunha, Pe.
Luís Cardoso Ozório, Pe. Fr. André do Rego, Gaspar Carvalho, Gaspar Teixeira do
Combro e Damião Carvalho; testemunhas da freguesia de Santiago de Gagos:
Ignácio Machado de Andrade, Antônia da Cunha (viúva de Lucas Teixeira), Manoel Coelho,
Antônio da Costa, Lourenço Carvalho, Senhorinha da Silva, Pe. Luís Vieira de
Andrade, vigário de Gagos e natural da mesma freguesia; testemunhas da
freguesia de São Miguel de Caçarilhe: Domingos Gonçalves, Francisco Gonçalves,
Antônio da Silva.
A título exemplificativo,
indicamos os nomes e dados de mais alguns membros dessa distinta família que
permaneceram radicados em Portugal:
Pe. Francisco de Carvalho da
Cunha, vigário na freguesia de São Martinho do Vale de Bouro, concelho de
Celorico de Basto, filho de Amador Gonçalves Garcia, natural do lugar do Souto,
freguesia de São Martinho de Godois e sua mulher Maria Carvalho da Cunha, ela
natural e ambos moradores no lugar de Requeixo, da mesma freguesia; neto
paterno de Domingos Gonçalves e de sua mulher Maria Gonçalves, moradores que
foram no lugar do Souto, freguesia de São Martinho de Godois, do dito concelho;
neto materno de Paulo Carvalho da Cunha, natural do lugar de Fermil, da
freguesia de Anto André de Molares e de sua mulher Helena Teixeira, moradores
do referido lugar de Requeixo, da freguesia de São Martinho do Vale de Bouro,
de onde ela era natural, todos de limpo sangue, cristãos velhos e ocupantes do
cargos nobres do lugar. Familiar do Santo Ofício(1686).
Manoel Carvalho da Cunha, mercador
na Rua do Souto, cidade de Braga, natural e batizado na freguesia de Vila Nune
com o nome de Gervásio, depois no crisma mudado para Manoel, filho de Jorge
Gonçalves e de sua mulher Maria Carvalho, do lugar de São Mamede, freguesia de
Santa Maria de Canhedo, concelho de Cerolico de Basto; neto paterno de Pedro
Gonçalves e de sua mulher Senhorinha Francisca, do lugar da Roçada, freguesia
de Santo André e Vila Nunes, concelho de Cerolico de Basto; neto materno de
Paulo Carvalho e sua mulher Maria Gonçalves, do lugar de São Mamede, freguesia
de Canhedo; casado com Luiza de Araújo, filha de Domingos Antunes e de sua
mulher Antônia Francisca, moradores de São Miguel do anjo da cidade de Braga;
Familiar do Santo Ofício (1692)
Tão antiga e numerosa, era
natural que muitos de seus membros passassem ao Brasil. Foi pioneiro nessa
migração o negociante e capitão-mor Baltasar Carvalho da Cunha, que fixou
residência em Salvador, onde ocupou o cargo de Tesoureiro do Estado do Brasil,
no governo de Matias da Cunha, talvez seu parente. Foi esse rico negociante
português, talvez também aliado da Casa da Torre, quem financiou e trouxe
muitos parentes para colonizarem o termo de Parnaguá, onde situaram muitas
fazendas, inclusive para ele investidor.
Fazendo uma ligeira análise da
documentação disponível, encontramos o nome das seguintes pessoas dessa
família, naturais de Celorico de Basto, habitando e/ou proprietárias no sertão
de Parnaguá, entre o último decênio do século XVII e primeira metade do século
seguinte, tudo antes da instalação da capitania do Piauí(1759):
1.Capitão Baltazar Carvalho da
Cunha, Tesoureiro do Estado do Brasil, conforme dissemos residia em Salvador,
onde era abastado negociante, mas foi quem liderou a colonização do vale do rio
Paraim, sertões de Parnaguá e parte do Gurgueia, mandando buscar e financiando
a vinda de muitos parentes, sobretudo sobrinhos, que instalaram diversas
fazendas em Parnaguá.
2. Manuel Álvares de Sousa,
capitão-mor de São Francisco do Rio Grande, familiar do Santo Ofício, residente
em Parnaguá, que então pertencia àquela freguesia, foi quem conquistou,
desbravou e colonizou o vale do rio Paraim, a partir de 1688; embora o nome não
diga, era sobrinho do capitão Baltasar Carvalho da Cunha, natural de Celorico
de Basto, como todos os seus demais parentes, e foi por ele trazido para o
Brasil.
3.Em 17 de junho de 1727, Duarte
Carvalho da Cunha recebe em sesmaria o sítio Riacho, na povoação de Parnaguá.
4.Em 24 de maio de 1729, na
referida povoação, Antônio Carvalho da Cunha recebe o sítio Iberaba.
5.Francisco Carvalho da Cunha
recebe o sítio Santo Antônio
6.José Carvalho o sítio Cacimbas.
7.Matias da Cunha o sítio
Reviradouro.
8.Martinho Carvalho da Cunha o
sítio Itaboca.
9.Paulo Carvalho da Cunha, também
foi capitão-mor de Parnaguá e familiar do Santo Ofício, recebe em sesmaria o
lugar Riacho Frio. Era sobrinho do capitão Baltasar Caravalho da Cunha, que o
trouxe de Celorico de Basto e o financiou e seu estabelecimento em Parnaguá.
10.José da Cunha recebe em
sesmaria o sítio Cacual.
11.Baltazar Carvalho da Cunha(2º
do nome) recebe o sítio Serra.
12.Em 18 de junho de 1742, são
concedidas a Luísa da Cunha Carvalho a fazenda Micho.
13.Em 22 do mesmo mês e ano, foi
concedida a Maria da Cunha Carvalho, a fazenda Jacaré.
14.Maria da Cunha Ferreira, a
fazenda Campos de Baixo.
15.Teresa da Cunha Carvalho, a
Fazenda de Cima.
16.Em 25, a fazenda dos Matos, a
Serafina da Cunha Carvalho.
17.Em 26, o sítio São Francisco
da Corrente, a José Carvalho da Cunha (anteriormente, encontramos terras
concedidas a José carvalho e a José da Cunha, todas em Parnaguá, não sabendo
informar se se trata da mesma pessoa, razão pela qual anotamos das três formas
encontradas).
8.Em 29 do mês o mês e ano, foi concedido
o sítio Nazaré, na mesma ribeira, a Marcos Fernandes da Cunha.
19.Em 1746, Manuel da Cunha de
Carvalho vai ser agraciado com sesmarias (teve ele um homônimo que foi familiar
do Santo Ofício, em Portugal).
20.Em 1746, Joaquim Carvalho da
Cunha também vai ser agraciado com sesmarias.
21.Gaspar Carvalho da Cunha,
sesmaria no distrito de Parnaguá(1747).
22.Pe. João Ribeiro de Carvalho,
vigário de Parnaguá, era parente dos principais moradores do lugar, segundo um
documento da época que referia-se a uma rixa que tinha ele com o então
capitão-mor de Antônio Gomes Leite(1745).
Além desses, eram muito ligados a
essa família mais dois pioneiros de Parnaguá, cujos nomes declinamos como linha
de pesquisa:
23.Pe. Valentim Tavares de Lira,
presbítero do Hábito de São Pedro, vigário de Parnaguá por provisão de 1745;
foi ele quem casou, em 1754, D. Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco com o
ouvidor José Marques da Fonseca, fato que gerou grande polêmica em ace do
impedimento do ouvidor, que não podia casar-se sem licença real; era irmão de
Sebastião Tavares de Lira, outro pioneiro que desempenhou importante papel na
conquista daquela região.
24.Em 28, o sítio Paraim foi
concedido a Antônio Luís dos Reis, que, parece vai casar-se na referida família
Carvalho da Cunha.
Depois de levantar todos esses
nomes em fonte primária, localizei na obra do padre Cláudio Melo, mais as
seguintes pessoas dessa família naturais ou residindo nos sertões de Parnaguá,
durante o período colonial:
25. O padre Cláudio Melo, em seu
livro Fé e Civilização, se refere a D. Maria da Cunha, casada com José
Francisco de Figueiredo, sendo pais do padre Francisco Xavier de Figueiredo,
ordenado em São Luís; ao Pe. José da Cunha d’Eça, português radicado em
Parnaguá, ordenado em São Luís(c. 1724); aos padres Luís Francisco de
Figueiredo e José Francisco de Figueiredo, todos ordenados em São Luís.
26. Pe. Duarte da Cunha Ferreira,
assistente em Parnaguá, solicita uma sesmaria no Mucambo da Itaboca, onde
estava instalado com gados e escravos(1741).
27. Pe. Manuel José da Cunha,
parente das principais pessoas de Parnaguá(1742). Em 1743 recebeu Provisão de
Capelão da Capela de N. Sra. da Conceição do Corrente.
28.Caetano Carvalho da Cunha,
pode ter sido o idealizador daquele monumento religioso que sacralizou a obra
daqueles pioneiros(Pe. Cláudio Melo).
29. Manuel Ribeiro da
Cunha(1760).
30. Não menos antiga que a Capela
do Corrente é a Capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso no Curimatá. As primeiras
notícias sobre o Getí remontam a 1717, quando Damásio de Carvalho Mourão
aparece como seu primeiro proprietário. Crê-se que a Capela é obra do
capitão-mor Manuel Marques Padilha do Amaral e, conforme Pereira da Costa, foi
construída em 1741. Apenas sei que em 1745 o Pe. Duarte da Cunha Freire foi
nomeado Capelão de lá. Parece que esta Capela ficou depois sem Capelão, pois
não mais encontrei qualquer provisão para lá, afirma o historiador e padre
Cláudio Melo.
Mais tarde, chegaria àquela
região o também português(de Lustosa) José da Cunha Lustosa, que deixou
ilustrada descendência, inclusive o marquês de Paranaguá e os barões de Paraim
e de Santa Filomena. É tido por parente desses pioneiros, o que ainda necessita
de comprovação.
Com essas notas divulgamos
importantes revelações sobre a família Carvalho da Cunha, natural do concelho
de Celorico de Basto, que foi pioneira na conquista e colonização do termo de
Parnaguá, inclusive na fundação da vila de mesmo nome, hoje uma importante
comuna do extremo-sul piauiense. Faz parte de um esforço para escrever uma
ampla genealogia piauiense, que contemple o maior número de famílias que
povoaram e construíram a nossa identidade. Também, com a intenção de servir de
suporte para outros historiadores e genealogistas interessados, fazerem a
recomposição da história dessa notável família de conquistadores que prestou
relevantes serviços a Portugal, ao Brasil e, sobretudo, ao Piauí.
* REGINALDO MIRANDA, advogado,
escritor, é membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico do Piauí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário