O RAPTO DE JACILINA
José Expedito Rêgo
Querubino veio do Ceará, fugindo de uma seca. Vendeu a fazenda e o gadinho magro, antes que morresse todo. Arribou para o Piauí, trazendo a filha pequena, Jacilina, deu com os costados em Oeiras. Comprou uma casa de esquina, no largo do Rosário, onde montou residência. Não dispondo de mais dinheiro, resolveu entrar para a Polícia, era ainda homem moço. Inteligente e dotado de bons conhecimentos fez carreira, aposentou-se como oficial. Granjeou boas amizades entre os colegas de profissão, gozando de prestigio.
Jacilina cresceu, ficou muito bonita, mas encalhou pela falta crônica de rapazes casadouros na cidade sem progresso. De noite, ficava nua, no quarto de solteira, apalpava os seios polpudos de rosados bicos eretos, olhava a cintura fina, os quadris amplos emoldurando o negro triangulo do sexo, as coxas firmes e braças, tudo sem proveito.
Querubino criou a filha rodeada de carinho, esperando casá-la com moço de boa família e algum recurso. Via com tristeza o tempo passar e a filha caminhando rumo ao caritó, sem que aparecesse um pretendente digno. Receava morrer sem descendência.
Nisso, apareceu o Frota, viúvo idoso, pai de muitos filhos. Viu Jacilina e achou graça na recolhida virgem. Esta enfrentou o partido, não dava para escolher. Topou o namoro, de olhares na saída da missa domingueira e bilhetes mandados por um moleque de confiança. Quando Frota foi fazer o pedido, Querubino deu o tranco. Não tinha filha para casar com velho viúvo, carregado de filhos. Mas Jacilina queria, o Frota combinou o rapto. Esperou a véspera de Sexta-Feira de Passos, quando se da a ‘Fugida’ da imagem de Bom Jesus dos Passos para a Igreja do Rosário. A Festa dos Passos foi sempre muito concorrida. Vem gente de toda redondeza, da zona rural e das cidades e povoados vizinhos.
Frota parou o cavalo junto à janela do oitão da casa, onde Jacilina esperava com a trouxa arrumada. Saltou na garupa, de banda, o rosto virado para o lado oposto, a cabeça amarrada com um lenço. Frota quebrou o chapéu na testa e passaram em frete à porta, onde Querubino, sentado na calçada, calmamente, nem deu fé. Pensou que fosse algum casal de matutos, chagando para a procissão do dia seguinte.
Frota levou a noiva para casa do Visconde da Parnaíba, com quem já combinava o asilo. Querubino sentindo a falta da filha desesperou-se. Apelou para os amigos que ainda contava, na força policial. Houve busca minuciosa.
Tudo em vão, a moça não se encontrava em parte alguma. Foi quando um amigo veio dizer-lhe onde se escondera à filha. O pai aflito foi ter com o Presidente da Província, Manoel de Sousa Martins. Este, como sempre, dispunha de todo poder. Mandava e desmandava, sua vontade era lei. O noivo era seu amigo, a rapariga não sairia da sua casa, a não ser casada com o Frota. Querubino não teve alternativa se não se conformar com o desejo soberano do potentado.
O casamento realizou-se e Jacilina foi muito feliz. Querubino desgostou-se tanto que liquidou seus negócios e se foi embora, para nunca mais ser visto em terras oeirenses. Em sua residência ficou um baú, trancado a sete chaves. Jacilina sabia da existência da velha arca, que o pai nunca abrira, nem falava do conteúdo da mesma. Desde que viera do Ceará, trouxe consigo essa mala de couro misteriosa.
Quando chegou a noticia em Oeiras que Querubino havia morrido, numa cidade do Maranhão, Jacilina resolveu abrir o baú. Mandou que o arrombassem. Para a surpresa de todos, foram encontrados batinas pretas e paramentos de igreja, cálice e patena de prata, um breviário antigo. Tudo muito bem conservado. O velho Querubino era um padre apóstata.
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