terça-feira, 16 de outubro de 2018

O Curador e a Violência Política

Praça da matriz de São Sebastião com a mureta original(anos 60)


O Curador e a Violência Política

José Pedro Araújo
Romancista, historiador, contista e cronista

Desde menino ouço falar que, em época de eleições, os ânimos se acirravam no velho Curador, a ponto de amigos fraternos passarem meses sem se cumprimentar. Pior, período de eleições era época de muito choro e ranger de dentes para algumas famílias ao ver a vida de algum dos seus filhos ceifada precocemente. Por esse tempo, quando ainda trajava calças curtas, comecei a ouvir dizer que o Curador já havia passado por um confronto sangrento entre duas das famílias de maior destaque na região. E que do embate,  a vida de alguns dos seus membros fora subtraída. Tudo pelo poder de mando de uma comunidade perdida nos sertões mais profundos do Maranhão. Ouvi, por exemplo, que homens armados e violentos se apossavam da cidade e transformavam a sua calma sertaneja em um campo elétrico, onde o menor contato entre as partes poderia se transformar em um mar de fogo. Fiquei assustado quando minha mãe me falou que, certo dia, houve um tiroteio tão intenso na Rua Grande, que as pessoas, mesmo abrigadas em suas casas, tiveram que se projetar no chão e buscar a proteção dos pés das paredes. Apavoradas com pipocar das armas de fogo, procuravam escapar das balas perdidas que voejavam à procura de uma vítima.

Em um desses dias em que o cheiro de pólvora se espalhava pelo ar, no que pode ser descrito como o maior dos confrontos entre os dois grupos familiares já citados no parágrafo anterior, um primo desse escriba, jovem, ainda imberbe, foi atingido por um balaço que lhe abreviou a vida ainda em flor. Havia o irrequieto rapaz tomado partido por um dos lados em disputa.

Nesse tempo, a grita por segurança bateu às portas do Palácio dos Leões na distante capital, São Luís, e o assunto tomou conta das páginas dos jornais por muitos e muitos dias. A cidade ganhou fama de violenta e sanguinária, e para os Ludovicenses, passamos a ser um povo que cultivava a violência. A má fama nos persegue até os tempos que correm. Por muitas e variadas razões, não podemos nos furtar disso. 

Como ninguém mais aguentava tal situação, o interventor de plantão abriu mão do posto a fim de que o governador do estado pudesse nomear outro mandatário com poderes para pacificar os ânimos durante o pleito eleitoral que se avizinhava. O escolhido foi um Tenente-coronel, ocupante de relevante cargo no âmbito do poder estatal. Este, contudo, mal terminou o período concernente às eleições, retornou para a capital e deixou o velho Curador imerso em suas ensandecidas disputas costumeiras.

No inicio dos anos 60 se instalou na cidade o batalhão de Engenharia e Construção do 2º BEC. Tinha por objetivo a conclusão da BR 226 até chegar ao rio Tocantins. Mas os militares fez muito mais que isto. Debelaram a violência na cidade durante os anos em que ficaram instalados na Praça Biné Soares, em local pertencente à família do senhor Celso Sereno. Patrulhas armadas saíam todas as noites pela cidade com o propósito de proteger a cidade e permitir que os presidutrenses pudessem dormir em paz e segurança. Por esse tempo os políticos também se comportaram e respeitaram as mais básicas regras democráticas.

E foi sempre assim a história política do velho Curador até alguns anos atrás. Como no processo político cabe a apenas um grupo o poder de mando, sempre havia um terrível entrechoque entre aqueles que queriam para si essa primazia. Em épocas nem tão distantes assim, a violência tirou a vida de alguns representantes da mais alta estirpe política local, criando um clima de insegurança que muitos pensavam haver ficado soterrado no passado. Foi, talvez, o período mais doloroso e sangrento desde a época em que o município recebeu a sua emancipação.

Ultimamente as coisas se mostram diferentes. Muito bate-boca toma conta da cidade, que já não é tão pequena assim. E as desavenças, no máximo, chegam aos desforços pessoais, e são resolvidas com alguns murros e bofetões. Mas isso acontece em todo o país. No Brasil, a força da palavra não é o bastante para dissipar as nossas diferenças e/ou desavenças.

No pleito que aconteceu domingo passado, o município elegeu um represente para a Assembleia Legislativa estadual depois de muito tempo. Até onde sei, tudo transcorreu na mais perfeita ordem, na mais absoluta paz. Abandonamos a velha prática curadoense e chegamos, por fim, aos tempos presidutrenses. Que seja assim por séculos e séculos sem fim. Amém!    

Fonte: Blog Folhas Avulsas

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