A arte fotográfica de Valdeci Ribeiro
Elmar Carvalho
Tomei conhecimento pela TV de que Valdeci Ribeiro de Carvalho,
conterrâneo e irmão maçônico, havia publicado o livro Piauí – sertão rio mar, referto
de belas fotografias de paisagens de diferentes rincões piauienses, do sul ao
norte. Foram exibidos alguns slides de suas páginas. Logo percebi a alta
qualidade de sua programação visual, a sua bela diagramação, a rigorosa escolha
das fotografias, bem como a perfeita nitidez da impressão, mercê de um
excelente projeto gráfico, com a utilização, sem dúvida, de equipamentos de
última geração.
Sexta-feira adquiri um exemplar, numa das livrarias de
Teresina. Ante sua beleza e qualidade de seu acabamento gráfico e impressão,
tomei o desiderato de emitir breves considerações sobre esse livro/álbum.
Embora não seja versado em fotografia, tenho lido, ao longo dos anos, alguma
coisa a respeito dessa manifestação artística.
Na parte formal e material, posso dizer que a obra apresenta
capa dura e formato grande (aprox. 30cm x 30cm), e certas fotografias ocupam
duas páginas, mas sem prejuízo de sua perfeita apreensão visual. O papel é de
altíssima qualidade e de espessura adequada ao formato gráfico (couchê furioso
150 g/m²). Todas as fotografias são em policromia. Foi impresso em maio deste
ano, em São Paulo, pela Gráfica e Editora Ipsis. Não percebi nenhuma
imperfeição no serviço de impressão e diagramação. Todas as páginas se
apresentam nítidas e sem manchas ou falhas. Até o processo de colagem de
páginas na lombada é o que de melhor e mais consistente existe.
Em suas páginas preambulares a obra apresenta comentários de
Renata Junqueira de Azevedo (Os bons ares do Piauí) e de João Cláudio Moreno
(Valdeci Ribeiro e a visão concentrada do Piauí), bem como do próprio autor, em
que ele consigna o seu fascínio pela beleza da paisagem piauiense, desde tenra
idade:
“Nasci piauiense, numa vila chamada
Passagem do Meio, interior de Campo Maior. Da casa grande do meu avô, numa
pequena colina, pode-se contemplar quase toda a vila: as demais casas, a
capela, o cemitério, os currais, animais pastando e todo um vale, onde passa um
riacho escondido por oiticicas centenárias. Mais ao longe, a serra e o rio
circundam-na como se quisessem esconder e preservar a magia daquele lugar.
Vivi naquela vila até os quatro anos
de idade. Depois fui morar em Campo Maior, cidade cuja natureza é composta por
campinas, extensos carnaubais, a Serra de Santo Antônio e por rios da Bacia do
Longá.
O íntimo contato com a natureza,
durante minha infância e adolescência, ocorreu nestes dois lugares, marcando
indelevelmente minha memória afetiva e minha ligação com a mesma.”
Do seu depoimento acima, podemos depreender que essa paisagem
parece ter ficado impregnada em sua alma e em sua retentiva de forma
inapagável, como gravada a fogo através de pirogravura policromática. E tudo
isso, mais tarde, sobretudo em sua maturidade, seria expresso em sua pintura
fotográfica. Disse pintura fotográfica porque as fotografias de Valdeci Ribeiro
para mim têm status de verdadeiras pinturas, conforme adiante demonstrarei.
Julgo oportuno transcrever as seguintes palavras de João
Cláudio, extraídas do texto a que me referi acima:
“Mas voltemos ao exótico detalhe do
médico fotógrafo que não é radiologista, mas gastroenterologista. Valdeci foi
um desbravador no âmbito de sua especialidade dentro do Piauí. Talvez tenha
sido um dos primeiros, se não o primeiro, a investir em alta tecnologia nos
exames endogástricos. Inventou pioneiramente na sua terra a endoscopia
digestiva. (...) Ele vai para as entranhas. (...) Todas as imagens remetem ao
estômago: cavernas inimagináveis, surpreendentes; enormes extensões dentro de
pedras; o cânion do Rio Poti com milhares, talvez milhões, de informações; o
imperceptível camuflado no intestino do delta, só possível e passível de ser
visto se na interioridade da complicada e labiríntica reentrância de seus
igarapés; flora e fauna exuberantes no sagrado santuário escondido.”
O fotógrafo foi gestado ainda nos seus primeiros anos, ao
contemplar as esplêndidas paisagens de Campo Maior, paisagens que ele, depois,
exaltaria através de sua arte, e que eu também louvei em meus versos. As
imagens dos exames endogástricos, que ele produzia, na condição de
gastroenterologista, como insinua João Cláudio, podem ter contribuído para ele
se tornar o grande fotógrafo da natureza, que ele veio a se tornar,
propiciando-lhe a acuidade visual, o cuidado com os detalhes, a atenção
meticulosa para com as singularidades, que fazem toda a diferença entre um Mestre
e um mero mela-tintas ou um tosco borra-botas.
Sempre admirei (apesar de lhes ter certa repulsa) a paciência
de um caçador, que “cochila” na mira, para a precisão do disparo; que espera
toda uma noite, para conseguir o seu objetivo. Valdeci parece ter essa mesma
paciência, parece possuir igual persistência. Ainda bem que a sua “arma” é
apenas uma boa e inofensiva câmera fotográfica, e não uma espingarda bate-bucha
ou sofisticado rifle. Aliás, diante das atuais leis ecológicas e de uma mais
apurada sensibilidade ambientalista, as armas de fogo para caçadas estão sendo
aposentadas ou trocadas por máquinas de “caçar” imagens da fauna e da flora. Com
relação a animais silvestres, conquanto não seja a sua especialidade, creio,
conseguiu um surpreendente flagrante de variadas espécies de aves a esvoaçarem,
dos mais variados tamanhos e coloração. Em outro feliz momento, logrou
fotografar um coreográfico voo de rubros guarás sobre um exuberante manguezal.
Valdeci se esmera em aguardar o momento mais adequado de
luminosidade, em procurar o melhor ângulo, para conseguir o resultado que
deseja. Em busca da angulação desejada, vira a câmera um pouco mais para a
direita ou um pouco menos para esquerda; inclina-a um tanto para cima ou um
pouco menos para baixo, quando não opta por um tiro certeiro frontal e
“mortal”. Nesse mister, adota, sem dúvida, as mais incômodas e cansativas
posições, conforme o lugar em que se encontra e a angulação desejada. Como
disse, são esses pormenores, essas graduações de “tempero” que distinguem um
verdadeiro artista de um simples e bisonho diletante.
Acentuo que ele, além de ser exímio fotógrafo de abertos e
dilatados panoramas de serras, campinas e florestas, também se esmera nas
fotografias de detalhes, seja de uma gruta, de um cânion, ou de um paredão
rochoso. Nisso aguarda a iluminação adequada e procura a coloração, a distância,
a angulação e textura que lhe convém. Com isso, com esses cuidados e arranjos metódicos
conseguiu produzir fotografias, que na verdade podem ser consideradas
verdadeiras pinturas abstratas e geométricas, ou mesmo uma mistura de ambas.
Pelo modo como captou as figuras rupestres, as imagens ganham
foro de uma (quase) pintura primitivista, tal o contorno, textura e volume obtidos.
Uma de suas fotos, por efeito do ângulo utilizado, me fez lembrar uma gárgula
ou mesmo uma carranca de barco fenício. Outras, parecem retratar lindas e
criativas esculturas modernas e até mesmo figurativas. Em escassas palavras,
posso dizer que ele teve olhos que souberam enxergar o que muitos olhares
desatentos nunca viram.
Para fazer todas as suas imagens, o autor gastou vários anos
e empreendeu várias expedições fotográficas aos locais escolhidos, alguns
inóspitos e de dificílimo ou penoso acesso. Assim, percorreu o Piauí do extremo
sul ao Delta do Parnaíba, na extremidade norte. Foram cenário para suas lentes
as fascinantes paisagens do Parque Nacional de Serra da Capivara, Serra
Vermelha, Cânion do Rio Poti, Delta do Rio Parnaíba, Parque Nacional de Serra
das Confusões e Parque Nacional de Sete Cidades. Podemos, dessa forma dizer,
devassou e desvendou boqueirões, trilhas, socavões, cânion e grutas; destrinçou
o rendilhado das ilhas e igarapés do Delta do Parnaíba, elucidou as confusões
da serra de igual nome e desencantou a misteriosa Sete Cidades, “para novos e mais /
deslumbrantes encantos”, como disse num de meus poemas.
Foi graças a todas essas peripécias e “arte-manhas” manhosas
que ele conseguiu dar um quê de diferente a algumas paisagens, que se tornaram
uma espécie de “clichê” ou “lugar-comum” dos cartões postais e cartazes. Como
exemplo, refiro uma fotografia que ele tirou da famosa “Pedra Furada” (Serra da
Capivara), que ficou bastante “revitalizada” com um céu nublado, revolto, tempo
(como falamos) bonito para chover, em que as nuvens parecem estar preparando em
seu laboratório as “chuvas amorosas”, como no dizer de H. Dobal. O furo da
pedra parece o visor de uma caldeira em ebulição.
Pelo que pude observar o autor não interfere em suas fotos
com efeitos ou lentes especiais. Seus “efeitos” são naturais, na forma como descrevi.
A não ser em duas ou três delas, utilizou recursos artificiais, apenas para
lhes retirar um excesso de luminosidade, ou para lhes dar um pequeno acréscimo
de brilho. Numa delas utilizou uma lanterna, por tê-la produzido à noite; o
jato de luz foca apenas uma cachoeira, mas deixa ao fundo a beleza noturna de
um céu resplandecente de estrelas. Em síntese, cada fotografia é uma tela,
digna de ser ostentada em excelente moldura. Nesse sentido, poderia afirmar que
essa obra é uma legítima pinacoteca encadernada.
Recomendo esse fotolivro, um dos melhores no gênero, pela beleza
de suas imagens e por sua qualidade gráfica. Talvez algum leitor venha a achar
que me excedi no uso de adjetivos. Respondo que não; apenas os usei na medida
exata do que entendi caber a seu mérito. Folheá-lo lentamente correspondeu a
uma verdadeira expedição turística, que fiz, sem sair de minha casa. Ademais,
não é só um livro de arte fotográfica, mas é, em si mesmo, uma obra de arte,
que poderá ornar a sala de uma casa ou o hall de uma clínica, de um hotel ou de
qualquer comércio ou repartição pública.
No meu caso, ocupará o pódio de minha biblioteca, ao lado de
outros livros de arte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário