Sumiço
de Louro
Pádua Marques
Contista, cronista e romancista
Dava pra ver de longe
quem estivesse descendo pela rua Coronel Pacífico no rumo dos Tucuns naquela
hora da manhã, aquele monte de gente correndo pra cima e pra baixo no sentido
da Santa Casa e do porto Salgado. Gente que doía na vista. Uns aqui na esquina
em pé de conversa esperando as novidades, outros mais adiante dando palpites,
ou mais lá na frente umas mulheres falando em voz baixa, pano de cozinha no
ombro, quase tapando a boca com a mão pra não levantar suspeitas de estarem
atrás de fuxico.
Mas a coisa era outra.
Aquele lado da Parnaíba parou por causa do sumiço de um periquito. Seu Isidoro
e dona Júlia vieram trazer água com açúcar e acalmar os filhos da vizinha, dona
Ana, que era doente dos nervos, com todo aquele alvoroço nos Tucuns, que até naquela
hora do dia e quase em tempo de almoço, ainda não havia mostrado sossego. E
onde já se viu tudo aquilo por causa de um maldito periquito? Coisa de quase
dar polícia e depoimento de vizinhos na delegacia.
Uns meninos largaram a correr
rua acima e rua abaixo, subindo em cercas e invadindo os quintais alheios, pra
os lados da casa de doutor Raul Bacellar, atrás do periquito do quitandeiro
Domingos e de sua mulher dona Luzia. Ele era aleijado de uma perna e se
utilizava de uma muleta. Mas passava o dia inteiro atrás do balcão vendendo vez
por outra uma farinha branca, um mercado de querosene, açúcar, goma, café,
azeite de coco, sabão, naquele pedaço úmido da Parnaíba.
Criavam nos fundos da
casa uns três periquitos, presentes de um compadre antigo vindo da Barra do
Longá, passando por Buriti dos Lopes e que sempre se hospedava naquela casa,
repartida com dois filhos, o Jonas e o Pedro, rapazinhos de pouco mais de
quinze anos. Estes dois, vendo aquela confusão criada dentro de casa, em vez de
ajudarem, acharam foi de ficar com outros da mesma igualha na esquina contando
piadas indecentes associando ao periquito sumido. De vez em quando largavam a
dar gargalhadas.
Com o periquito Louro
tomado sumiço naquele dia, Tucuns virou praça de guerra com gente procurando de
luz acesa. A notícia já chegava ao Mercado Central e tomava a praça da Graça, a
rua Grande e a firma dos Moraes lá na Coroa. De início todos queriam saber quem
era esse louro que havia sumido assim do dia pra noite sem deixar pistas. Quem
era? Onde morava? Quem era sua família? Se não era de Parnaíba, de onde vinha? Todo
mundo naquele dia na Parnaíba queria saber uma resposta.
Até o meio do dia era uma
pergunta que se fazia pra todo lado. Desde a ponta da esquina do Cine Éden até
a Mercearia do seu Bembém. Dona Maria José, mulher do açougueiro Damião e a
filha Vicentina, saindo de menina pra moça, vieram quando a coisa já estava
mais calma dizer que Louro havia sido encontrado em sua casa, não muito
distante. Achado entre os quadros e imagens de santos do seu quarto. Foi achado
pela filha. Nem ofereceu resistência, o bichinho. Foi coisa de ir até a cozinha
e pegar um pano de prato, jogar em cima e segurar com força pelas asas e a
cabeça pra não levar bicada.
Enquanto a notícia do
achado ainda era coisa de conhecimento de poucos, apenas em casa do
quitandeiro, a Parnaíba continuava de cabeça pra baixo e a conversa se
encompridando e ganhando vulto. Foi a tal ponto de seu Demétrio correr até a
Rádio Educadora dar alarme pra Fonseca Mendes de que um homem louro havia
desaparecido nos Tucuns pela madrugada, mas não se tinha conhecimento quem eram
seus parentes e nem de onde veio. Havia sumido. O povo estava atrás.
Tinha gente e não era
pouca de olho no rio Igaraçu porque a qualquer momento o corpo, se o homem tinha
se afogado e enganchado nalgum tronco de carnaúba, poderia boiar. Veio notícia
de que até a Capitania dos Portos estava de prontidão. Uns cinco canoeiros e
vareiros de barcas que faziam travessia pra Ilha Grande de Santa Isabel estavam
trabalhando sem descanso. Tinha notícia chegando dos Morros da Mariana e dos
Tatus dando conta de que esse louro poderia ter sido visto por aquelas bandas
nalguma pescaria. Era muita conversa!
Quando Louro foi achado e
a conversa correu mundo, já quase naquele fim de tarde e de que se tratava de
um periquito vindo anos atrás da Barra do Longá pra casa do quitandeiro Damião,
muita gente largou de mão o que estava fazendo pra chegar à porta da rua e
passar a xingar o aleijado de tudo quanto era nome feio. Filho dessa e filho
daquela! Ladrão foi o nome de menos! Até a pureza de Vicentina entrou na
conversa. Que era sonsa e fingida! Muita gente deixou de comprar suas
necessidades na quitanda por uns dias. Teve gente na Parnaíba que chegou a
jurar que, tendo um jeito, iria matar o diabo do periquito.
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