quinta-feira, 29 de outubro de 2020

TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO

Fonte: Pixabay/Google


TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO

 

CASO DE INTERNAÇÃO

 

                                          a Elmar Carvalho

 

Recebi um vídeo pelo whatsapp segundo o qual os psiquiatras alemães

esclareciam que estavam sendo inundados por telefonemas dos clientes

e que neste tempo de pandemia é perfeitamente normal as pessoas

             conversarem com paredes, flores e tantos outros objetos

e que só deveriam procurar o serviço psiquiátrico se as paredes, as flores

                           e os outros objetos responderem.

               Sinto que meu caso já é de internação, pois há anos

as folhas, as flores, as portas e as paredes adoram puxar conversa comigo.


          INFÂNCIA

 

                a Tereza Bom-fim

 

Era um tempo que (...)

minha cidade o mundo,

os meninos seres eternos;

os adultos eram tão altos:

crianças que cresceram.

 

A lua, a casa de São Jorge.

 

Era um tempo (...)

um menino e uma bola;

uma moça e uma flor.

 

Era um tempo (...)

acreditava no menino,

na bola, na moça e na flor.

 

Era um tempo que

           (...)

     acreditava.


                                ABSTRATO

 

Sento na beira dos sofás dos ricos e nem sei manejar um talher,

acordo antes do sol, como depois de todos e apenas vou fluindo

sem saber da crise existencial, sem opinião, mas com direito a voto;

conheço bem os atos mecânicos e limpo com cuidado a cristaleira:

       uma peça dessas ao chão e lá se vai o salário do mês inteiro.

 

Moro em uma invasão nos arrabaldes da cidade sem água nem luz,

divido a propriedade e a miséria: assim dizem que é no comunismo.

Sei das longas filas e de todos os serviços precários do governo:

meus filhos frequentam escolas abjetas onde se esmerila o vazio:

ali fazem a dura opção: mercado informal ou tráfico de drogas.

  (aprendem sobre livre mercado, concorrência e liberalismo).

 

Espero o domingo para dormir e nunca sonho: a vida é urgência.

Ocupo economistas, filósofos, sociólogos e até alguns poetas:

      a todos eles sou um enigma – por vezes me tangenciam:

             uma bruma, uma névoa, outros sinônimos.

 

Eu sou aquilo – que por falta de outro nome – se chama povo.    

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