A Primeira Vez
José Pedro Araújo
Cronista, contista e romancista
Antes que alguém seja tomado pela
curiosidade, gostaria de antecipar que não trataremos aqui daquelas histórias
libidinosas em que os indivíduos costumam contar como foi a sua primeira
relação sexual, e que atrai tanto a atenção – ou mesmo a curiosidade - das
pessoas. Falaremos do primeiro contato com algumas novidades que chamaram a
atenção de um menino interiorano e que hoje são tão comuns na vida das pessoas
por serem encontradas em todas as esquinas das cidades. Bobagens, na
interpretação de algumas pessoas. Lembro, contudo, que sou um sertanejo,
nascido na ribeira do Riacho Firmino, lá no meu velho Curador, cidadezinha que
era farta somente em falta de tudo. E cujas novidades aqui descritas se
transformaram em acontecimentos notáveis, inesquecíveis.
Dito isto vamos ao objetivo do
título acima. Toda criança, seja ela da cidade ou mesmo nascida no povoado mais
escondido deste imenso Brasil, conhece uma maçã. Não somente conhece, como já
comeu uma. Afinal, junto às frutas conhecidas e mais vendidas de qualquer
mercadinho, as maçãs estão expostas em primeiro lugar em um tabuleiro ou
prateleira. Pois, para mim, foi diferente. Sem nunca ter posto os pés para fora
do Curador, certo dia fui alertado pela minha mãe que uma prima legitima sua
acabara de retornar à cidade para passar férias. Como já fazia muitos anos que
a prima Olga – era esse seu nome - não retorna à cidade, o fato se transformou
em um grande acontecimento.
De minha parte, preciso dizer que
eu não sabia de quem se tratava, tantos anos já decorriam desde a sua última
estadia entre nós. Fomos visitá-la, então. Deparei-me com uma moça loura, olhos
azuis como as águas do mar de Arraial do Cabo, que eu também ainda não
conhecida, e uma voz agradável e inconfundível. A prima Olga, que morava por
essa época no Pará, mais precisamente na cidade de Breves, nos recebeu com
grande alegria. E a visita só foi interrompida quando a minha mãe se lembrou
que precisava retornar para casa para concluir o nosso almoço. Antes de
sairmos, porém, minha mãe foi presenteada com uma bela maçã embrulhada naquele
inconfundível papel de seda azul, fruto que eu só conhecia até então através
das fotos postadas nas revistas ou mesmo nos livros infantis. Nem é necessário
dizer da nossa imensa alegria. Lembro-me ainda do cheiro que aquela
preciosidade espalhava no ar. Inconfundível.
Já em casa, minha mãe partiu
aquele maravilhoso mimo em vários pedaços afim de que todos pudessem provar da
sua delicia. Fiquei mortificado. Não queria que ela “matasse” aquele fruto tão
bonito e que, segundo alguns pregadores cristãos, encantou tanto a Eva que ela
botou tudo a perder ao oferecer uma delas ao parceiro Adão. Ficou a lembrança,
contudo, na minha mente, já um tanto cheia de tantas outras passagens da vida.
Hoje, abro a geladeira, e lá está uma delas, até faz parte de um tipo de dieta!
A mesma coisa aconteceu com o
chocolate. O Bombom de chocolate, quero dizer. E aconteceu de maneira parecida.
Um tio do meu primo Diolindo, que residia em São Paulo, estava de volta à
terrinha para passar férias depois de longos anos de ausência. Naquele tempo o
trajeto entre as cidades de São Paulo e Presidente Dutra durava uma eternidade,
quase uma semana. Daí as pessoas demorarem tanto a voltar. Esclareça-se que,
somente com o tempo gasto para ir e voltar, já se consumia quase todo período
de férias de quem tentasse. Mas voltemos à nossa história. Pedro Oliveira, o
tio a quem me referia, costumava dar um presente a quem o visitava: um belo
bombom de chocolate, envolto naquele bonito e característico papel colorido.
Necessário se faz afirmar que eu também não conhecia o tio do meu primo. E que
somente me dispus a visitá-lo quando fiquei sabendo que ele estava presenteando
suas visitas com aquele bonito regalo. Não tive mais dúvidas, fui também.
Pedro Oliveira também era uma
pessoa agradabilíssima, rosto redondo e tez amorenada, alegre e brincalhão, de
maneira que quase nos esquecemos da verdadeira razão de estarmos ali. Sim,
porque, no meu caso, não possuía eu outro interesse que não o de ganhar um
bombom de chocolate, algo que eu nunca havia visto antes.
Preciso esclarecer, ainda, que só
conhecia aqueles bombons pequeninos, tão comuns e que eram vendidos nas
mercearias pobres do meu lugarejo. O chocolate não, afirmava o meu primo, era
um negócio grande, saboroso, e ainda vinha envolto em um papel que se devia
guardar para sempre, até para ser usado como marcado de páginas de um livro.
Afinal, para encerrar a história,
antes de sairmos, coração palpitando no peito, o nosso Pedro Oliveira pediu que
esperássemos um pouco, entrou no quarto, e voltou com dois belos chocolates da
Garoto: Serenata de Amor, bem me lembro. Fiquei encantado com o presente e não
queria abrir o papel do meu. Pedi ao meu primo que desembrulhasse o seu, pois
era o segundo que ele ganhava. Mas ele não me deu moleza. E foi assim que eu
tive que, com muita pena, retirar o papel do meu delicioso mimo. Comi a
guloseima em mordidas sem conta para não acabar logo. Que delícia. E que
lembranças doces! Toddynho, nem lembro!
E o que dizer também quando, certo
dia, tomei ciência de que estavam instalando, em um salão ao lado da loja do
meu pai, uma sorveteria! Sorveteria somente no nome, pois o que eu me lembro
mesmo é que só vendiam picolés. Picolé, em uma época em que também não tínhamos
energia elétrica, só conhecia de nome. Ou das fotos encontradas em revistas ou
livros didáticos. No dia da inauguração, uma festa se instalou na rua, em
frente ao comércio. Acionado o motor com o gerador, aquele trambolho enorme,
mais de dois metros de comprimento, começou a funcionar ruidosamente, era a
fábrica de picolés que emitia o seu barulho.
Contudo, teríamos que esperar um
tempo interminável, acho que umas duas horas ou mais, até que o picolé fosse
retirado da salmoura, de dentro daquelas formas metálicas. Foi um acontecimento.
Foi também o meu primeiro contato com algo realmente congelado. Não poderia
imaginar que isso passaria a fazer parte da minha vida ao ponto de não
passarmos sem uma geladeira em casa com os seus gelados. Enquanto isso, o
senhor Natal Paulo, o dono do estabelecimento, tinha que justificar a demora e
controlar o ímpeto da criançada ávida pelas guloseimas: era preciso esperar que
os picolés estivessem congelados, no ponto certo, deu uma aula para nós. Foi um
maravilhoso acontecimento quando saquei do bolso o meu dinheiro, paguei o preço
cobrado, e sai saboreando aquele troço que me queimava a língua, mesmo sem
quente, e fazia doer os dentes. Mas, como era delicioso!
Depois teve o algodão doce e a
aquela máquina ultramoderna de fazer com que o açúcar se transformasse naqueles
fios leves e doces que se desmanchavam na boca ao primeiro contato com a
saliva. Inesquecível. Depois dela, como não acreditar que as fantásticas
engenhocas utilizadas pelo herói Buck Rogers não fossem verdadeiras.
E a primeira batata frita,
salgadinha e embalada em saquinhos de papel – Acho que foi no Circo que eu
primeiro contactei com elas. O chiclete Ping Pong, aquele chocolate pobre, o
Zorro; o primeiro gole de Coca-Cola, um
acontecimento. A primeira Cola Guaraná Jesus, o primeiro sanduíche, hein!
Voltemos ao Guaraná Jesus. Até o nome dele foi uma surpresa. O seu lançamento
veio acompanhado de uma promoção que incendiou o mercado de refrigerantes.
Trazia nas tampinhas, no seu lado interno, componentes de uma bicicleta: o quadro,
os pneus, os pedais, o guidão, o prato pedaleiro e, por fim, o mais raro, a
sela. E quem conseguisse montar a bicicleta completa ganharia uma Monark
novinha. Somente no Bar do Paulo Falcão, meu primo, se podia comprar o
refrigerante cor-de-rosa. Isso no princípio. Tomei uma infinidade de garrafas
do refrigerante e não consegui montar a minha bicicleta. Nem dava tempo de o
refrigerante gelar direito, já estávamos pedindo que fosse retirado da
geladeira à querosene, pois o objetivo era a tampa, não o líquido. Já tinha
gente que ficava esperando para beber o refrigerante que os mais abastados
abriam e que não conseguia mais tomar.
Ninguém conseguia encontrar a tal
sela. Até ouvimos dizer que alguém, um morador no bairro da Mangueira, havia
encontrado a difícil peça, e até que a vendia por um preço quase do tamanho
daquele que valia uma bicicleta na loja. Tudo mentira. Ou Fake News, como se
diz hoje em dia. Ainda tenho dúvidas se a campanha era séria. Ou melhor, até
acho que era séria, mas as tampinhas com a sela eram raríssimas, quase
inexistiam.
Contado hoje para os meus filhos,
que trombam com essas coisas em qualquer supermercado ou mercearia da cidade,
vejo que eles ficam com aquela cara de dúvidas, a se perguntarem se o que eu
estou falando é mais uma das minhas histórias fantásticas, quase inverossímeis.
Não sabem o que era o Brasil – o mundo mesmo - nos anos 60.
Tem outras coisas. Como a
primeira vez em que eu vi o mar na minha frente. A propósito disto, um colega
meu de ginásio passou por um verdadeiro bullying quando retornou de São Luís.
Tivera o desplante de conhecer o mar antes de nós, e foi alvo de terríveis
gozações. A maioria delas, torpes frases, como esta: “encher de água esse açude
grande foi fácil, o difícil foi salgar tudo!” Só inveja! Mas essas histórias
ficam para outra ocasião.
Fonte: Blog Folhas Avulsas
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