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Tremembés: senhores do litoral
Reginaldo Miranda
Historiador e membro da APL
Desde priscas eras viviam os
Tremembés como senhores do litoral piauiense e se expandindo desde a costa do
Ceará à do Maranhão. Numerosos e repartidos em diversos subgrupos, a exemplo de
Potis, Crateús e Aranhis, dominavam extensa faixa norte até a bacia do rio
Poti. Os Tremembés propriamente ditos se dividiam em diversas aldeias em torno
do delta parnaibano e costa litorânea. Eram índios tapuias, na antiga
classificação geral dos jesuítas e primeiros viajantes, depois reclassificados
no grupo Caribe. Guerreiros audazes e hábeis nadadores, nunca permitiram aos
Tupis tomarem suas terras, como fizeram nas outras faixas litorâneas. Foi a
força numérica e espírito rebelde do Tremembé, a nosso ver, um dos fatores que
dificultaram a fixação do elemento português no norte, retardando a ocupação
branca e, assim, determinando a colonização da bacia oriental do Parnaíba pelo
sul.
Os Tremembés fizeram-se valiosos
aliados dos franceses, com quem comerciavam desde o século XVI. Esse fato,
certamente facilitou o estabelecimento dos franceses no Maranhão, em sua
segunda tentativa de fixação em terras brasileiras, e onde fundaram a França
Equinocial(1612 – 1615), sob o comando dos senhores de La Ravardière e de
Razilly, ficando o apostolado indígena sob responsabilidade de missionários
capuchinhos. Essa região, até então, era praticamente desconhecida dos
portugueses, que a reconquistaram em novembro de 1615, em lutas sob o comando
de Jerônimo de Albuquerque que, então se tornou governador do Maranhão. Porém,
esse governador traiu a paz celebrada com os Tremembés em 1613, através de seu
lugar-tenente Gabriel Soares de Sousa e escravizou algumas aldeias dessa nação.
É que as acusaram de devorarem alguns soldados que por terra haviam fugido do Maranhão
para Pernambuco. Todavia, para provar o desatino dessa retaliação intempestiva,
algum tempo depois esses soldados desertores chegaram ao seu destino. Por esse
tempo, Pero Coelho de Sousa, que também lutou na reconquista portuguesa, ao
regressar do Parnaíba e para compensar-se de algumas perdas, cometeu a traição
e vileza de reduzir à escravidão alguns Tremembés aliados que haviam lutado ao
seu lado. Em face dessa traição revoltam-se novamente os Tremembés, cortando as
comunicações por terra entre o Maranhão e Ceará. E por mar era dificílimo esse
percurso, em face dos ventos que traziam facilmente ao Maranhão, mas
dificultavam o percurso contrário. Foi nesse contexto criado o Estado do
Maranhão em 1621, independente do Brasil e subordinado diretamente a Lisboa.
Enquanto isso os Tremembés continuaram a comerciar com os franceses, mesmo após
sua expulsão do Maranhão.
E com o estabelecimento dos
holandeses em Pernambuco, não tardam a manter contatos com os Tremembés, com
quem celebram paz em 1649, através de Matias Beck. E desde então passaram a
praticar comércio e trabalhar em busca de minérios. Essa atividade foi
interrompida em 1652, com a expulsão dos holandeses. Mesmo assim permanecem com
alguns contatos esporádicos até 1656. Pode-se dizer, então, que os Tremembés
ofereceram sempre resistência à dominação portuguesa, de forma que retardaram
seu processo de ocupação do norte do Piauí.
Somente em 1656, é que os
Tremembés vão celebrar paz definitiva com os portugueses, graças à ação
evangelizadora do erudito padre Antônio Viera. É que este grande apóstolo do
norte orientou o governador André Vidal de Negreiros, a perdoar os delitos
cometidos pelos índios em face de sua aliança com os holandeses, propondo-lhes
paz e os exortando a receberem os padres jesuítas. Foi emissário dessa proposta
o cacique Muririba, chefe Tabajara, que, após alguma demora retornou com
sucesso. Estava estabelecida a paz de portugueses e Tremembés e aberto o
caminho por terra entre os dois estados portugueses. Logo mais, alguns religiosos,
depois o padre Vieira e o próprio governador André Vidal de Negreiros vão
atravessar o território piauiense, esse último em busca de Pernambuco, sua
terra natal, quando findou seu governo no Maranhão.
A paz com os portugueses ávidos
por terras pode ser caracterizado como o grande marco do declínio desses índios
do norte do Piauí e Ceará. Acelera-se o processo de confinamento em missões
jesuíticas e a ocupação de seu território. Por esse tempo, Domingos Jorge Velho
vindo pela árida fronteira pernambucana se estabelece na bacia do Poti e os
baianos e pernambucanos já vinham entrando pelo sul. Ao mesmo tempo ou pouco
depois tem início a conquista do norte. Os Tremembés nem de longe eram sombra
do que representaram no passado. E o acelerado processo de extermínio não
permitiu ultrapassarem o segundo quartel do século seguinte. Extinguia-se,
assim, mais uma nação indígena piauiense.
(Artigo publicado no jornal Meio
Norte, coluna Presença da Academia, edição de 29.06.2007.)
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