domingo, 9 de janeiro de 2022

Seleta Piauiense - João Ferry

 

Fonte: Portal dos Mitos/Google

O CABEÇA DE CUIA        

 

João Ferry (1895 – 1962)

 

Com o sol a pino, um dia, no Poti,

Um pescador voltou da pescaria;

Vinha fulo, porque no seu pari;

Um peixinho sequer, nele caía.

 

Alegre a velha mãe o aguardava

Com o almoço frugal que de costume,

Para o filho querido preparava,

Quando vinha feliz com seu cardume.

 

Nesse dia, zangado, o belo moço,

Tratou mal a velhinha e aos palavrões,

Recusou-se aceitar o seu almoço,

Uma ossada gostosa de pirões.

 

Em vão a velha mãe bondosamente,

Com mimos, com carinho e com amor,

Procurou acalmar o imprudente,

Que tomando um osso, um “corredor”...

 

Bateu na velha mãe, em louca fúria,

Esmurrou-lhe a cabeça veneranda

E cobrindo-a de apodos e de injúria,

Mostrou sua alma vil, negra e execranda.

 

Com a dor, a velhinha atordoada,

No terreiro da casa ajoelhou,

Filho ingrato, cruel, desnaturado,

E mil pragas do céu invocou...

 

Filho maldito, o rio há de tragar-te,

E entre todas as suas agonias,

De monstro que tu és, para salvar-te

Haverás de engolir 7 Marias...

 

E o filho como um louco caiu n’água

No lugar “Poti Velho” e ali sumiu-se,

E a velhinha corando sua mágoa,

Ao sol quente, de dores, sucumbiu-se.

 

E é voz corrente que o Poti gemendo,

Quando a cheia do rio em fúria desce,

O “Cabeça de Cuia”, um monstro horrendo,

Nas águas a boiar sempre aparece.

 

E ao que consta, até hoje, o imprudente,

Não conseguiu tragar uma só Maria...

E há de viver assim eternamente,

Um fantasma de dor e agonia.

 

Fonte: Antologia dos Poetas Piauienses (2006), de Wilson Carvalho Gonçalves

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