quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

FUMA NA VENTA*

Charge de Fernando di Castro


FUMA NA VENTA*

Pádua Marques
Cronista, contista e romancista

                Em décadas passadas, nas ruas de Parnaíba, via-se considerável quantidade de jipes servindo como táxis, mas os seus condutores não eram chamados de taxistas. Prevalecia, para tais profissionais, o termo “chofer de praça” - nomeação bastante reforçada e divulgada em música de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Mais tarde, com o crescente sucesso de Roberto Carlos, firmou-se o termo “taxista”. E não é de se duvidar que venha em futuro próximo, do mesmo talento do rei capixaba, uma música enaltecendo o motorista “uber”. Esperemos!

                 Assim, porque os carros de praça não tinham conforto, quando alguém mais velho ou uma mulher parida necessitava de um transporte mais macio que o jipe, não havia outro recurso, o jeito era procurar o Sr. Raimundo Nonato Farias Ferreira, mais conhecido por “Fuma na Venta”.

                Ele não era taxista ou chofer de praça. Era mecânico afamado. Jamais esquecia a maleta de ferramentas no veículo como também o inseparável frasco contendo rapé.    Às vezes fazia corridas nas horas vagas, usando o seu confortável automóvel Austin A70, de cor azul, que dirigia com habilidade e com o nariz escorrendo de tanto tabaco.

            Elizeu - proprietário de um Opala, do mesmo que matou Juscelino Kubitschek, ex-presidente do país, em 1976 na Via Dutra, quando seguia de São Paulo para o Rio de Janeiro - talvez enciumado porque o velho Austin ali estivesse, na praça, posicionado ao seu lado, na fila dos carros prontos para carregar passageiros importantes, um dia procurou diminuir o colega, fazendo-lhe uma advertência agravada por usar o repudiado apelido:
                - Seu Fuma, me diga uma coisa: por que o senhor não deixa o diabo deste seu rapé? – Isto prejudica a saúde e deixa os nossos clientes mal satisfeitos...

                Neste momento, Raimundo, sentindo-se ferido no seu orgulho de respeitado pai de família, principalmente por ser tratado pelo apelido que não gostava, não obstante o uso do “seu” como forma cortês de tratamento, e também porque repreendido quanto ao seu inocente vício, respondeu ao colega que diariamente transportava D. Paulo Hipólito de Souza Libório – reverendíssimo Bispo da Diocese de Parnaíba:
                - Elizeu, acho melhor ser viciado em rapé do que fazer como você faz: Você  sim, é mais errado, pois bota o Sr. Bispo no seu carro e anda pelas ruas bebendo uísque até secar a garrafa. E concluiu vermelho de raiva, dando mais uma cheirada no seu inseparável pó:
                - Isto sim é que é prejudicial, andar bebendo e dirigindo!

                O dono do Opala - saindo para pegar o religioso que naquele instante aparecia à porta principal da Catedral de Nossa Senhora da Graça, de gorro roxo na cabeça e também roxo de raiva porque o vinho da missa teria sido pouco - advertiu o dono do Austin:
                - Cuidado! Você sabe que eu não bebo! E veja bem o que diz! Respeite as autoridades...

E saindo apressado rumo a Matriz para embarcar seu importante cliente – patrono da cadeira de º 35 da Academia Parnaibana de Letras - arrematou:
 - Você pode até ser castigado...
                
           Crônica de Pádua Santos, feita para o Almanaque da Parnaíba, edição de 2019, com ilustração de Fernando de Castro, dedicada à memória do reverendíssimo Bispo D. Paulo Hipólito de Souza Libório, patrono da Cadeira de nº 35 da Academia Parnaibana de Letras. 

             Foi escrita especialmente para o Almanaque da Parnaíba, edição de 2019. Como terminou o ano e o Almanaque não saiu, vai publicada através do Blog do Elmar Carvalho. 

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