terça-feira, 10 de novembro de 2020

UM PREFEITO VANGUARDISTA

Professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana.

Foto extraído do livro Painel Fotográfico de Ex-Prefeito de Campo Maior de autoria do historiador e advogado Moacir Ximenes.


UM PREFEITO VANGUARDISTA

Celson Chaves

Professor, escritor e historiador


Até hoje, apenas três professores tiveram o privilégio de comandar a prefeitura de Campo Maior. Raimundo Nonato Monteiro de Santana (1926-2018) foi um deles. Nascido em Campo Maior, administrou o município entre 31/01/1951 a 31/01/1955. Na época, foi eleito o prefeito mais jovem do Brasil. Quando assumiu a prefeitura era recém-formado em Direito pela faculdade do Ceará (1949). O pleito eleitoral foi disputadíssimo, marcado pela fraude e violência. O ponto trágico da campanha foi o assassinato de França Catura, eleitor de Raimundo Santana, numa fatídica noite de comícios. O coronelismo político imperava.

 

Raimundo Santana era um jovem entusiasta, leitor voraz, intelectual consciente da forte instabilidade política brasileira no momento em que o país se urbanizava e industrializava. Nos estudos de sociologia e economia descobriu a vocação para o magistério. Na dimensão da cultura se fez escritor interessado nos problemas sociais e econômicos do Piauí. Foi professor universitário. Lecionou em renomadas instituições: Universidade Federal de Brasília, Escola Superior de Guerra, Colégio Interamericano de Defesa (Washington/EUA) e Universidade Federal do Piauí. Publicou diversos livros e patrocinou outros. Foi um mecenas. De sua autoria, vale citar: Introdução à Problemática da Economia Piauiense (1957); O Desenvolvimento Econômico Nacional na Teoria Econômica Geral (1959); A Evolução Histórica da Economia do Piauí (1964) e Vale do Longá e Perspectiva Histórica do Piauí (1965).

 

A vida dinâmica de Raimundo Santana permitiu criar em Campo Maior, no ano de 1953, o Centro de Estudos Piauienses (CEP), depois transferido para Teresina.  A ideia do CEP foi pensada pelo seu secretário municipal de educação, professor José Olímpio Castro de Oliveira, apoiado por outros intelectuais da terra dos carnaubais: o historiador Monsenhor Chaves e o jornalista e vereador Raimundo Antunes Ribeiro. Nesse período foi criado em Campo Maior a Biblioteca Padre Marcos de Araújo Costa. Com encerramento das atividades do Centro, o acervo da Biblioteca foi doado ao Ginásio Santo Antônio. Depois do CEP, Raimundo Santana fundou em 1960, o Movimento de Renovação Cultural no Piauí.

 

O jovem professor de sucesso transformou-se rapidamente num intelectual renomado. Ocupou diversos cargos públicos. Foi membro do Conselho Estadual de Educação, Secretário Estadual de Planejamento e imortal da Academia Piauiense de Letras (APL) e da Academia Campo-Maiorense de Artes e Letras (ACALE).

Com Raimundo Santana, Campo Maior tornou-se um ponto de referência na educação e cultura no Piauí. O CEP realizou palestras e conferências sobre os mais diversos temas (história, geografia, literatura, economia, folclore…) em várias localidades piauienses. O município de Campo Maior foi contemplado com parte dessas aulas e conferências. O grupo do CEP era eclético. No rol das personalidades, o CEP contava com o historiador Monsenhor Chaves, jornalista Raimundo Antunes Ribeiro, jurista e escritor José de Arimathéa Tito Filho, poeta H. Dobal, romancista O.G. Rego de Carvalho, crítico literário Cunha e Silva, folclorista Artur Passos, cientista político José Lopes dos Santos… O prefeito Raimundo Santana foi presidente do CEP, secretariado pelo professor José Olímpio Castro de Oliveira, outro entusiasta da educação campo-maiorense. O movimento irradiou cultura para todo o Estado.

 

Raimundo Santana levou esse espírito vanguardista para a prefeitura de Campo Maior. Na chefia do executivo, promoveu medidas significativas para transformar a realidade social do município. A cidade era rica por conta da pecuária e da cera da carnaúba. Contudo, a riqueza era mal distribuída. O analfabetismo e a pobreza imperavam. Um dos planos de governo de Raimundo Santana visava tornar o serviço público mais eficiente através da qualificação dos servidores. As gestões anteriores a ele “sempre tem feito nomeações de candidatos a cargos municipais sem a exigência do concurso, mas a praxe tem demonstrado a inconveniência, pois muitos dos nomeados, quando no cargo, se revelam de uma incapacidade gritante”. O próprio Raimundo Santana “já teve dessas decepções, pois pessoas que nomeara, delas não correspondem à sua expectativa, no tocante a conhecimentos para desempenho da função (Mensagem Governamental nº13 de 19 de março de 1952)”.

 

Para resolver tal entrave administrativo, Raimundo Santana torna a educação uma prioridade. Foram muitas as ações nesse setor. E significativas. O nível educacional do campo-maiorense nesse período era baixíssimo. Faltava profissionais qualificados e imperava o apadrinhamento político no serviço público.

 

Como gestor, Raimundo Santana tinha enormes desafios a enfrentar. O objetivo dele era começar primeiro pelo setor educacional contaminado pela politicagem. A precarização do sistema educacional do município era profunda. Intelectual consciente dos problemas de Campo Maior, dizia ele em uma de suas mensagens governamentais enviadas a Câmara Municipal:

 

“É simplesmente deplorável a situação de nossas escolas. Sem o aparelhamento necessário ao seu perfeito funcionamento, completamente desorganizadas, são, com algumas exceções, dirigidas por pessoas semianalfabetas e, via de regra, desinteressadas, que incapazes de preparar as crianças para a vida, incutindo-lhes amor ao estudo ou indicando-lhes soluções exatas para os problemas que lhes podem surgir a cada momento no seio da comunidade onde vivem, limitam-se a fazer a chamada e a ditar pontos e regras que os alunos devem decorar em casa e recitar na aula seguinte. Usando uma linguagem mais clara, não dão educação às crianças, o que, aliás, é muito natural, pois ninguém, dá o que não tem”.

 

Os maiores problemas da educação campo-maiorense eram a falta de estrutura das escolas, a questão pedagógica e a qualificação dos professores. De forma corajosa, Raimundo Santana peitou o desafio de melhorar a educação municipal, mesmo sabendo dos empecilhos políticos a enfrentar. Ele começou pela seleção dos professores. Para isso, realizou o primeiro concurso público da história de Campo Maior.  O objetivo era moralizar o serviço público.

 A situação da educação campo-maiorense era crítica. As poucas escolas da zona rural temiam ser fechadas pelas péssimas condições de funcionamento. Faltava de tudo. Nem sede própria possuía. Funcionavam em casas de fazendas, a depender da vontade pessoal do proprietário para existir. Raimundo Santana expõe essa situação em uma mensagem enviada a Câmara, quando fala do colégio da localidade “Ilha Nova”: “sujeita a existência da escola ao Sr. Alfrêdo de Melo Paz, pois só poderá funcionar enquanto aquele senhor quiser existir ou permanecer em ‘ilha Nova’. Se não mais a quiser em sua casa de residência, se se mudar, ou falecer, terá desaparecido a escola, com prejuízo para a população escolar”. Muitas vezes quem indicava o professor do colégio era o proprietário do prédio. Geralmente um parente.

 

Ação do poder público custava chegar às escolas, tudo ficava a cargo do dono da casa que as mantinham funcionando a seu bel prazer. As principais localidades e povoados de Campo Maior eram distante da sede. As estradas carroçáveis eram poucas e as que existiam encontravam-se em péssima estado de conservação. O município era cortado por caminhos e trilhas. As escolas ficavam isoladas, algumas abandonadas. Partiu dele as primeiras políticas no sentido de planejar estratégias para construir edifícios próprios para as escolas da zona rural. A maioria das escolas da zona urbana também era instalada em casas alugadas.

 

Raimundo Santana apostava na educação como a principal arma contra o atraso social e econômico, a desorganização administrativa e a ignorância cultural, traços marcantes do “mandonismo dos chefes [políticos], cuja maior virtude –a coragem- é uma pura estupidez decorrente de sua ignorância e de sua irresponsabilidade diante dos homens e do mundo”. Havia muita resistência política. Para a realização das reformas educacional e administrativa, o prefeito Raimundo Santana tentou convencer não apenas os políticos como os próprios educadores, que se encontravam completamente desmotivados com a profissão: “É que tais professores, não compreendendo as responsabilidades inerentes aos seus cargos, preocupam-se menos com aprimoramento de seus minguadíssimos conhecimentos e o aproveitamento de seus alunos, do que com os animados passeios e divertimentos que lhes prometem os dias de férias. […] Para eles, professores improvisados, com a grave responsabilidade dos chefes políticos, e sem capacidade para distinguir Instrução de Educação, educar significa apenas transmitir vagas noções de linguagem, aritmética, história e geografia, o que não abrange toda a significação do termo, pois que ele traduz também formação da personalidade da criança, ajustamento da criança à sua comunidade e habilitação, em suma, da criança para enfrentar as canseiras da luta pela vida (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953)”.

 

 A percepção crítica de Raimundo Santana sobre o quadro apático do ensino municipal, na década de 1950, é de uma perícia impressionante. Ele tinha total domínio da pasta. Sabia como resolvê-los, só precisava vencer o maior de todos os entraves: o político. O vereador Raimundo Antunes Ribeiro, colega de Raimundo Santana no Movimento de Renovação Cultural no Piauí, em sessão plenária da Câmara de 09 de outubro de 1948, expressa toda sua insatisfação quanto ao ensino ministrado nas escolas de Campo Maior:

 

 “iniciando o seu discurso S. Exc.ª, afirmou que o município de Campo Maior é um dos mais bem servido no Estado, em matéria de instrução. Entretanto, prossegue a Exc.ª dada a falta de compreensão ao cumprimento do dever, o professorado municipal, está muito longe de corresponder a expectativa que se exige ao sagrado mister de ensinar. Não basta somente ensinar. […] É preciso que se transmita noções e conhecimentos adquiridos por uma geração subsequente, com mais ardor,  com mais carinho, mais entusiasmos. Portanto, finaliza o líder udenista [Antunes Ribeiro] -, que se fizesse sentir ao Exmº -senhor prefeito municipal a necessidade de sua mais rigorosa fiscalização às diversas escolas municipais, impondo aos respectivos professores, mais eficiência e mais responsabilidade ao sagrado mister de educar”.

  

Diante dessa triste situação do magistério, o prefeito Raimundo Santana inicia o movimento em defesa da educação pública e a valorização do magistério. A meta dele era qualificar o professor, eliminando do quadro os inaptos. O concurso público foi o instrumento escolhido para fazer essa seleção. Realizou os primeiros cursos de aperfeiçoamentos pedagógicos. Melhorou o salário do magistério e o manteve em dias. Em 1952, por intermédio do Governo do Estado, Raimundo Santana contratou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) para ajudá-lo na restruturação da grade curricular e do ensino em geral.

  

CÓPIA de uma das muitas mensagens governamentais enviadas pelo prefeito Raimundo Santana ao Poder Legislativo. Ele cumpria fielmente os ditames das regras do Direito Administrativo e a Constituição Federal. Os relatórios e as mensagens chamam atenção pela escrita enxuta e bem fundamentada. Em certos trechos há o forte sabor literário.


Todo início de ano da sua gestão, conforme manda a lei, cumpria fielmente a leitura de prestação de contas e o resultado anual do governo perante o plenário da Câmara. Sempre que achasse necessário ia pessoalmente as sessões legislativas apresentar mensagens que julgassem melhor esclarecimento aos parlamentares.

  De todos os setores da prefeitura, a educação era o mais crítico. O ensino público estava infestado pela praga do apadrinhamento político, os “professores não compreendiam as responsabilidades inerentes aos seus cargos, preocupam-se menos com o aprimoramento de seus minguadíssimos conhecimentos e o aproveitamento de seus alunos, do que com os animados passeios e divertimentos que lhes prometem os dias de férias (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953)”.

 

O emprego público à base do “pistolão” preenchia a maioria das vagas na prefeitura. Raimundo Santana começa a valorizar o currículo sobre a indicação política. Com a implantação do concurso, ele tenciona enfraquecer a cultura do “papai-governo” tão maléfico para o desenvolvimento municipal, suspende a lista dos servidores “amigos do prefeito”, que consumiam assustadoramente os recursos públicos, com a distribuição de “mesadas gordas” pagas pelo “papai-governo” a pessoas influentes e membros de famílias que por prestígio “social” ou “eleitoral” vinham se perpetuando em cargos de chefias, nas administrações de prefeitos poucos zelosos com o patrimônio público.

 A politicagem consumia bastante recurso, prejudicava investimentos e sucateava a administração, com amontoado de servidores sem a menor qualificação, apenas de indicação política. A ordem de Raimundo Santana era modernizar a gestão para que a mesma pudesse liderar o processo de desenvolvimento em Campo Maior. Torná-la eficiente. Segundo o prefeito Raimundo Santana, Campo Maior precisava recuperar o tempo pedido.  Ele insistia na “necessidade de reformar o ensino e adaptar as escolas municipais aos métodos da pedagogia moderna, e novamente insistimos, em sugerir que o professorado seja submetido a concurso para o aproveitamento dos capazes e melhoria do ensino (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953)”.

 Como professor e pensador, o prefeito Raimundo Santana também se preocupava com a questão pedagógica e ideológica envolvendo o ensino. Ele incentivou o ingresso do homem num magistério dominado pelas mulheres. Buscou a igualdade de gênero, o equilíbrio entre os sexos e acabou reforçando valores machistas. Na época não era visto dessa forma, hoje sim.

 

Para o prefeito Raimundo Santana “deveria se falar em ‘professor’, termo genérico” para nomear os profissionais da educação, independente do sexo. Ele tentou ingressar homens no magistério, mas não conseguiu. Ao fazer a lotação de um professor para escola da localidade Ilha Nova, ele desabafa “é preciso que se diga, não tenho candidato masculino ao cargo. O que desejo é simplesmente ter uma situação clara, que de futuro, não traga embaraços (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953)”.

 

O governo de Raimundo Santana foi acometido por uma grande seca que castigou Campo Maior. Mais um problema para o prefeito resolver. Ele socorreu os mais pobres e os imigrantes do Ceará fugidos da estiagem. Nem mesmo a seca foi capaz de atrapalhar o ambicioso projeto de Raimundo Santana para educação. A reforma do ensino era uma questão de honra para o prefeito:

 

“Em duas outras mensagens mostramos urgente necessidade de se reformar o ensino e adaptar as escolas municipais aos métodos da pedagogia moderna, e novamente insistimos, em sugerir que o professorado seja submetido a concurso para aproveitamento dos capazes e melhoria de ensino” (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953).

  

No período da República Populista no Brasil (1945-1964), o número de escola em Campo Maior aumentou significativamente, principalmente na gestão de Raimundo Santana. Grande parte delas estabeleceu-se na zona rural. Em 1949, o prefeito Waldeck Bona destinou dez mil cruzeiros para iniciar a construção do Patronato Nossa Senhora de Lourdes. Ivon Pacheco, em 1950, criou três escolas. O prefeito Raimundo Nonato Monteiro de Santana foi o que mais criou escolas municipais nesse período. No seu primeiro ano de mandato (1951) fundou oito unidades escolares. No ano seguinte, foram mais onze. Todas na zona rural.


O prefeito Oscar Castelo Branco Filho por meio da lei nº 286 de 10 de fevereiro de 1955, desapropriou as terras de Luís Maria de Carvalho para doá-las ao Estado para construção do Grupo Escolar Leopoldo Pacheco no bairro Nossa Senhora de Lourdes, antigo bairro da capela. Ele também desapropriou as terras de Maria Barbosa Monte, para construção do Grupo Escolar Briolanja Oliveira, no bairro de Flores. Oscar Castelo Branco também aumentou o auxílio financeiro da prefeitura para manutenção do Ginásio Santo Antônio de Cr$ 18.000,00 para Cr$ 30.000,00. O prefeito José Olímpio da Paz desapropriou terrenos municipais, em 1961, para construção do “Ginásio Industrial”, o antigo GOT. Cada prefeito ao seu estilo empreendeu uma política educacional.

 

Entre todos os prefeitos do período da República Populista, Raimundo Nonato Monteiro de Santana empreendeu uma vantajosa política educacional. Solidificou um planejamento aproveitado pelos gestores posteriores. Era um homem visionário e ousado, conhecia como poucos o drama da educação brasileira, seja como estudioso da matéria, professor ou político.

 

Raimundo Santana avança nas reformas. Aproveitou o bom momento econômico do município advindo da indústria extrativista da cera de carnaúba para impulsionar o comércio e os negócios da cidade. Conseguiu aumentar a receita e a capacidade de investimento da prefeitura. Com muita desenvoltura gerencial, equilibrou as contas públicas. Ofereceu apoio aos empresários “sem extorquir ou ameaçar senão como resultante de uma política administrativa racional e portadora dos requisitos de ordem científica (Relatório do executivo enviado a Câmara Municipal-1953)”.

 

Por meio da Lei n° 208 de fevereiro de 1953, Raimundo Santana contratou o Departamento Administrativo do Serviço Público-DASP (órgão do governo federal), criado por decreto-lei n° 579 em 30 de julho de 1938, para reformar diversos serviços internos da prefeitura, bem como proceder à reestruturação do quadro de funcionários municipais. O objetivo político de Raimundo Santana ao contratar o DASP era fazer o entrosamento da máquina burocrática da prefeitura, tal como vinha acontecendo no plano nacional, afim de ter uma maior eficiência na arrecadação de tributos e na aplicação de recursos.

 

Raimundo Santana implantou um governo ideológico, fundamentado na “política administrativa racional e portadora dos requisitos de ordem científica”. Porém seu projeto modernizante foi obstaculizado por forças retrógradas, desejosas em manterem o velho modelo de gestão que vinham conduzindo a coisa pública para benefícios particulares. O prefeito Raimundo Santana, como intelectual e estudioso da realidade brasileira, conhecia afundo os problemas e principalmente a mentalidade dos políticos campo-maiorenses:

 

“No comum, pelo menos no Nordeste Brasileiro, o prefeito do interior é um coronel, cioso de sua experiência, mas certo, apenas de uma única coisa – seu poder e sua fortuna-. É o homem providencial […], querendo mandar em tudo e em todos, daí porque quase sempre fracassa no trato da coisa pública e nas relações obrigatórias de coordenação entre os poderes (Mensagem Governamental nº2 enviada a Câmara Municipal, 28 de janeiro de 1953)”.

 

A falta de pessoas qualificadas, com gral de instrução razoável e uma mentalidade aberta aos novos ditames da moderna administração atrapalhava o projeto de Raimundo Santana na implantação de uma gestão eficiente, menos dispendiosa para o erário municipal. Resistências e limitações à reforma modernizadora da máquina burocrática da prefeitura proposta por Raimundo Santana se dava por conta da política coronelista enraizada na cidade. Mesmo com a oposição na Câmara e dentro do próprio governo, Raimundo Santana alegrava-se da agilidade conquistada nos procedimentos funcionais em sua gestão.

 

Além da baixa capacitação profissional dos servidores, outro fator de ordem interna que prejudicava a reforma modernizadora na gestão de Raimundo Santana deu-se nos compromissos firmados das alianças e acordos políticos do pleito eleitoral em que foi eleito prefeito. Raimundo Santana não conseguiu romper totalmente com os vícios e os apadrinhamentos políticos instalados há décadas na prefeitura. O coronelismo político imperava.

 

Raimundo Santana combateu uma das maiores sangrias financeiras no tesouro municipal, ao acabar com privilégios advindos do perdão de dividas de contratos entre arrendatários e a prefeitura no uso dos carnaubais do patrimônio municipal para a extração de cera, produto de grande valor de mercado na época. Ele criou e aumentou diversos impostos, em vez de revogá-los, como fazia as administrações anteriores. Procurou ser criterioso no perdão ou cancelamentos de impostos e dívidas de pessoas físicas ou jurídicas com a prefeitura. Pelo menos no primeiro ano do seu mandato. Não conseguiu fugir totalmente das amarras da política clientelista vigente. Porém, driblou algumas vezes o sistema. Beneficiou fazendeiros, ao construir barragens e açudes (tipo aterro) em propriedades particulares, mas também esforçou-se em edificar barragens e açudes em terrenos públicos para que a população da zona rural pudesse beneficiar-se da água sem ficar devendo favores ou sofrer pressão de “coronéis” e latifundiários.

 

Por causa de compromissos e acordos, infiltravam-se no governo forças antiquadas. Extratos das velhas oligarquias que emperravam qualquer avanço. Mesmo as forças mais progressistas do governo, com capacidade e inteligência administrativa, acabavam rendendo-se aos vícios políticos e atropelavam o plano desenvolvimentista de Raimundo Santana.

 

Para um homem de visão como Raimundo Santana, tencionado a mudar a gestão de Campo Maior, ao privilegiar o aspecto técnico sobre o político, aceitar o loteamento de cargos em seu governo parece um contrassenso a tudo que está sendo discutido neste artigo. No entanto, o leitor há de convir que a vitória eleitoral de Raimundo Santana ao cargo de prefeito não se deve apenas a sua capacidade intelectual ou por ser homem de letras numa sociedade de analfabetos, mas dependia sobretudo dos famosos “currais eleitorais” nas mãos de “coronéis” como Francisco Alves Cavalcante (Chico Alves) e Sigefredo Pacheco.

 

A chegada de Raimundo Santana a prefeitura deve-se ao apoio político de Chico Alves e outros “coronéis” que visavam derrotar o candidato a prefeito João Chrysóstomo de Oliveira, aliado de Sigefredo Pacheco. O pleito do ano de 1950 foi um dos mais tensos e violentos da história política de Campo Maior. Era praticamente impossível o candidato chegar à prefeitura sem uma aliança e apoio de Sigefredo Pacheco ou Chico Alves.

 

Raimundo Santana cedeu às vontades do coronel Chico Alves e aceitou o Dr. Antônio Cícero Correia Lima, como vice-prefeito em sua chapa. O Dr. Cícero Lima, aliado de Chico Alves, já tinha disputado um pleito eleitoral (1935) contra Sigefredo Pacheco e perdeu.

 

Raimundo Santana não mediu esforço para retirar as barreiras políticas do apadrinhamento político que engessava a administração pública. Teve excelentes resultados. Melhorou sensivelmente o serviço público e, sobretudo o ensino municipal. Parte dessas conquistas, especialmente no campo administrativo, foram desfeitas nas gestões seguintes.

 

Na política, Raimundo Santana procurou colocar em prática as teorias que aprendeu de maneira eficiente na vida de estudante e professor. Como prefeito, empreendeu uma gestão mais técnica que política, para desagrado dos aliados que o ajudaram a eleger. De espírito republicano, Raimundo Santana ao longo do seu mandato, dialogou com as forças políticas de forma democrática, respeitou a regra constitucional e manteve uma boa relação institucional com a Câmara Municipal.

 

Homem de princípios, desviou-se de escândalo que viesse manchar sua reputação e o cargo conquistado pelo voto popular. Contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento de Campo Maior. Foi o político do diálogo. Um defensor da educação pública, gratuita e de qualidade. Fez uma gestão de excelência. Realizou obras, construiu escolas, abriu estradas, equilibrou as contas públicas e soube lidar com os coronéis sem comprometer a sua honra e moral, eliminou vícios administrativos e políticos no governo. Pouquíssimos prefeitos foram éticos como ele na condução da coisa pública.

 

A política foi um acidente de percurso na vida de Raimundo Nonato Monteiro de Santana. Ele não buscou a reeleição, tão pouco deixou herdeiro político. Seu verdadeiro e único grande amor foi o magistério, exercido de maneira brilhante nas instituições educacionais em que trabalhou como professor e intelectual independente. O pensador preocupado com o desenvolvimento do Piauí. Na Academia Piauiense de Letras, atuou de forma incansável no apoio a cultura e a literatura do Estado.

 

FONTES CONSULTADAS

 

CHAVES, Celson. História Política de Campo Maior. Campo Maior-PI, edição do autor: 2013.

 

CHAVES, Celson. História da Educação Campo-Maiorense: políticas educacionais da Prefeitura de Campo Maior (1940-1975). Campo Maior, edição do autor. 2012.

 

LIMA, Reginaldo Gonçalves. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Campo Maior-PI, edição do autor, 1995.

 

OLIVEIRA, José Olímpio Castro de. Vestígios da minha Caminhada. Teresina-PI, edição do autor: 2006.

 

Revista Cadernos de Teresina. Entrevista com Professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana. Teresina-PI, agosto 1995, Ano IX – Nº 20.

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