ILUSTRE DESCONHECIDO
José Expedito Rêgo
Passava férias em Luís Correia. A caminho da praia, parei numa farmácia, a fim de comprar um tubo de Aerolin-Spray, que uso para alívio de minha asma crônica. Recebi o medicamento e indaguei do farmacêutico se poderia emitir um cheque de valor superior ao preço da compra, necessitava de dinheiro em espécie, uns trocados para gastar com água de coco e caranguejos cozidos. O homem aquiesceu facilmente. Preenchido o talão, assinei, entreguei-o ao vendedor, e pedi à minha esposa que recebesse o troco, fui esperar no carro.
A mulher chegou sorridente, disse que o farmacêutico, ao ler o meu nome no cheque, perguntou se eu era o escritor José Expedito Rêgo, autor do romance Né de Sousa. Obtida a confirmação, comentou para a outra pessoa que estava ali perto: “Taí, meu primeiro freguês hoje foi um romancista e dos bons!”
Naturalmente, fiquei satisfeito de ser reconhecido assim numa cidadezinha afastada, por um leitor esclarecido. Não que me julgue realmente bom romancista, mas o fato gratificaria qualquer um.
Moro em Floriano há quase vinte anos e continuo um ilustre desconhecido. Um dia desses, fiz umas compras em um supermercado, coisa pouca, apenas umas frutas. Na ocasião, estava também sem dinheiro em moeda corrente. Perguntei à moça da caixa registradora se podia trocar um cheque maior que o devido, os bancos recomendam não soltá-los muito pequenos. A rapariga fitou-me os olhos atentos, mirou bem o meu rosto e respondeu: “Só se o senhor falar com o gerente!”
Mas a culpa é minha. Reconheço que sou esquisito, arredio, de poucos amigos. Meu relacionamento social é minguado, não vou a festas, nem a velórios. Não frequento as igrejas, não pertenço a nenhum clube social ou de serviço. E naturalmente a mocinha do supermercado não tem obrigação de conhecer os meus livros, talvez nem de ler.
Parece mesmo que a boa leitura, uma das práticas mais agradáveis desta vida ruim, não é bastante apreciada pelo povo de Floriano, de um modo geral.
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