TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO
CASO DE INTERNAÇÃO
a Elmar Carvalho
Recebi um vídeo pelo whatsapp segundo o
qual os psiquiatras alemães
esclareciam que estavam sendo inundados
por telefonemas dos clientes
e que neste tempo de pandemia é
perfeitamente normal as pessoas
conversarem com paredes, flores e
tantos outros objetos
e que só deveriam procurar o serviço
psiquiátrico se as paredes, as flores
e os outros objetos
responderem.
Sinto que meu caso já é de
internação, pois há anos
as folhas, as flores, as portas e as
paredes adoram puxar conversa comigo.
INFÂNCIA
a Tereza Bom-fim
Era um tempo que (...)
minha cidade o mundo,
os meninos seres eternos;
os adultos eram tão
altos:
crianças que cresceram.
A lua, a casa de São
Jorge.
Era um tempo (...)
um menino e uma bola;
uma moça e uma flor.
Era um tempo (...)
acreditava no menino,
na bola, na moça e na
flor.
Era um tempo que
(...)
acreditava.
ABSTRATO
Sento na
beira dos sofás dos ricos e nem sei manejar um talher,
acordo antes
do sol, como depois de todos e apenas vou fluindo
sem saber da
crise existencial, sem opinião, mas com direito a voto;
conheço bem
os atos mecânicos e limpo com cuidado a cristaleira:
uma peça dessas ao chão e lá se vai o
salário do mês inteiro.
Moro em uma
invasão nos arrabaldes da cidade sem água nem luz,
divido a
propriedade e a miséria: assim dizem que é no comunismo.
Sei das
longas filas e de todos os serviços precários do governo:
meus filhos
frequentam escolas abjetas onde se esmerila o vazio:
ali fazem a
dura opção: mercado informal ou tráfico de drogas.
(aprendem sobre livre mercado, concorrência e
liberalismo).
Espero o
domingo para dormir e nunca sonho: a vida é urgência.
Ocupo
economistas, filósofos, sociólogos e até alguns poetas:
a todos eles sou um enigma – por vezes me
tangenciam:
uma bruma, uma névoa, outros
sinônimos.
Eu sou aquilo – que por falta de outro nome – se chama povo.
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