1ª edição |
2ª edição |
3ª edição |
Apresentação de Rosa dos Ventos
Gerais (*)
Rossana Silva
“Deus quer, o homem sonha, a
obra nasce”.
Fernando Pessoa
Assim disse o poeta
português Fernando Pessoa. Reportando-nos a esses versos, enalteceremos a
realização do sonho de um menino chamado José Elmar de Melo Carvalho que aos
dez anos de idade manifestou a sua vocação literária através da leitura
prazerosa e incansável dos livros da pequena biblioteca de seu pai Miguel
Arcângelo; como também, dos livros que foram enviados pela grande incentivadora
deste hábito tão saudável, sua madrinha Mirozinha.
De
origem campo-maiorense, aquele menino, tornou-se um adulto. Residiu por vários
anos em Parnaíba, onde se formou em Administração de Empresas pela Universidade
Federal do Piauí. Participou efetivamente dos jornais e revistas desta cidade
nos anos 70, proporcionando aos amantes da Literatura uma leitura prazerosa de
suas poesias.
Em
1982 mudou-se para Teresina, onde se bacharelou em Direito pela Universidade
Federal do Piauí. Casou-se com Fátima, com quem tem dois filhos: João Miguel e
Elmara Cristina. O Dr. Elmar tornou-se um magistrado, mas nem por isso
abandonou sua vocação literária e o sonho de ser imortal. E’ membro da Academia
Parnaibana de Letras – APAL, da Academia do Vale do Longá, da Academia Maçônica
de Letras do Estado do Piauí, da Academia de Letras e Belas Artes de Floriano e
Vale do Parnaíba. É poeta, contista, cronista e crítico literário. Participou
de várias obras coletivas e como realização de um sonho, publicou de forma
individual o livro de poesias: A Rosa dos Ventos Gerais (1ª edição – 1996) e
hoje, seis anos depois, temos a honra de, nesta noite memorável, fazer a
apresentação de “Rosa dos Ventos Gerais (2ª edição – revista, aumentada e
melhorada). É uma grande responsabilidade fazer a apreciação desta obra, já que o autor é dono de uma fortuna crítica
invejável. Suas poesias foram lidas e apreciadas por grandes nomes da
Literatura, dentre eles o renomado escritor Assis Brasil; assim, a escolha para tal apreciação nos
honra e nos envaidece.
O
vate Elmar Carvalho pertence ao Modernismo Piauiense, precisamente à Geração
Mimeógrafo, ou seja, a geração dos anos 70 à atualidade. Geração essa, de
poetas corajosos que enfrentaram obstáculos próprios da ditadura e passaram a
divulgar sua arte de contestação, produzindo textos com um vigoroso conteúdo
social, econômico, político, sem esquecer o lírico e telúrico.
Concordamos
de forma plena com o poeta e crítico literário Alcenor Candeira quando diz que
Elmar Carvalho é um dos melhores poetas da Geração dos anos 70.
O LIVRO
Falemos
agora especificamente do livro “Rosa dos Ventos Gerais”.
Partindo
da definição de que a “rosa dos ventos” indica os diversos rumos a serem
tomados, o título nos sugere os vários caminhos que a vida nos oferece. Qual
deles seguir? Seguiremos o que for melhor para a nossa vida, o que nos faz bem
e nos traz felicidade.
O
autor, com uma rosa dos ventos, nos conduz à leitura prazerosa de uma temática
bem diversificada que enfatiza a paixão avassaladora pela mulher amada envolta
de sensualidade e erotismo, a natureza, o telúrico, problemas sociais e a
angústia existencial do homem moderno.
Lembrando
os cancioneiros da época do Trovadorismo e do Humanismo, o poeta se utiliza
dessa forma medieval para reunir quase toda a sua produção poética, acrescentando
alguns poemas inéditos ao lançamento anterior. Essa coletânea grandiosa está
dividida em quatro partes denominadas: Cancioneiro do ar, Cancioneiro do fogo,
Cancioneiro da terra e da água e Cancioneiro dos Ventos Gerais. Nos quatro
cancioneiros há referências à nossa querida Parnaíba. O poeta é parnaibano de
coração, dessa cidade, ele tem fortes lembranças que são mencionadas de uma
forma muito especial. Trabalhando artisticamente as palavras, fazendo uso da
fanopeia (imagem) e da melopeia (musicalidade) o poeta diz:
De Parnaíba jamais esquecerei
o vento dedilhando a harpa eólia
da palma dos coqueiros
e uma música divina destilando.
jamais esquecerei a ventagonia
fiando
e desfiando os novelos de meus
cabelos
encrespados em espumas e
salsugens
e arrastando minha alma
– veleiro
de aventureiros e corsários
bandoleiros e libertários –
pelo
largo mar onde
onda após onda
o
sonho vai quebrar.
Na
primeira parte: Cancioneiro do Ar, o poema de abertura “Autobiografia Zodiacal”
revela a forte ligação do poeta com a poesia concreta, tão festejada na metade
da década de 50 por Décio Pignatari e os irmãos Campos. Essa tendência
contemporânea aparecerá nas outras partes do livro. Encontramos um poema de
forma fixa (soneto) ao lado de poemas de versos livres sem rima e sem métrica.
E’ a conciliação do tradicional com o moderno. Predominantemente líricos, os
poemas retratam a sensibilidade do poeta ao falar de amor, sexo, sensualidade e
erotismo envolvendo elementos da natureza. O poeta utiliza belíssimas metáforas
com o corpo da mulher amada conforme vemos em “cântico do corpo amado”:
“Teus
olhos
são
dois lagos – calmos ou agitados –
em
que os meus imergem e se perdem.”
“Tuas
orelhas
são
conchas
em
labirinto de perfeito lavor
e
nelas escutas e escuto as vozes
dos
búzios e o chamado do mar.”
Pelas
dunas do deserto
de
teu ventre fértil e belo
encontro
o oásis na cacimba
de
teu umbigo em que naufrago
perigo
e me embriago.
Chamou-nos
atenção o longo poema “Vida in Vitro” (um dos preferidos do poeta). Monólogo de
161 versos livres sem a divisão de estrofes, com iniciais minúsculas, exercendo
a tão sonhada liberdade de forma dos poetas da 1ª fase do Modernismo. Neste
poema, encontramos o homem moderno: estressado, perdido, angustiado, sem rumo,
com uma “Vida In Vitro”, ou seja, preso, à procura de sua identidade, sem saber
o que fazer da vida, procurando direção na busca incessante do seu eu, da sua
identidade sem, contudo, perder a esperança de um dia encontrá-la. Observemos
os versos iniciais e os finais:
“andavas pelas ruas de outrora
à procura de ti mesmo
que se encontrava aos pedaços
bêbado nos bares
aos trancos e barrancos
se arrastando pelos lupanares
tortuosamente andando pelas ruas
tortas."
“queres apenas morrer, esquecer.
queres viver eternamente num
mundo
que não é teu. Contudo, tens
esperança
e agora teces um poema sem fim
com o novelo infinito de tua vida
que se desdobra do nada ao
tudo...
Ainda
na primeira parte, encontramos a belíssima elegia que retrata a dor da perda
irreparável de Josélia (irmã do poeta que falecera aos 15 anos de idade):
Fui
pisado
pela
terra.
Fui
pisado
pela
terra
eu
que sempre
procurei
pisar
nas
nuvens e
no
céu.
Sonhei
que minha
irmã
morrera,
mas
ela não morreu.
Era
tão cheia de vida
que continua viva
na lembrança dos
que ficaram.
Ela continua viva
porque houve apenas
uma metamorfose
existencial.
Josélia (ou groselha, a fruta)
tinha a pureza dos inocentes
a inocente malícia dos felizes
e a beleza
dos que não são
deste mundo cão.
Por isso foi
Para o céu de
onde (vi)era.
Em
“Cancioneiro do Fogo” (2ª parte) o poeta se volta para a poesia social,
enfatizando problemas tais como: a fome, a miséria humana, o descaso e a falta
de sensibilidade das autoridades diante de tanta miséria. A palavra é a arma
poderosa que o poeta tem para fazer denúncias e comover os insensíveis. Façamos
uma reflexão com alguns versos de “sonata em dor maior”:
A
mesa está posta,
mas
os pratos estão vazios.
O
meu povo não tem
talheres,
nem colheres,
por
isso come com
as
mãos o que não
existe
nos pratos.
O
meu povo deseja bater
palmas
para as estátuas dos
heróis
libertários.
Mas
como se as mãos
e
os pés estão atados?
Em
1888 acabaram com a
escravidão
no Brasil. Mas que escravidão?
Se
antes os escravos eram pretos,
hoje
são de todas as cores,
e
cantam com raiva a “Esparrela do Brasil”
Os poemas de Cancioneiro da Terra e da Água (3ª parte)
enfatizam os elementos da natureza (mar, vento, concha, búzio, onda...) que o
poeta de forma telúrica insere-os aos poemas e faz reverência a Parnaíba,
Teresina, Oeiras, Campo Maior (cidade em que o poeta nasceu), Luzilândia,
Barras, José de Freitas, Sete Cidades e Amarante. É um verdadeiro tributo ao
Piauí. Merece destaque “cromos de Campo Maior” pela descrição imagética de sua
cidade.
“Açude Grande
apenas no nome, mas pequeno
na paisagem ampla dos
descampados.
Tuas águas cinzentas
azularam-se em minha saudade.
Tuas águas barrentas
são tingidas de azul pelo
azul do céu que se espelha
em tuas águas de chumbo.
Em ti os pobres lavam
coisas e se lavam.”
Em Cancioneiro dos Ventos Gerais (4ª e
última parte) temos como abertura o belíssimo poema “Desiderata”. Nele o poeta
utiliza de forma brilhante a técnica da colagem, inserindo no poema passagens
da bíblia, da Desiderata de Max Ehrmann e outros textos. E’ um poema de muita
reflexão que nos induz a conviver melhor com os nossos semelhantes. Citemos um
trecho:
“A ninguém te compares,
para
que não fiques vaidoso ou amargurado,
porque
hão de existir
maiores
e menores,
melhores
e piores do que tu.”
Nesta
última parte, encontramos dois poemas épicos modernos (assim denominados pelo
autor) que merecem destaques especiais: “Dalilíada” que é uma homenagem ao pintor
espanhol surrealista Salvador Dali e “Zona Planetária” que é um longo poema
inspirado em uma zona de meretrício de Campo Maior. Nele o poeta associa
elementos mitológicos, astronômicos à sociologia dos cabarés. De uma forma
clássica, o poeta enfatiza a vida sofrida das meretrizes. Mostremos alguns
versos:
“Nas calçadas altas da Zona
Planetária
meretrizes expõem suas carnes
em varais de açougues imaginários
aos transeuntes ou faunos
eventuais,
nas horas em que Hélio esboça a
Aurora.
Ali, os desejos são Ícaros leves
que sobem
nas asas de cera do pensamento,
quando
Nyx, filha do Caos, com seu
negromanto
Lantejoulado de estrelas e sua
coroa de dormideiras, a noite,
o sonho e a orgia instaura
Cupido passa com seu
séquito de sátiros e de ninfas
pelas calçadas e salões da Zona
Planetária
e Eros proclama seu reinado
de orgia, prazeres, orgasmos e
pecados.”
E
para finalizar o livro, o filho adotivo de Parnaíba faz uma alusão, com o
título de poemitos da Parnaíba, a figuras ilustres, populares, estimadas e
muito conhecidas pelos parnaibanos, como: Alarico da Cunha, Cego Bento,
Bernardo carranca, Pacamão, Meio – Quilo e outros mais.
Enfim,
toda a temática abordada pelo poeta possibilita-nos uma associação com os
seguintes versos do poeta modernista Mário de Andrade: “A gente escreve para
amar e ser amado, para atrair e encantar.” Dessa forma: atraindo e encantando,
Elmar Carvalho nos apresenta Rosa dos Ventos Gerais, pois, é através da leitura
de sua poesia que constatamos que o poeta fala com o coração. Mas, como é o seu
coração?
“é
uma moeda
de
várias faces
mas
de um só
sentimento:
o amor”.
Rossana Carvalho e Silva Aguiar
Parnaíba, 13.04.2001
(*) Texto com que a professora
Rossana Carvalho e Silva Aguiar fez a apresentação da segunda edição de Rosa
dos Ventos Gerais, em Parnaíba, em solenidade da Academia Parnaibana de Letras,
então presidida pelo historiador Renato Neves Marques, ocorrida no dia
13/04/2001.
Nenhum comentário:
Postar um comentário