A bengala
Carlos Rubem
Tidos e havidos por muquiranas, em Oeiras, os filhos de Natu Reis, meu avô paterno, transpareciam ser assim mais do que eram. Honestos, tudo o que amealharam foi fruto de esforço pessoal, muita renúncia, trabalho maior ainda.
Amadeuzinho, meu querido tio, como seus demais irmãos/irmãs, era muito apegado aos seus haveres. Tinha ciúmes dos seus pertences, quinquilharia em geral.
Aos 85 anos, muito rueiro, começou a andar em passos miúdos o que não o impedia de levar, vez outra, algum tombo. Neste contexto, ganhou de presente uma bengala, doação do filho Tiel.
Usou tal objeto por uns três dias, não se acostumava com este suporte de mobilidade. Aposentou a bengala num canto qualquer da casa.
Natércia Sá Rocha Reis, viúva do seu irmão Alberto, foi acometida de doença vascular. Usava meias de compressão, caminhava com certa dificuldade. Foi aí que o primo Tiel se lembrou do encostado bastão de madeira do pai e o cedeu, por empréstimo, a nossa estimada tia.
Certo dia, Meringa, como era apelidado, sentiu falta da sua bengala. Vasculhou toda a casa e necas... Dizia que a tinham roubado. Ao tomar conhecimento da aflição do marido, a tia Zelinda, sua esposa, esclareceu o paradeiro daquilo que tanto procurava. Não ficou satisfeito com o que soube!
Tio Amadeu se encasquetou com aquela história. Pedia que fossem resgatar a sua bengala, mandava recados, o que não era atendido. Não se conformava!
Tempos depois, levaram tio Amadeu para fazer um chek-up médico com o Dr. Duarte, em Teresina. Quando disse que era natural de Oeiras, o facultativo lhe indagou se conhecia uma paciente sua chamada Natércia Reis. — Sim, é minha cunhada, pontuou.
Depois da anamnese, aferição da pressão arterial, solicitação de exames laboratoriais e outros procedimentos correlatos, ao se despedir, tio Amadeu se dirigiu ao médico:
— O Senhor pode me fazer um favor?
— Claro!
— Doutor, da próxima vez que Natércia vier se consultar, pede a ela para devolver a minha bengala!
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