Cidade de Barras (PI), onde nasceu David Caldas Fonte: Globo/1Google |
UMA ROUCA VOZ MUDA QUE
ECOA;
E ATÉ HOJE, ENTRE NÓS,
MUITO RESSOA
Um poema a David Caldas
Chico Acoram Araújo
1
Oh, valente (in)ditoso conterrâneo!
Da fazenda Morrinhos, lá em Barras
do rio Marataoan, tu vais às garras
do tal mundo enfrentar, e consentâneo
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com os teus ideais tu combateste
o inimigo terrível e abismal.
Para tanto, fundaste seu jornal
“O Amigo do Povo” onde escreveste,
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com extrema coragem, as ideias
republicanas no Brasil Reinado,
e artigos em defesa do açoitado
povo; daquelas gentes tais plebeias!
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David Moreira Caldas que nasceu
a vinte e dois de maio, mil
oitocentos
do ano de trinta e seis, um
dos rebentos
mais ilustres que Barras mereceu.
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O pai, o capitão já da reserva,
Manuel Joaquim da Costa Caldas
desejava que o jovem ainda em
“baldas”
cuidasse da fazenda que preserva.
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Mas sua atenta mãe, a Manuela
Francisca Caldas, que tanto o
adorava
já notara que o filho só pensava
mesmo estudar; havia, pois, apoio
dela.
De fato, os pais percebem que
o rapaz
aptidão não tinha pra cuidar
das terras da família, pois entrar
nesse mundo das letras é capaz.
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David, em tenra idade, já chamava
bem a atenção dos seus pais e
parentes
por ser ele dotado de fulgentes
talentos para as letras que
almejava.
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Pra tanto, o capitão Manuel pede
a colaboração do professor
e Juiz de Direito, o Doutor
da Comarca daquela antiga Sede.
Francisco Xavier Cerqueira é quem
muito ensinou ao jovem: o francês,
o difícil latim, o português,
a então aritmética, também.
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Vendo que seu rapaz era portento
e aplicado na escola, o Capitão
Manuel, mesmo com pouco tostão,
mandou-o pra Recife, e com talento
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terminar seus estudos tais voltados
assim pra Faculdade de Direito
de Olinda, e com bastante tal
deleito
dos pais, David partiu bem nos
meados
de janeiro de mil dos oitocentos
e sessenta, mas para desencanto
do jovem estudante que em tal pranto
recebeu más notícias com lamentos
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da morte do seu pai, o que ocorreu
dia primeiro do mês daquele agosto
do citado tal ano, a contragosto,
retornou para terra onde nasceu.
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Dias depois, já estava na fazenda
Morrinhos, lá em Barras, pra
ajudar
sua mãe e da irmã, pra bem cuidar
das terras e do gado; e da vivenda.
Mas pra David virar um lavrador
não tinha nem sentido; vocação,
apenas o pendor do coração
para as letras, e ser um
professor!
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Diante desse drama, ele deixou
a administração daquela terra,
e foi ser professor – (pois se
desterra)
de letras mesmo em Barras, que
ansiou.
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Em doze de dezembro do ano mil
oitocentos sessenta e dois, com
linda
moça, David desposa com Benvinda
de Queiroz, com registro no civil
e no religioso, ali na igreja
que de Nossa Senhora Conceição,
com alegrias de grande uma emoção
de seus familiares; e assim seja!
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No ano seguinte, o jovem jornalista
encontra-se morando em Teresina
escrevendo em jornal: é sua sina;
já como redator e colunista.
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Com Deolindo Moura, começou
a sua profissão com competência,
desvelo, maestria e inteligência
no tal “Liga e Progresso”,
onde brilhou.
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Entretanto, convém esclarecer
que em mil e oitocentos e cinquenta
e nove, o jovem Caldas já frequenta
seu próprio “O Arrebol” para
escrever.
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Ano mil oitocentos e sessenta
e cinco, o jornalista e literato
escreve nesse “A Imprensa”, do
cordato
Deolindo, de forma sempre isenta.
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Além de servidor daquela então
tal província, ele atua no jornal
“A Imprensa”, do partido liberal,
como um bom redator na profissão.
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David, um jornalista respeitável,
tornou-se um Deputado que atuante,
palavras eloquentes, e elegante
criticava um Governo deplorável.
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A favor dos mais pobres, requereu
que esse imposto da décima [da]
urbana
fosse pra construir boa choupana
de telha para o povo que o elegeu.
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Homem de visão frente de tal
era
desejava ruir as construções
de casas em palhoça em quarteirões
da nova Capital cheia de tapera.
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Defensor incansável das pessoas
mais carentes, o jovem deputado
agora passa ser muito odiado
pela elite política, com “loas”.
29
Perseguido por gente poderosa
(começa esse infortúnio do
guerreiro
perdendo, com um ato bem certeiro,
dois cargos no Governo) – e tal
danosa.
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Por combater o então Governador,
demitiu-se do cargo conquistado
por um concurso público do Estado,
pois no Liceu foi grande
professor.
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Sendo um homem correto, coerente,
e íntegro, resolveu abandonar
o emprego do Liceu por ponderar
que o Governo era sim, seu
insurgente!
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Além disso, David sem aliados
decidiu-se sair do seu Partido
Liberal por motivo, bem sabido,
da falta de um apoio dos coligados.
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David que sem desforra, nem infensa
com esse conhecido movimento
partidário, decide (em desalento)
demitir-se, também, da tal “A
Imprensa”.
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O bravo David Caldas, muito “afoito”
em prol dos ideais republicanos,
funda o “Amigo do Povo” lá nos
anos
mil oitocentos de sessenta e oito.
35
Em “O Amigo do Povo”, no seu ano
quarto, edição datada pelo dia
quatorze de janeiro já dizia
na capa ser jornal republicano.
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Via-se, no seu jornal, que o valoroso
jornalista detinha fundamentos
convincentes nos temas e comentos,
combatendo tal Rei inglorioso.
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Dentre os principais vultos do
passado,
David Moreira Caldas se desponta
como o mais combatente, pois
bem conta
Monsenhor Chaves sobre esse letrado.
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Na época, David Caldas se tornou,
um dos maiores tais propagandistas
dentre os republicanos vanguardistas
do Piauí Província; herói virou.
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Chaves disse também, com seus treze
anos
David já carregava no seu peito
ideais da República, e no leito
seu sonhava o Brasil sem os Tiranos.
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Entretanto, aperturas no seu lar
o nosso herói bastante amargurou,
sem rendas e salário bom, passou
a ser um professor particular.
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Para agravar mais ainda sua vida,
o “O Amigo do Povo” que, a contento
não lhe dava uma renda pro sustento
próprio e sua família tão querida.
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David era um bom homem,
desprendido,
trouxe pra sua casa lá morar
a irmã e quatro filhas a chorar
por causa do cunhado falecido.
43
Ano mil oitocentos e setenta
e três, David dá um nome intrigante
para seu jornal, com um instigante
dístico “Oitenta Nove, que ele
inventa.
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O inusitado nome é alusivo
ao tal número da última edição
ou seja, oitenta e nove, desse
então
bom “Amigo do Povo”, e decisivo.
45
Nosso Wilson Gonçalves nos revela
que, no exemplar primeiro desse
“Oitenta
e Nove”, David já faz calorenta
matéria contra o Rei em “desmazela”.
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Dizem que David Caldas era um ser
profético, escrevendo um curioso
artigo sobre um fato auspicioso:
prenúncio da República, há de ver!
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De fato, em dois dos tópicos do
artigo
mencionado, Caldas descrevia
bem que a Proclamação ocorreria
ano de oitenta e nove; assim
bem digo.
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Escreveu no jornal a produção
literária de críticas, protestos
ao sistema do império, e manifestos:
“República urge, pois,
proclamação!”
49
Por conta da matéria, o jornalista
recebeu cognome de PROFETA
DA REPÚBLICA, que bastante afeta
minha imaginação de cordelista.
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Wilson Gonçalves diz que David
ante
aos vis acossamentos e os perigos
desses seus implacáveis inimigos,
e a pobreza, tornou-se um delirante.
51
Também o levou a um profundo
estado
de depressão nervosa, até perdendo
a razão do real, mesmo vivendo
de abstrações; ficando ele isolado.
52
Tal fato aconteceu no fechar
do ano
desse mil oitocentos e setenta
e sete, onde David qual fundamenta
os princípios de cunho bem insano.
53
Essa nova ciência, de evidências
na formação de certa tal trindade
humana, sem sentido, ou com verdade,
os cálculos de certas coincidências.
54
A citada trindade era formada
pelo próprio David, Gonçalves Dias,
por Deolindo Moura, em
ousadias
em sua teoria que alucinada.
55
Dois anos depois, dia três de
janeiro,
paupérrimo, David Caldas falece;
esse republicano bem merece,
no jornalismo, ser ele o primeiro.
56
Para finalizar, Chaves relata
que Licurgo de Paiva estava ao
lado
do amigo David Caldas, acalmado
nos últimos instantes; vida ingrata!
57
Paiva cita que o amigo faleceu
balbuciando os versos do belo hino
“Glória in excelsis Deo, e com
atino
bem confessava não ser um ateu.
58
Apesar de David ser grande crente
a Deus, em sua morte foi negado
pela igreja católica o legado
de um enterro cristão assim decente.
59
A negação da igreja em tal ofensa
foi comprovada pelo grandioso
bardo Celso Pinheiro em valioso
livro que publicou tocante a imprensa.
60
“Mas nem a morte fez arrefecer
a vingança dos áulicos” do Império
contra o republicano que foi sério
combatente com seu dom de escrever.
61
E membro da Irmandade do Santíssimo
Sacramento, David foi condenado
como herege, uma vez que era tratado
como inimigo assim perigosíssimo
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pelo Estado e da igreja lá de Roma,
que negaram direito um bom enterro
no cemitério, dando-lhe desterro
em uma sepultura (sem aroma
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das flores e, tampouco, rezadeiras),
em frente ao Cemitério São José,
debaixo de um antigo grande pé
de um bento jatobá; sem choradeiras.
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Pinheiro cita que essa sepultura
alguém de alma bondosa fez cercados
de ferro, e que seus ossos exumados
e transladados dessa “cercadura”
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bem para o interior do Campo Santo,
assim como dos corpos dos coitados
protestantes que foram sepultados
nos túmulos daquele tal recanto.
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O translado ocorreu nos anos trinta
do século passado quando a via
recebeu calçamento, assim urgia,
que ali não era pra gente distinta.
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Em sua enciclopédia, o competente
Gonçalves nos relata ainda,
que além
de grande jornalista, David tem
uma grandiosa obra de patente.
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Escreveu importantes bons trabalhos
de cunho científico, poético,
pedagógico, pois bastante eclético
porém, de paradeiro sem atalhos.
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Estrela de primeira tal grandeza,
e que, segundo o emérito escritor
Dilson Lages, “David foi grande
autor
e cronista de fôlego” e destreza.
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Lages diz, ainda, que o grande
ativista
não está no rol dos grandes autores
em razão da aversão dos seus
labores
pela classe monárquica e elitista.
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Que é preciso pesquisa, pois, com vistas
inserir nosso ilustre jornalista
na galeria e honrada bela lista
dos tais grandes autores beletristas.
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David, sem qualquer dúvida,
era mesmo
talentoso; nasceu pro jornalismo
de vanguarda no tempo monarquismo,
combatendo o inimigo, não sem “esmo”.
Valeu amigo Acoram. Você já era paidegua em prosa e agora em verso. E ainda escolheu uma homenagem por demais merecida. Parabens.
ResponderExcluirObrigado, meu mestre. Seus ensinamentos me foram muito valiosos. Um abraço.
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